Os balanços criativos
por Robert Kurz
Esperanças compulsivas de salvação económica
estão prosperando no outono de 2010, especialmente na Alemanha. Apesar
de nenhuma das causas da crise global ter sido dominada, os média
estão a pintar novamente as paisagens florescentes de um novo milagre
económico. A fé na fé, como força auto-sustentada
da retoma, define o padrão para lidar com a realidade. Quem ficar para
trás no optimismo concorrencial já perdeu. Portanto, em todas as
instâncias tem de haver relatos exagerados de sucesso a todo o custo. O
crescimento financiado pelos Estados a nível mundial, que ainda
está muito abaixo de níveis pré-crise, é
insuficiente para os altos voos da esperança fabricada, que actualmente
vale ouro. Ora, se é permitido à administração
pública distorcer o número de desempregados com novos truques, e
se os bancos podem deslocalizar os créditos malparados para sociedades
de parqueamento - então porque é que os grupos industriais
hão-de ficar atrás na "contabilidade criativa? A
"política de balanços" retocados não é
nada de novo. Mas suspeita-se que seja um recorde o que as empresas se
vêem permitindo a este respeito desde o suposto fim da crise.
As normas internacionais de contabilidade IFRS, agora aplicadas em todas as
grandes empresas, tornam isso possível. Nelas não se pode
encontrar qualquer vestígio de maior rigor no controlo, muito pelo
contrário. As novas regras contabilísticas dão aos
directores financeiros mão livre para uma acrobacia
contabilística realmente aventureira. Isto aplica-se tanto ao passado
como ao futuro. A base para tal está na definição
permissiva dos conceitos das amortizações e das chamadas despesas
especiais. Assim, os encargos podem ser contabilizados fora do balanço
quase à vontade. A Siemens, por exemplo, fez desaparecer as
responsabilidades com as participações financeiras; as companhias
aéreas estão a escamotear os custos de leasing. E os custos
sobrefacturados da aquisição de empresas não são
escriturados numa escala realista, apesar dos altos riscos da
valorização futura. O financeiro dos EUA Warren Buffett referiu
ironicamente o que daí resulta como "bullshit-earnings"
(lucros da treta), porque uma parte crescente dos custos prévios ou
subsequentes já não aparece no balanço oficial. Na
verdade, os lucros não estão a crescer tão exuberantemente
como está sendo sugerido nos relatórios trimestrais.
Esta alegre política de balanços só faz sentido com
referência aos mercados financeiros. A inundação
desesperada de dólares feita pelo banco central dos EUA não
promove o consumo nem o investimento, mas apenas as cotações nas
bolsas de todo o mundo. As bolsas são agora menos um barómetro do
desenvolvimento da economia real e muito mais um barómetro das
expectativas de lucro com base em truques contabilísticos duvidosos
legalizados. Já se fala em segredo de uma "bolha de
valorização" das grandes empresas internacionais. Quando
elas compram acções próprias, estão a recolher
ganhos diferenciais de forma totalmente independente dos lucros reais dos
negócios, ganhos para os quais elas mesmas criaram falsos pressupostos,
de modo puramente contabilístico. Isto não altera nada a
dependência da conjuntura económica relativamente às
finanças públicas, porque a bolha da nova
valorização já não pode alimentar qualquer
"milagre do consumo", como a recente bolha do imobiliário.
Trata-se apenas do reverso, na economia empresarial, de uma política
igualmente aventureira do dinheiro e da moeda, que ameaça desembocar
numa guerra comercial e monetária. Nesse caso, no entanto, também
o ar sairá muito rapidamente das bolhas de valorização dos
balanços das grandes empresas.
Original encontra-se em
KREATIVE BILANZPOLITIK
e a versão em português em
http://o-beco.planetaclix.pt/rkurz378.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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