Marxismo e crises capitalistas
por
Science & Society
"Crise" é uma pedra de toque neste período da
"Grande Recessão", na sequência do colapso de 2007-2008.
Noutras alturas, desaparece totalmente do discurso predominante. O pensamento
burguês caracteriza-se por passar das projeções da crise,
abstratas e absolutas, em certos períodos, para festejos otimistas de
harmonia e de estabilidade, noutros períodos.
[1] O marxismo, pelo contrário, sempre considerou as crises como um modo
de existência, sempre presente, do capitalismo, o meio pelo qual
avança a acumulação sempre relativa, sempre
sistémica, que mostra sempre uma realidade nuclear comum e novos modos
de apresentação.
Esta Edição Especial, "Crises e Transformação
do Capitalismo: Investigações e Análises
Contemporâneas de Marx", apresenta uma notável gama de
erudição marxista, entretecendo fios históricos,
teóricos e empíricos numa rica tapeçaria de perspetiva da
atual crise e das suas causas. Esta edição é um belo
complemento da nossa Edição Especial, "Capitalismo e Crise
no Século XXI" (julho 2010), editada por Justin Holt e Julio Huato.
Vou deixar os pormenores quanto ao conteúdo para a
Introdução e para os próprios artigos. Aqui, como de
costume, apresentamos os nossos profundos agradecimentos aos editores
convidados, Eduardo da Motta e Albuquerque e Alex Callinicos, por terem
compilado estes ensaios. E (mais uma vez) como sempre, convidamos os leitores a
continuar esta investigação, crítica e fundamental, e as
suas controvérsias, contribuindo para a nossa secção
Comunicações em futuras edições.
D.L.
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[1] "Na véspera da crise, o burguês, com a
autossuficiência
que deriva duma prosperidade embriagadora, declara que o dinheiro é uma
imaginação oca. Só as mercadorias é que são
dinheiro! Mas agora, ouve-se o grito por toda a parte: só o dinheiro
é que é uma mercadoria! Tal como a corça anseia por
água pura, também a alma dele anseia por dinheiro, a
única riqueza" (CapitaI, Vol. I, cap. 3).
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EDIÇÃO ESPECIAL
Crises e Transformação do Capitalismo:
Investigações e Análises Contemporâneas de Marx
Eduardo da Motta e Albuquerque e Alex Callinicos, Editores Convidados
INTRODUÇÃO
1. A Conjuntura Pós-Colapso
Oito anos após o colapso da Lehman Brothers, não há sinais
duma recuperação económica global estável e
consistente. Pelo contrário, há indícios claros de
instabilidade prolongada no epicentro da crise. A crise de 2007-2009 e o
ambiente económico mundial pós-crise colocam grandes problemas
às investigações teóricas e empíricas.
O impacto e o significado histórico desta crise por vezes chamada
"a primeira crise financeira mundial" têm sido
comparados às grandes crises da história capitalista, como a
crise de 1929. Claro, não é uma avaliação
fácil, dado que são evidentes muitas novas características
nesta última crise: o papel das inovações financeiras, a
velocidade da sua difusão internacional, a cooperação
transnacional entre estados para a conter.
A natureza da crise de 2007-2009 é uma primeira questão:
será uma Grande Depressão? Quais são as suas causas? Que
é que esta crise tem em comum com crises anteriores? O que é
diferente desta vez?
Uma das singularidades desta crise é a natureza e a velocidade da sua
difusão internacional. Atingiu a economia mundial logo em 2008, mas o
impacto foi desigual. Basicamente, as economias capitalistas no centro (os
Estados Unidos, a Europa e o Japão) foram as mais afetadas. As
principais economias periféricas a China, em primeiro lugar
foram menos afetadas inicialmente e recuperaram mais depressa, em 2012 o
Banco de Compensações Internacionais (BIS, 2012, 1) chamou-lhe
uma "recuperação a duas velocidades". Mesmo assim,
segundo dados do BCI, após 2010, quanto aos dados sobre desemprego,
há uma separação entre a recuperação nos
Estados Unidos e a persistência da crise na Europa (BIS, 2013, 14).
