O grande buraco negro e o futuro do dólar
por F. William Engdahl
[*]
Durante meses o governo dos EUA insistiu em que o pior da
"recessão" está chegando ao fim e que os primeiros
sinais da retomada estão à vista. A realidade é o oposto.
A crise financeira que começou em agosto de 2007 no pequeno segmento de
"sub-prime", ou de alto risco, relativo ao mercado de dívidas
hipotecárias de US$ 20 milhões de milhões, está
agora se espalhando, legalmente, para o segmento "prime", ou de alta
qualidade. A economia da única superpotência mundial está a
tornar-se cada vez mais parecida com a do Império Romano no
século IV, quando este colapsou em anarquia, dívidas e caos.
As nações do mundo estão tomando medidas para se afastar
da dependência do dólar. China, Rússia, Brasil e
Cazaquistão estão em busca de uma nova moeda para as reservas. A
China está silenciosamente fazendo acordos bilaterais de swap de moedas
com parceiros comerciais asiáticos, assim como a América Latina e
os antigos países da União Soviética. A principal moeda
comercial da Área de Livre Comércio China-ASEAN
[1]
provavelmente não será o dólar. Na América Latina,
os países da ALBA
[2]
estão mudando do dólar para o sucre como divisa do
comércio, a partir de janeiro de 2010. O Mercosul passará a
recusar o dólar no comércio exterior em 2011.
Para a divisa de reserva mundial, o pior ainda está por vir.
A REALIDADE ECONÔMICA DOS EUA
A realidade da economia americana é o oposto da propaganda da Wall
Street.
Em termos econômicos reais, a economia dos EUA já está numa
depressão. A economia americana vive sua pior contração
desde a primeira derrocada da Grande Depressão no início dos anos
30.
Como um antigo funcionário do Tesouro no governo Reagan recentemente
declarou: "Não sobrou economia para recuperar. A economia
manufatureira dos EUA foi perdida para as exportações e para a
ideologia do livre comércio. Foi substituída por uma "Nova
Economia" mítica baseada em serviços. Foi alimentada pelas
taxas de juros artificialmente baixas do Federal Reserve, que produziram uma
bolha imobiliária, e pela desregulamentação financeira do
'mercado livre', o que liberou os gânsters financeiros para atingir novas
alturas de alavancagem de débito e produtos financeiros
fraudulentos".
Quando esta economia "virtual" entrou em colapso, a riqueza dos
americanos investida em imóveis, pensões e poupança
também colapsou. A economia da dívida levou os americanos a
alavancarem seus ativos. Eles refinanciaram suas casas e gastaram o capital.
Gastaram seu limite em numerosos cartões de crédito. Trabalharam
em tantos empregos quantos puderam. A elevação das dívidas
e os múltiplos rendimentos familiares mantiveram a economia americana
nas últimas duas décadas.
Agora, subitamente, os americanos já não podem tomar
empréstimos para gastar. Estão afogados em dívidas. Os
empregos estão desaparecendo. O consumo americano, aproximadamente 70%
do PIB, está morto. Os americanos que ainda têm empregos
estão poupando para se prevenir da possibilidade da perda do emprego.
Milhões estão sem lar. Mais de 14% de todas as hipotecas
domésticas estão em incumprimento ou pelo menos com um pagamento
atrasado, um recorde histórico. A tendência é piorar.
Alguns estão morando com suas famílias e amigos; outros
estão vivendo em cidades de tendas.
O declínio atual da economia está longe de acabar. Este
declínio continuará até se deteriorar, será
extremamente prolongado, extremamente profundo e não responderá
aos estímulos econômicos tradicionais. A economia dos EUA
está presa numa clássica "armadilha da dívida"
do Terceiro Mundo.
A economia Americana sofre de severos problemas estruturais ligados à
relação dívida/rendimento do consumidor. As
famílias não conseguem acompanhar a inflação e
já não podem contar com o aumento excessivo da dívida para
encontrar expedientes para manter o padrão de vida. As questões
estruturais não estão sendo tratadas pelos programas de
estímulos de Obama. Elas não podem ser tratadas sem uma
mudança significativa e fundamental nas políticas
econômicas e comerciais do governo, as quais na melhor das
hipóteses ainda arrastarão a depressão econômica
durante muitos anos. Desde 2007 os consumidores americanos têm poupado
para liquidar as suas enormes dívidas de cartão de
crédito, automóvel e moradia. Eles não estão
consumindo e não consumirão por um longo tempo. Nos
últimos 12 meses eles reduziram sua dívida em impressionantes US$
2 milhões de milhões. Isso reduziu seriamente o crescimento
econômico, e é o motor da depressão. Não há
opção.
Se calculamos os dados sem a manipulação oficial ou maquilagem
contábil, a estimava real de desemprego está hoje acima de 22%,
não os 10% oficiais. O PIB está declinando à taxa mais
severa desde a Segunda Guerra Mundial e a aproximar-se rapidamente dos
níveis da Grande Depressão.
A produção manufatureira dos EUA está entrando em colapso.
Os níveis da dívida familiar são os mais altos da
história americana, acima de 300% do rendimento disponível. A
dívida corporativa é igualmente alta. A dívida
governamental atingiu seu record e logo alcançará 100% do PIB. A
economia dos Estados Unidos foi apanhada na armadilha da dívida que ela
mesma fabricou.
