Para onde tem ido todo o excedente?

por David Ruccio [*]

Graças à divulgação dos chamados Paradise Papers e das investigações adicionais conduzidas por Gabriel Zucman, Thomas Tørsløv e Ludvig Wier , sabemos que uma grande parte so excedente capturado pelas corporações é artificialmente transferido para paraísos fiscais de todo o mundo. Isto, naturalmente, está no topo da evidente evasão fiscal praticado pelos indivíduos possuidores de uma grande parte da riqueza mundial.

Assim, como exemplo, corporações multinacionais dos EUA agora afirmam gerar 63 por cento de todos os seus lucros realizados no estrangeiro em seis paraísos fiscais, sendo os mais destacados a Holanda, Bermudas & Caribe e Irlanda. Isto representa 20 pontos mais do que em 2006. [1]

O que isto significa é que, nos próprios paraísos fiscais, taxas impositivas baixas podem gerar grandes receitas fiscais em relação à dimensão das economias. Mas também significa que grandes corporações multinacionais podem jogar um paraíso fiscal contra os outros e transferir seus lucros para aqueles com leis e regulamentos mais generosos – como fez a Apple recentemente, ao relocalizar dezenas de milhares de milhões de dólares da Irlanda para a pequena ilha de Jersey (a qual tipicamente não tributa rendimento corporativo e em grande medida é isenta de regulações fiscais da União Europeia).

Isto também significa que os supostos países sede das corporações multinacionais perdem receitas fiscais potenciais, o que representa um fardo fiscal imposto aos demais, especialmente indivíduos e pequenos negócios.

No caso dos Estados Unidos, Zucman e seus colegas estimam que os EUA perderam quase 60 mil milhões de euros para paraísos fiscais (cerca de três quartos dos paraísos fiscais da União Europeia e o resto de paraísos fiscais alhures), o que representa cerca de 25 por cento da receita fiscal corporativa actualmente arrecadada.

Como explica Zucman,

Paraísos fiscais são um propulsor chave da desigualdade global, porque os principais beneficiários são os accionistas das companhias que os utilizam para fugir a impostos.

Claramente, as regras existentes são tais que grandes corporações multinacionais ganham duas vezes: primeiro, pela captura de cada vez mais excedente dos seus trabalhadores, cujos salários mal se moveram nas últimas décadas; e em segundo lugar, por utilizar paraísos fiscais para evitar pagar impostos sobre uma grande porção daquele excedente, transferindo portanto o fardo fiscal para os trabalhadores do seu próprio país.

[1] Elaborei os gráficos acima com base nos dados disponibilizados publicamente por Zucman, Tørsløv e Wier
15/Novembro/2017

[*] Economista.

Do mesmo autor:
  • The poor and unequal die younger (Mortalidade e desigualdade em S. Paulo, Brasil)

    O original encontra-se em https://rwer.wordpress.com/2017/11/15/where-has-all-the-surplus-gone-4/


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 30/Nov/17