Posteriormente, o BCI (2015, 45) menciona "padrões instáveis
de crescimento", "em contraste com uma retoma nas economias
avançadas" nas economias dos mercados emergentes, que
"perderam o ímpeto". Em 2015 a economia brasileira encolheu
3,8%, enquanto a turbulência na Bolsa chinesa foi considerada como
prenunciando problemas mais profundos. Um epicentro de instabilidade pode ser
uma característica daquilo a que Andy Haldane, economista-chefe do Banco
de Inglaterra, chamou
uma trilogia da crise em três atos. A Parte Um dessa trilogia foi a crise
"anglo-saxónica" de 2008-2009. A Parte Dois foi a crise da
"área do euro" de 2011-2012. E podemos estar a entrar agora na
primeira fase da Parte Três da trilogia, a crise do "mercado
emergente" de 2015 em diante. (Haldane, 2015).
[1]
A conjuntura pós-colapso tem sido um ambiente de polémicas e
disputas, mesmo entre importantes políticos e comentadores
económicos. O regresso do fantasma de uma "estagnação
secular", avançada pelo antigo conselheiro económico de
Obama, Lawrence Summers, é um indicador dos problemas que envolvem a
economia capitalista mundial (por ex., Summers, 2014). A crise, em si mesma,
dada a sua importância e efeitos de longa duração,
apresenta outra questão aos investigadores: estará relacionada
com uma transição para uma nova fase da evolução
capitalista?
Para além destas incertezas mais diretamente económicas, a
conjuntura atual envolve muitos dos profundos problemas sociais e
políticos, velhos e novos. Não é possível avaliar o
cenário pós-colapso sem considerar o aumento da desigualdade, os
novos problemas demográficos relacionados com uma maior esperança
de vida, os fluxos de migração do Médio Oriente e de
África para a Europa, a evolução, profundamente
disfuncional, da integração europeia, o aumento da xenofobia e do
racismo nalgumas regiões da Europa e as mudanças em curso na
geopolítica mundial.
Portanto, a conjuntura pós-colapso apresenta grandes desafios aos
investigadores. Como enfrentá-los?
2. Marx enquanto ponto de partida
Marx e as suas obras são um ponto de partida que, pelo menos, pode
reunir muitos investigadores. Gostaríamos de sublinhar dois importantes
pontos em relação a Marx e aos debates contemporâneos sobre
as crises. Primeiro, há a sua teorização do capitalismo
como um sistema dinâmico. Isto implica uma perspetiva a longo prazo que
apresenta um tratamento da mudança profundamente distinto. Este sistema
dinâmico sofre transformações de forma turbulenta e
não linear, e isso é uma razão fundamental para as crises
terem um lugar tão importante nas obras e nas
investigações de Marx. O próprio Marx e, depois dele, uma
longa tradição de intelectuais inspirados em Marx, dedicaram
esforços a compreender as crises que povoam a história do
capitalismo, relacionando-as em especial com a dinâmica a longo prazo do
capitalismo. Mais ainda, esta tradição persistente tem
investigado a complexa relação entre a dinâmica
capitalista, as crises e as transformações do capitalismo. Nas
primeiras décadas do século XX, Hilferding, Luxemburgo, Bukharine
e Lenine, com as suas obras sobre o imperialismo, oferecem exemplos de
tentativas para compreender o aparecimento de uma nova fase do capitalismo.
Essas obras influenciaram uma posterior e rica linha de
investigação que tem investigado diferentes fases durante o
século XX. Esta tradição mantém-se viva e de boa
saúde nas primeiras décadas do século XXI: o livro
publicado por Albritton,
et al.
(2001) e a edição especial desta revista (
Science & Society,
2010, Vol. 74, No. 3), publicada por Justin Holt e Julio Huato, são
boas ilustrações desta linha de investigação.