PERSPECTIVAS PARA O DÓLAR
A partir de 1985, quando os EUA passaram à posição de
devedor líquido pela primeira vez desde a Primeira Guerra Mundial,
tornaram-se o maior devedor líquido mundial. Em janeiro de 2009, a
posição de investimento internacional líquido dos EUA foi
de US$ 3,47 milhões de milhões, segundo o Departamento de
Comércio. Isso representa a diferença entre o valor dos ativos
americanos na posse de estrangeiros (US$ 23,36 milhões de
milhões) e o valor dos ativos estrangeiros na posse de americanos (US$
19,89 milhões de milhões). Os EUA, como entidade singular,
pública e privada, deve ao mundo US$ 3,47 milhões de
milhões. A maior parte disso é para a China, assim como para
Japão e Rússia. Os EUA são hoje uma superpotência
militar mas um anão econômico. Apenas em 2008, a dívida
líquida dos EUA aumentou de US$ 1,33 milhão de milhões, ou
62%. A tendência não é melhorar, já que salvamentos
bancários e outras proteções econômicas ficam mais
caras. Os estrangeiros agora detêm cerca de 50% da dívida
publicamente declarada do governo federal. Se os investidores estrangeiros
reduzirem significativamente as suas compras de futuros títulos do
Tesouro americano, as taxas de juros dos EUA aumentarão e o dólar
desabará. O status de devedor líquido dos Estados Unidos com
estrangeiros está no nível mais alto da história americana.
A principal fonte de apoio ao dólar vem dos países com excedente
comercial com os EUA, cujos bancos tem poucos lugares mais seguros para
investir esses dólares do que a dívida governamental dos EUA. Os
maiores compradores de dívida em dólar no passado recente, por
diferentes razões, foram os bancos centrais da Rússia,
Japão, e, muito à frente dos outros o Banco Popular da
China.
O modelo americano de défices comerciais e de transacções
correntes não é sustentável. Ninguém pode dizer
quando o dólar cairá ainda mais, mas deve cair nos
próximos meses. Somente uma guerra dramática e inesperada
poderá concebivelmente comprar um pouco mais de tempo para o
dólar. E mesmo isso não é certo, tamanhos são os
déficits.
Os Estados Unidos estão hoje presos numa armadilha mortal de
dívidas, assim como a Argentina e outros países do Terceiro Mundo
estiveram nos anos 80. Mas isso não é tudo. As perspectivas de
que os déficits do Governo Federal dos EUA continuem são
também extremamente negativas.
CONCLUSÃO
O orçamento do governo americano saltou de US$ 455 mil milhões em
2008 para US$ 2.000 mil milhões este ano, com outros US$ 2.000 mil
milhões para 2010. Obama acaba de intensificar a cara guerra no
Afeganistão, e iniciou uma nova guerra no Paquistão. Não
há maneira de financiar esses déficits a menos que se imprima
dinheiro.
O orçamento do governo americano está deficitário em 50%.
Isso significa que metade de cada dólar que o governo federal gasta
tem que ser tomado emprestado ou impresso. Mas o mundo está ficando cada
vez menos predisposto a emprestar US$ 2 milhões de milhões por
ano a Washington.
O maior credor dos EUA, a China, está avisando Washington para proteger
os investimentos da China na dívida americana, e discutindo uma nova
moeda de reserva para substituir o dólar antes que ele colapse. A China
está gastando seus dólares americanos na aquisição
de ouro e estoques de matérias-primas.
De acordo com fontes bem posicionadas na Arábia Saudita, tem havido
reuniões secretas nos últimos meses entre os principais
produtores de petróleo árabes, inclusive a Arábia Saudita,
e, segundo informações, também a Rússia, com os
principais países consumidores de petróleo, incluindo dois ou
três dos maiores países importadores de petróleo
China e Japão. O seu projeto é criar silenciosamente a base para
quebrar a longa "regra de ferro", que já dura 65 anos, de
vender petróleo só em dólares americanos. Isso iria ser
catastrófico para o papel do dólar.
Nada na política econômica de Obama é direcionado a salvar
o dólar americano. A política de Obama, como a de Bush antes
dele, é controlada pela Wall Street e pela indústria
armamentista. A economia americana caminha para a depressão severa e o
dólar irá junto, a menos que haja uma nova Guerra mundial, que
Deus proíba.
Notas:
1- Association of Southeast Asian Nations (Associação das
Nações do Sudoeste Asiático)
2- Alianza Bolivariana de los Pueblos de América
[*]
Autor de
Um século de guerras: a política petrolífera
anglo-americana e a nova ordem mundial (A Century of War: Anglo-American Oil
Politics and the New World Order),
publicado em oito línguas. É um dos mais amplamente analistas
da evolução política e econômica atual, seus artigos
e análises aparecem em vários jornais e revistas, e websites de
grande repercussão. Além de discutir a geopolítica do
petróleo e questões energéticas, escreveu sobre assuntos
de agricultura, GATT, WTO, IMF, energia, política e economia por mais de
30 anos, desde o primeiro choque do petróleo e da crise mundial de
cereais no início da década de 70. Seu livro
Sementes da
destruição: a agenda secreta da manipulação
genética (Seeds of Destruction: The Hidden Agenda of Genetic
Manipulation)
documenta a tentativa de controlar o abastecimento de alimentos às
populações mundiais. Ganhou o prémio 'Project Censored
Award' para as Histórias mais Censuradas de 2007-08.
Depois de se licenciar em política pela Universidade de Princeton (EUA),
e de estudos em economia comparada na Universidade de Estocolmo,
trabalhou como economista independente e jornalista de
investigação em Nova Iorque,
e mais tarde na Europa. É Investigador Associado no respeitado Global
Research Center (
www.globalresearch.ca
) de Michel Chossudovsky e Professor Visitante Convidado na Universidade de
Tecnologia Química em Pequim. Engdahl colabora regularmente com
várias publicações internacionais sobre assuntos
econômicos e políticos. Seu sítio web:
www.engdahl.oilgeopolitics.net
O original encontra-se em
http://en.fondsk.ru/article.php?id=2684
. Tradução de RMP.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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