Uma depressão keynesiana ou marxista?
Os leitores habituais deste blog sabem que um dos meus temas principais
é que a economia capitalista mundial está agora numa Longa
Depressão (ver meu livro,
The Great Recession
e este post de 2011,
thenextrecession.wordpress.com/2011/09/18/it-feels-like-a-depression/
), conduzida pelas principais economias capitalistas avançadas (
thenextrecession.wordpress.com/2012/10/05/the-long-and-winding-road/
e
thenextrecession.wordpress.com/2013/02/10/why-is-there-a-long-depression/
).
Por Longa Depressão quero dizer economias a crescerem sistematicamente
bem abaixo das suas taxas tendenciais anteriores, com desemprego emperrado em
níveis bem acima dos anteriores à Grande Recessão, e
desinflação (redução da inflação) a
transformar-se em deflação (queda de preços). Acima de
tudo, é um ambiente económico onde o investimento em capital
produtivo está abaixo dos níveis médios anteriores, com
poucos sinais de que venha a levantar-se. (
thenextrecession.wordpress.com/2011/11/25/us-investment-strike/
). Na verdade, esta depressão está agora a atingir as chamadas
economias emergentes, onde, mesmo com suas grandes disponibilidades de trabalho
barato e nova tecnologia importada, o PIB real também está a
desacelerar.
Até agora esta designação não teve muito apoio
entre economistas de qualquer coloração teórica. Mas
subitamente a ideia da "depressão permanente" veio à
superfície da "grande e boa" corrente principal da
análise económica. Na recente conferência do FMI sobre as
causas da crise (
thenextrecession.wordpress.com/...
), Larry Summers, antigo executivo da Goldman Sachs, ex-secretário do
Tesouro dos EUA, ex-presidente da Universidade de Harvard University e
candidato falhado a encabeçar o US Federal Reserve, considerou que os
esforços de bancos centrais para ressuscitar a economia com taxas de
juro baixas ou zero, ou com a "impressão de dinheiro"
através compras tipo QE de papéis financeiros do governo e do
sector privado, não estava a funcionar para devolver o "crescimento
normal" às economias. "Mesmo uma grande bolha não foi
suficiente para produzir qualquer excesso de procura agregada... mesmo com
estímulo artificial à procura, vindo de toda esta
imprudência financeira, você não veria qualquer excesso... o
problema subjacente pode estar ali para sempre". Assim, "podemos bem
de nos próximos anos precisar pensar acerca de como administrar uma
economia onde a taxa de juro nominal zero é um inibidor crónico e
sistémico da actividade económica, mantendo nossas economias
outra vez abaixo do seu potencial".
Aparentemente, mesmo políticas monetárias "não
convencionais" não estão a chegar ao resultado desejado para
a economia, excepto para conduzir os preços do mercado de
acções numa nova bolha (não inflacionária). A
visão de Summers tem sido reflectida como uma ladainha por imitadores
keynesianos como Paul Krugman, ex-economista chefe da Goldman Sachs, o
bloguista do
Finantial Times
Gavyn Davies e o colunista do FT e amigo deles todos Martin Wolf. Para eles,
parece que o capitalismo não está a trabalhar
"automaticamente" para devolver o "crescimento equilibrado"
e as pressões deflacionárias estão a tornar-se dominantes.
Como diz Krugman no seu post, intitulado
A Permanet slump?
(
www.nytimes.com/2013/11/18/opinion/krugman-a-permanent-slump.html?_r=0
): "E se o mundo em que temos vivido nos últimos cinco anos for o
novo normal? E se condições como de depressão estão
destinadas a persistir, não por mais um ano ou dois, mas por
décadas?... de forma a que "a tese da
"estagnação secular" um estado permanente no
qual uma economia deprimida seja a norma, com uns poucos episódios de
pleno emprego entre grandes intervalos?" Krugman avança: "A
resposta de Summers é que podemos ser uma economia que precisa de bolhas
apenas para alcançar alguma coisa próxima ao pleno emprego
pois na ausência de bolhas, a economia tem uma taxa de juro natural
negativa. E isto não tem sido verdadeiro apenas desde a crise financeira
de 2008; tem sido comprovadamente verdadeiro, embora talvez com gravidade
crescente, desde a década de 1980". Espantoso! Assim, parece que as
principais economias capitalistas já não podem mais crescer a
taxas que permitiriam pleno emprego mesmo com taxas de juro reais negativas.