Segundo, a investigação colaborativa internacional e o trabalho
organizado em torno do MEGA as Obras Completas de Marx-Engels (Marx
Engels Gesamtausgabe; ver
https://socialhistory,org/en/projects/marx-engels-gesamtausgabe
), ou MEGA2 transformou o nível de estudos de Marx. O projeto
MEGA é uma fonte fascinante de novas informações e novos
materiais de Marx; vão mudando, à medida que os lemos. Para quem
está interessado em crises, o projeto MEGA disponibilizou material ainda
não publicado, em especial os blocos de notas de Marx sobre crises. Os
excertos nesses blocos de notas dão pistas aos investigadores
contemporâneos quanto à forma como Marx investigou as crises que
testemunhou. Esses materiais revelam os seus esforços para coligir
cuidadosamente dados empíricos sobre as crises contemporâneas
1847, 1857, 1866, 1874 usando fontes como
The Economist, The Money Market Review,
estatísticas dos relatórios do Banco de Inglaterra e
inquéritos parlamentares. O MEGA mostra Marx a debater-se para
compreender as mudanças no capitalismo do seu tempo. Poderá
surgir uma imagem de Marx, mais viva e mais humana, desses materiais: as suas
notas, os tópicos que atraíram a sua atenção e as
explorações de questões que eram importantes nalguns
excertos, mas que se evaporaram noutros. Portanto, estes materiais (quer os
publicados, quer os dos arquivos do MEGA) podem ajudar os investigadores atuais
a alargar horizontes, a afiar e melhorar as suas ferramentas de
investigação e a desenvolver uma nova compreensão de todo
o empenho de Marx. É um acontecimento feliz que este novo conhecimento
de Marx e das suas investigações sobre crises venham a
público exatamente quando temos este enorme desafio de compreender uma
nova crise no capitalismo.
Em suma: o que é fascinante para os que gostariam de usar Marx como um
ponto de referência útil para investigar o capitalismo
contemporâneo é a transformação por que está
a passar atualmente, para melhor, o nosso conhecimento das suas
contribuições. Não só sobre a dinâmica do
capitalismo, mas o conhecimento sobre Marx também está a mudar
um sujeito em mudança com um ponto de partida teórico em
mudança.
3. Esta Edição Especial
O desafio em compreender a conjuntura pós-colapso e as oportunidades
abertas pelos novos materiais sobre os estudos de Marx de crises exigem uma
investigação mais profunda, uma reflexão coletiva e um
debate académico. Para ajudar a enfrentar este desafio e aproveitar esta
oportunidade, foi organizada um
workshop
no King's College London (27 e 28 de maio, de 2015): "Crises e
Transformação do Capitalismo: Investigações e
Análises Contemporâneas de Marx".
[2]
Esta edição especial de
Science & Society
é um produto desse
workshop
e de vivos argumentos e debates.
O leitor pode usá-la enquanto combinação de
opiniões diferentes e, por vezes, até conflituosas, do complexo
sistema que é o capitalismo. Essas opiniões conflituosas podem
mesmo ser reinterpretadas pelo leitor como complementares, visto que os artigos
têm focos diferentes. Claro que o resultado final fica por conta do
leitor. Esperamos que haja qualquer coisa a ganhar com as
interpretações aqui apresentadas.
4. Os artigos
Os artigos nesta edição especial estão divididos em duas
secções.
4.1. As Investigações de Marx e a Teoria da Crise.
Lucia Pradella (King's College London) abre a primeira parte, seguindo o
desenvolvimento da compreensão de Marx do elo entre imperialismo, crise
e revolução. Este artigo usa os blocos de notas de Marx
(parcialmente publicados na quarta secção do MEGA2), os seus
artigos sobre colonialismo (sobre a Índia, a China e os Estados Unidos
em particular), o "Livro da Crise" escrito em 1857-1858, e o
Capital
, Volume I. Pradella argumenta em primeiro lugar que, graças à
sua crítica da teoria da quantidade de dinheiro nos Blocos de Notas de
Londres (1850-1853), Marx desenvolveu a sua análise da
acumulação de capital a nível global, incluindo
procedimentos de investimento externo e expansão imperialista. Marx
elaborou assim uma compreensão mais refinada do elo entre a
acumulação de capital e a crise, e ultrapassou a sua anterior
perspetiva unidirecional de revolução internacional. No
"Livro da Crise" e nos seus artigos sobre a China e a Índia,
Marx defende que os movimentos anticolonialistas nestes países eram
fatores de agravamento da crise; estes movimentos podiam reagir na
Grã-Bretanha e, através dela, na Europa continental, aumentando a
possibilidade dum resultado revolucionário. Na secção
seguinte, Pradella analisa como o Capital I conceptualiza o elo entre
movimentos anticolonialistas, transição hegemónica e
crise. Pradella apresenta, em especial, a análise de Marx das
consequências do desenvolvimento industrial dos EUA e da Guerra Civil
Americana para a indústria inglesa.
Leonardo Gomes de Deus (UFOP, Brasil) e os seus colegas ("Uma Teoria na
Forja: Rascunhos de Marx de o
Capital
e os Blocos de Notas sobre a Crise de 1866") concentram-se na
preparação de Marx e trabalho posterior do Volume III, em
especial a Parte Cinco sobre juros e crédito, e as
alterações de Engels desses manuscritos e notas. Este artigo
segue uma sequência que começa com os planos de Marx para as suas
obras; continua com o
Manuscrito 1864-1865
, seguido pelo regresso de Marx às investigações do
dinheiro, crédito e finanças, após os seus estudos e
leituras relacionadas com a crise de 1866; e conclui com uma análise
sobre como Engels corrigiu o Volume III com todos estes materiais
[3]
Este artigo mostra como Marx estava a explorar alterações
estruturais que ocorreram antes e depois da crise de 1866. Os tópico dos
índices preparados por Marx nos Blocos de Notas B108, B109 e B113 mostra
o seu interesse em fenómenos novos, como as alterações nas
políticas do Banco de Inglaterra (o início do seu papel de
emprestador de último recurso), a relação entre
"títulos e pânico", o aparecimento e o aumento de
importância de "bancos por ações e outras
empresas", o desenvolvimento dos caminhos-de-ferro (que podia ser visto
como uma inovação tanto industrial como financeira), e
alterações institucionais como a Lei de Responsabilidade Limitada
de 1862. Na opinião dos autores, o "
Exzerpthefte
, que Marx escreveu em 1868 e 1869, constitui uma investigação
sistemática da crise de 1866". Em diálogo com a
secção seguinte, esclarecem que "os blocos de notas aqui
apresentados fornecem uma agenda muito clara, envolvendo o mercado de divisas,
o comércio internacional, o crédito e a crise".
Alex Callinicos (King's College London) e Joseph Choonara (Universidade de
Middlesex, UK) contribuem com um artigo que marca uma transição
do nível de elaboração no primeiro nível os
escritos e a investigação de Marx para uma nova que tem
por objetivo investigar o papel das crises na dinâmica do capitalismo. O
debate muda para questões como o papel dos movimentos de lucros nas
crises, como medir a taxa de lucro e como essas questões de
medição podem ter impacto na discussão sobre a natureza e
a situação da interpretação de Marx. Callinicos e
Choonara sublinham que David Harvey é um marxista contemporâneo
muito importante, mas são críticos quanto à sua recente
rejeição das tentativas de explicar crises através da
queda da taxa de lucro. Resumem diferentes interpretações sobre a
situação da tendência para a queda da taxa de lucro (TRPF)
nas obras de Marx. Concentrando-se nesta questão fundamental para
a compreensão de crises, velhas e novas Callinicos e Choonara
oferecem uma ampla visão que analisa questões
metodológicas básicas, preparando o terreno para uma
discussão sobre "porque é que as taxas de lucro são
importantes". Aqui, o artigo aborda o papel da taxa de lucro antes e
depois das crises, organizando uma análise sobre a causalidade e outras
ligações entre a dinâmica industrial e o papel do
crédito e da finança, assuntos do Volume III de Marx. Callinicos
e Choonara sugerem uma interação entre a queda tendencial da taxa
de lucro e as suas contratendências, defendendo que "isso não
significa que as taxas de lucro se tornem indeterminadas". Sublinham que
"Marx parece ter encarado a TRPF e as tendências
compensatórias como resolvendo-se a si mesmas através de crises
periódicas
Longe de a tendência e as contratendências
se limitarem a fazer subir ou descer as taxas de lucro, tendem a desenvolver-se
duma maneira explosiva, com períodos de expansão pontuados por
crises". Callinicos e Choonara apresentam assim o papel de
contratendências que serão centrais nos dois artigos na
secção seguinte.