Será que isto significa que os grandes gurus da análise
económica agora concordam comigo acerca do estado da economia
capitalista mundial? Bem, não realmente. Deixem-me tentar explicar
porque penso que esta nova paixão acerca da depressão da parte de
pessoas como Summers, Krugman e Wolf diferente do meu ponto de vista (e
aliás eu consideraria que também o de Marx). Primeiro, para os
keynesianos, a depressão é um produto do entesouramento de
dinheiro pelos capitalistas que leva a uma falta de "procura
efectiva" permanente. Mas o que pessoas como Krugman não explicam
é porque este entesouramento subitamente acontece e porque não
terminará, mesmo com taxas reais negativas. Não deveríamos
olhar não apenas para o sector financeiro e a política do banco
central e examinar o que está a acontecer na economia real? Sob o
capitalismo, isso significa [examinar] o que tem acontecido à
lucratividade do capital.
Krugman agora fala na "estagnação secular" sob o
capitalismo a partir da década de 1980, reflectindo os argumentos do
economista neo-keynesiano Alvin Hansen do período do pós guerra
imediato o qual extrapolou a teoria de Keynes para referir-se ao gradual
amortecimento do crescimento; ou as ideias mais recentes de Robert Gordon
acerca do colapso da inovação e da produtividade em economias
capitalistas modernas (ver meu post,
thenextrecession.wordpress.com/2012/09/12/crisis-or-breakdown/
).
Krugman considera que esta estagnação secular pode ser causada
pela "desaceleração do crescimento populacional" que
mantém baixa a procura efectiva, ou pode ser causada pelos
"
défices comerciais persistentes
", os quais vieram à
tona na década de 1980 e "desde então têm flutuado mas
nunca se afastaram". A primeira explicação procura fora dos
movimentos da acumulação capitalista alguma exógena lei da
natureza e a segunda refere-se realmente a desequilíbrios entre
economias capitalistas, ao invés do capitalismo como uma economia
mundial. Ambas negam qualquer falha nos fundamentos do capitalismo moderno e
nenhuma delas soa convincente.
Martin Wolf também aborda o tema da "estagnação"
no seu post mais recente no FT,
Why the future looks sluggish,
(
www.ft.com/cms/s/0/a2422ba6-5073-11e3-befe-00144feabdc0.html#axzz2l71zthLV
). Para Wolf, a causa desta nova depressão é uma
"abundância de poupanças globais" ou uma "escassez
de investimento" provocada pelo "entesouramento excessivo" de
poupanças por capitalistas relutantes em investir: "a economia
mundial tem estado a gerar mais poupanças do que os negócios
querem usar, mesmo a taxas de juro muito baixas. Isto é verdade
não só nos EUA, mas também nas economias de alto
rendimento mais importantes". Assim, o problema da longa depressão
é um excedente de lucros e não a baixa lucratividade.
Isto é um velho argumento de cabelos brancos que teve origem em Ben
Bernanke, o actual chefe do Fed, ainda no princípio dos anos 2000,
quando argumentou que a causa dos "persistentes défices
comerciais" nos EUA e Reino Unidos devia-se a "demasiada
poupança" no países "excedentários" da
Ásia e da OPEP. Portanto a farra de crédito e o subsequente
esmagamento do crédito foi realmente por culpa de os indivíduos
do Japão ou da China não gastarem bastante com bens dos EUA!
Agora a culpa já é de toda a gente por não gastar
bastante. Mas, mais uma vez, a questão é porque as pessoas
não estão a gastar bastante? Isso não é
difícil responder quando se chega às famílias
médias, dizimadas por rendimentos reduzidos e desemprego, mas por que
companhias capitalistas nos EUA ou no Reino Unido ou na Europa não
investem mais? Wolf pensa que pode ser devido a "dívida
excessiva" acumulada durante a farra de crédito antes da Grande
Recessão. Assim, a crise foi causada pelo "gasto excessivo" e
agora a depressão é causada pela "poupança
excessiva". O capitalismo simplesmente balouça de um para o outro!
Wolf pensa também que a falha em investir pode-se dever a uma
mudança na cultura de firmas capitalistas, as quais não querem
mais investir em capital produtivo e preferem brincar no mercado de
acções ou comprar activos financeiros. Assim, eis no que se
tornou o grande sistema capitalista uma economia "rentista".