4.2. Tendências empíricas e explicações
teóricas.
Guglielmo Carchedi (Itália) abre a segunda parte com uma pergunta
muito precisa: "A Grande Recessão foi uma crise de
lucratividade?" Este tema é de novo um tópico do Volume III
de Marx aqui um elo com artigos na primeira secção
e um tema de controvérsia entre autores nesta edição. O
artigo fornece dados para seguir recentes movimentos na
composição orgânica do capital e da taxa média de
lucro. Dados sobre emprego e capacidade de utilização ajudam a
mostrar movimentos de crise e recuperação (apresentam-se dados
para as crises de 1949, 1954, 1957-58, 1960-61, 1970, 1974-75, 1980-82,
1990-91, 2001-02 e 2007-08). Carchedi aplica a sua interpretação
da lei de Marx da queda da taxa de lucro, argumentando que ela "diz que a
taxa do lucro cai tendencialmente", e que os seus dados mostram
"empiricamente que é esse o caso". "Quando aplicada
à teoria da crise, a lei diz que as crises são determinadas pela
lucratividade em queda. Mas a lei
não
diz que a taxa de lucro tem que cair obrigatoriamente nos anos que
precedem
a crise. Nem diz que mesmo que tenha que cair antes da crise, seja a causa da
crise". Carchedi considera "se
[a Grande Recessão de
2008-2009] foi uma crise financeira que se propagou aos setores produtivos ou
uma crise de lucratividade que determinou e propagou-se aos setores
financeiros", e conclui que "o que acontece é a último
caso". Para analisar esta questão, separa os dados de lucros totais
em lucros gerados na esfera produtiva e lucros financeiros "uma
dedução tanto dos lucros gerados nos setores produtivos como dos
lucros totais". A análise desses dados leva Carchedi a concluir que
"todas as crises financeiras são tendencialmente determinados pela
lucratividade em queda".
Jan Toporowski (Escola de Estudos Orientais e Africanos, Reino Unido) foca o
papel da finança no capitalismo. O seu artigo alia uma incursão
na história do pensamento económico (análogo ao de
Callinicos e Choonara) com uma análise das raízes da crise de
2007-2008 (análoga à de Carchedi). Toporowski passa em revista,
criticamente, como Marx e intelectuais como Mikhail Tugan-Baranovsky, Rosa
Luxemburgo e Rudolf Hilferding analisavam crises e mudanças no
capitalismo. Toporowski foca a inovação financeira e sublinha que
"desde que o
Capital
foi escrito, ocorreu uma mudança radical no funcionamento da economia
capitalista, na forma do aparecimento e proliferação de mercados
para dívidas a longo prazo e participações em empresas
capitalistas. Estes mercados expandiram-se, com a legislação a
partir da década de 1860 em diante, que facilitou a
instauração de sociedades anónimas nos países
capitalistas avançados". Esta referência é uma
ligação útil com os artigos da primeira
secção desta edição especial. Toporowski sumariza
as alterações na finança "desde o século
XX" em diálogo com marxistas e pós-keynesianos
contemporâneos. Passa em revista teorias de
financiarização, assumindo uma posição
crítica: "Sem uma análise das condições para a
determinação do valor, sendo essas condições
principalmente a acumulação de capital e o seu financiamento, as
teorias de financiarização não podem proporcionar uma
descrição adequada da finança corporativa que reside no
cerne da economia capitalista". Com este pano de fundo teórico,
Toporowski aborda a crise de 2007-2009". "A finança
corporativa tem sido amplamente ignorada nas explicações da crise
de 2008". Esta interpretação leva-o a apresentar "uma
moldura para compreender como se criou a atual crise económica na esfera
da finança corporativa". Usando como referência dados
fornecidos em artigos de
The Economist
como Marx fez nos seus blocos de notas sobre a crise de 1866
Toporowski avalia o comportamento financeiro de seis importantes firmas
multinacionais no setor de materiais básicos e da General Electric. A
sua conclusão sublinha o papel do setor financeiro na última
crise, mediado pela dinâmica da acumulação de capital.
Gérard Duménil e Dominique Lévy (CNRS, França)
analisam longamente o capitalismo nos Estados Unidos e organizam o seu artigo,
descrevendo cinco fases diferentes e as transições entre elas. As
suas referências a movimentos na taxa de lucro relacionam este artigo com
outras contribuições. Estes movimentos enformam o seu artigo, que
postula três fases de lucratividade em declínio
("trajetórias à moda de Marx") e duas fases de
trajetórias ascendentes ("tendências
contratendenciais"). Este artigo está também sustentado de
forma fortemente empírica, em que os dados sobre lucros e produtividade
do capital criam uma perspetiva de longo prazo sobre esses movimentos, a partir
de 1870. Neste cenário de longo prazo, Duménil e Lévy
contextualizam a crise de 2007-2009 e daí em diante, e apresentam a
análise duma transição para uma nova fase do capitalismo
norte-americano, uma nova trajetória descendente que se iniciou em 2004.
A descrição das cinco fases é seguida por uma
apresentação teórica das duas "trajetórias
à moda de Marx" e "passagens":
"características administrativas crescentes", um tópico
que analisa a revolução dirigente e as mudanças provocadas
pelas tecnologias de informações e de comunicações.
A sua análise duma nova fase a quinta depois de 2004,
caracterizada pela lucratividade em queda, está ligada a uma cuidadosa
avaliação do atual estádio da revolução da
informação e das comunicações, com um
diagnóstico que consideram estar perto da interpretação de
Robert Gordon.
Michael Roberts avalia tanto o colapso de 2007-2008 como a conjuntura que ele
inaugurou, apresentando um diagnóstico que está muito claro logo
no título do artigo: "É uma Depressão". Roberts
sugere uma tipologia de recessões e depressões (seis tipos, desde
uma recessão, como em 1974-1975, até à Longa
Depressão, como a que começou em 2007). O artigo apresenta dados
para sustentar a avaliação da atual conjuntura enquanto longa
depressão, com foco especial em dados que mostram como o PIB
per capita
está hoje abaixo da linha de tendência definida pela
trajetória económica antes da crise de 2007-2009. Roberts passa
em revista autores predominantes como Mankiw e Brad Delong, e
instituições como a OCDE que fornecem indícios da natureza
da atual crise. Integra as análises do papel da taxa de lucro nesta
longa depressão, apresentando dados para a taxa de lucro mundial, com
base em dados processados por Esteban Maito. Esses dados foram alvo de algum
debate durante o
workshop;
esta importante controvérsia pode continuar. No caso dos Estados
Unidos, Roberts apresenta dados sobre como os movimentos da taxa de lucro, os
investimentos e o PIB estão correlacionados, sublinhando o importante
papel dos movimentos da taxa de lucro. O artigo conclui com uma análise
da dinâmica a longo prazo e do eventual aparecimento de uma nova fase do
capitalismo através da consideração de ciclos de lucro,
numa elaboração que alia Marx e Kondratiev. Com este
enquadramento teórico, Roberts aponta, por fim, para uma
coincidência entre o ciclo de lucro e os ciclos de Kondratiev: tal como
nos anos 30, "a onda descendente de lucros coincide hoje com a onda
descendente do ciclo de preços de Kondratiev que começaram em
1982 e só chegarão ao fim em 2018".