Tratei anteriormente destes argumentos neste blog (
thenextrecession.wordpress.com/...
) e pretendo a eles retornar no futuro. Mas, mais uma vez, a ideia da
lucratividade do capital no que é, afinal de contas, por
definição uma economia do lucro onde pessoas investem para fazer
um lucro, está totalmente ausente das explicações de
Krugman ou Wolf.
Noah Smith, um bloguista keynesiano , recentemente considerou como sair
da depressão
noahpinionblog.blogspot.co.uk/...
:
"A solução para crescimento reduzido e desemprego elevado (
e involuntário
) é relativamente simples.
Finalmente alguém começará a gastar os recursos ociosos
. Isto tanto pode ser pelo
sector privado desde que independentemente se restabeleça do seu
afundamento em espíritos animais, ou será o governo". Ah,
sim, os "espíritos animais " retornarão. Ou será
assim? Smith reconhece que podem não vir em qualquer momento em breve
porque "é perfeitamente plausível que a economia como
tem acontecido possa permanecer deprimida mesmo com taxas muito baixas
devido a pressões para desalavancar, baixas expectativa e baixa
confiança, etc". Assim, a explicação da
depressão é: dívida alta ainda a ser desalavancada,
"baixas expectativas" (ou lucro?) e "baixa
confiança" (no que?). Mais uma vez, nenhuma menção ao
que está acontecer à lucratividade.
Smith considera que "se o mercado está mal preparado para
aproveitar os recursos ociosos em qualquer período breve
permanecendo como está num estado depressivo, irracional o
único agente que pode fazer isto é o estado. O estado pode
emprestar dinheiro (utilizando capital ocioso) para criar empregos (utilizando
trabalho ocioso), elevar taxas de juro e deitar abaixo a taxa de desemprego. E
esta abordagem não exige que alguém faça previsões
precisas acerca do futuro. Ela simplesmente exige uma economia de mercado, e um
estado desejoso de empregar recursos ociosos quando eles estão
ociosos... e note-se que sou a favor de uma economia baseada predominantemente
no mercado. Intervenções do governo deveriam ser mantidas num
mínimo necessário". Assim, o estado pode salvar a
situação se o investimento privado não o fizer mas
mantenha-o num mínimo.
"Pela redução do desemprego e o gasto do capital ocioso
(preferivelmente num mix de infraestrutura dirigida pelo estado e projectos de
tecnologia, e concessão de empréstimos a novos negócios)
mais negócios podem vir à luz". Uma vez tendo o estado feito
o seu papel de salva-vidas, podemos retornar ao normal: "Mais cedo ou mais
tarde, naturalmente, o sector privado voltará e começara a gastar
recursos". O perturbante é que o normal "poderia estar a uma
distância muito, muito, muito longínqua. Se quisermos que a
estrutura de produção se ajuste ao novo mundo e continue a
ajustar-se quando o mundo continua a mudar, deixando enormes quantidades de
recursos em estado de ociosidade parece um mau caminho de fazer isto".
Assim, precisamos de "política orçamental com alvos
definidos". O governo ao resgate.
Mais uma vez, não há explicação da razão
porque o capital está ocioso será que é por
não suficientemente lucrativo? O único meio de ressuscitar aquela
lucratividade é através de quedas
(slumps)
que destroem o valor do capital improdutivo acumulado, de modo a que a
lucratividade (em relação ao valor remanescente) ascenda e
permita a retomada do processo de acumulação. Após um
período de enorme acumulação tanto de capital
tangível como de capital fictício ao longo dos últimos 20
anos, o capitalismo entrou numa Grande Recessão. Mas, tal como na Grande
Depressão da década de 1930, ele não pode sair desta longa
queda sem uma destruição maciça do capital morto. A
Segunda Guerra Mundial finalmente conseguiu fazer isso. Nas décadas de
1880 e 1890, ele sofreu uma série de grandes quedas antes de o
crescimento sustentado retomar. A situação é semelhante
agora. Apenas mais gastos governamentais destinados a "estimular" ou
mesmo substituir (temporariamente) o sector privado não
resolverão o problema. Só a substituição da
acumulação capitalista pelo investimento planeado pelo estado
como modo de produção dominante faria isso. Caso
contrário, podemos esperar ainda outras quedas estrada abaixo, antes de
cessar a estagnação "secular".
20/Novembro/2013
[*]
Economista.
O original encontra-se em
https://thenextrecession.wordpress.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|