Leonardo Ribeiro (Inmetro, Brasil) e Eduardo Albuquerque (UFMG, Brasil)
continuam esta preocupação com longas ondas, usando um
enquadramento com base em movimentos amplos da taxa de lucro para investigar
características duma nova fase emergente do capitalismo. O artigo
está organizado em torno da ideia de que as crises podem ser momentos de
transição para novas fases do capitalismo, usando a
interação entre tendência e contratendências para a
queda da taxa de lucro como um conceito fundamental na
investigação de metamorfoses do capitalismo uma
interação já discutida por Callinicos e Choonara. O artigo
sublinha o papel de contratendências e usa dados preparados por
Duménil e Lévy para resumir os movimentos a longo prazo da taxa
de lucro nos Estados Unidos. O foco está nas duas principais
contratendências: movimentos de capital na direção de novos
setores (a persistência da revolução na tecnologia da
informação e o aparecimento de potenciais setores novos, como a
biotecnologia, a nanotecnologia e robôs sofisticados) e na
direção de novas regiões (China e Ásia do leste).
Estes dois movimentos contratendências em ação
apresentam amplas mudanças na economia global, mudanças
que não são acompanhadas por mudanças institucionais
profundas semelhantes. Na conclusão, o artigo sugere que esta
contradição entre mudança e continuidade "pode ser a
característica definidora da presente conjuntura e pode modelar esta
transição específica e turbulenta em direção
a uma nova fase".
5. Uma agenda para investigação futura
Esperamos que os leitores se sintam agora motivados para desenvolver as suas
interpretações destes debates em curso. Esta curta
introdução mostra certamente que a discussão está
longe de acabada. A diversidade de abordagens apresentada nesta
edição especial é uma força e uma
contribuição para todos os que querem investigar o capitalismo
contemporâneo.
O conteúdo do
workshop
e desta edição especial também pode ajudar a criar essa
agenda para posterior investigação. Há, pelo menos,
três tópicos que merecem maior atenção: 1)
teoricamente, uma análise organizada da situação das
explorações de Marx sobre a queda tendencial da taxa de lucro; 2)
empiricamente, uma elaboração sobre a natureza do capitalismo
contemporâneo e avaliação de se está em
transição para uma nova fase e, se assim for, em que estado se
encontra agora; 3) politicamente a principal razão por que todos
discutimos tão intensamente a natureza do atual sistema uma nova
ronda da indispensável discussão de alternativas ao capitalismo.
Eduardo da Motta e Albuquerque
FACE-UFMG, Gabinete 3069
Av. Antonio Carlos 6627
Belo Horizonte(MG)
CEP31270-901
Brasil
albuquerque@cedeplar.ufmg.br
Alex Callinicos:
Department of European and International Studies
King's College London
Virginia Woolf Building
22 Kingsway
Lonfon WC2B 6LE
alex.callinicos @kcl.ac.uk
Notas
[1] Para uma avaliação desta conjuntura, ver Callinicos, 2016.
[2] Este
workshop
foi um evento relativamente não planeado, nascido de um projeto de
investigação sobre metamorfoses do capitalismo, inicialmente
patrocinado por uma organização brasileira (CAPES, Grant BEX
1669/14-1), e implementado em 2014-2016 numa colaboração
académica entre o King's College London, UK, e a Cedeplar-UFMG, Belo
Horizonte, Brasil. Durante este projeto, foi sugerida a ideia de um
workshop
, que posteriormente assumiu vida por si próprio. A
composição do workshop envolveu naturalmente
colaborações e ligações prévias; portanto,
os participantes estavam localizados academicamente no Reino Unido, na
França, em Itália e no Brasil. O passo seguinte, depois desta
edição especial, poderá ser um workshop no Brasil com uma
participação mais alargada da América (Norte, Centro e
Sul) e da Ásia.
[3] O
Manuscrito 1864-1865
já foi publicado agora em inglês: Marx, 2016
O original encontra-se em
Science & Society
, Vol. 80, N.º 4, outubro 2016, p. 444-453
Este editorial encontra-se em
http://resistir.info/
. Tradução de Margarida Ferreira.
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