Colapso financeiro à vista:
Quando é o "mais cedo ou mais tarde"?
por Paul Craig Roberts
[*]
Desde o princípio da crise financeira e do Alívio quantitativo
(Quantitative Easing),
a questão tem estado diante nós: Como pode o Federal Reserve
manter taxas de juro zero para bancos e taxas de juro reais negativas para
poupadores e possuidores de títulos quando o governo dos EUA está
a acrescentar US$1,5 milhão de milhões
(trillion)
à dívida nacional a cada ano através dos seus
défices orçamentais? Não muito tempo atrás o Fed
anunciou que ia continuar esta política por mais dois ou três
anos. Na verdade, o Fed está trancado nesta política. Sem as
taxas de juro artificialmente baixas, o serviço da dívida sobre a
dívida nacional seria tão grande que levantaria questões
acerca da classificação de crédito do Tesouro dos EUA e da
viabilidade do dólar e assim os milhões de milhões
de dólares em taxas de juro swaps e outros derivativos ficariam
decompostos.
Por outras palavras: a desregulamentação financeira que levou aos
jogos da Wall Street, a decisão do governo estado-unidense de salvar os
bancos e mantê-los a flutuar e a política de taxa de juro zero do
Federal Reserve colocaram o futuro económico dos EUA e da sua divisa
numa posição indefensável e perigosa. Não
será possível continuar a inundar os mercados de títulos
com US$1,5 milhão de milhões
(trillion)
em novas emissões a cada ano quando a taxa de juros sobre os
títulos é menor do que a taxa de inflação. Todos os
que compram um título do Tesouro estão a comprar um activo
depreciado. Além disso, o risco capital de investir em títulos do
Tesouro é muito alto. A taxa de juro baixa significa que o preço
pago pelo título é muito elevado. Um aumento das taxas de juro, o
qual deve ocorrer mais cedo ou mais tarde, provocará o colapso do
preço dos títulos e infligirá perdas capitais aos seus
possuidores, tanto internos como estrangeiros.
A questão é: quando é este mais cedo ou mais tarde? O
objectivo deste artigo é examinar essa questão.
Vamos começar por responder à pergunta: como foi possível
uma tal politica indefensável perdurar tanto tempo?
Um certo número de factores está a contribuir para a estabilidade
do dólar e do mercado de títulos. Um factor muito importante
é a situação na Europa. Ali também há
problemas reais e a imprensa financeira continua a centrar-se na Grécia,
na Europa e no euro. Será que a Grécia sairá da
União Europeia ou será chutada para fora? Será que o
problema da dívida soberana propagar-se-á à Espanha,
Itália e basicamente por toda a parte excepto a Alemanha e a Holanda?
Será o fim da UE e do euro? Trata-se de perguntas muito
dramáticas que mantém o foco fora da situação
americana, a qual provavelmente ainda é pior.
O mercado de títulos do Tesouro também é ajudado pelo medo
que investidores individuais têm do mercado de acções, o
qual foi transformado num casino de jogo através do
trading
de alta-frequência.
O
trading
de alta-frequência é uma comercialização
electrónica baseada em modelos matemáticos que tomam as
decisões. As firmas de investimento competem na base da velocidade, na
captura de ganhos numa fracção de um cêntimo e talvez na
manutenção de posição por apenas uns poucos
segundos. Estes não são investidores a longo prazo. Contentes com
as suas receitas diárias, eles fecham todas as posições no
fim de cada dia.
Os negócios de alta-frequência actualmente representam 70% a 80%
de todas as transacções de acções. O resultado
é uma grande azia para os investidores tradicionais, os quais
estão a abandonar o mercado de acções. Eles acabam nos
títulos do Tesouro porque estão inseguros quanto à
solvência de bancos que pagam quase nada por depósitos, ao passo
que títulos do Tesouro a 10 anos pagarão cerca de 2% nominais, o
que significa, utilizando o Índice oficial de Preços no
Consumidor, que estão a perder 1% do seu capital a cada ano. Utilizando
a medição correcta da inflação de John Williams (
www.shadowstats.com
), eles estão a perder muito mais. Ainda assim, a perda é cerca
de 2 pontos percentuais a menos do que estar num banco e, ao contrário
dos bancos, o Tesouro pode ter o Federal Reserve a imprimir dinheiro para
liquidar seus títulos. Portanto, o investimento em títulos pelo
menos retorna a quantia nominal do investimento, mesmo que o seu valor real
seja muito mais baixo. (Para uma descrição do
trading
de alta frequência, ver:
http://en.wikipedia.org/wiki/High_frequency_trading
)
Os media financeiros
presstitutos
contam-nos que a fuga da dívida soberana europeia, do euro condenado, e
do contínuo desastre imobiliário para os títulos do
Tesouro dos EUA proporciona financiamento para os défices anuais de
US$1,5 milhão de milhões de Washington. Investidores
influenciados pela imprensa financeira podem estar a responder desta forma.
Outra explicação para a estabilidade da indefensável
política do Fed é a conivência entre Washington, o Fed e a
Wall Street. Examinaremos isso quando avançarmos.
Ao contrário do Japão, cuja dívida nacional é a
maior de todas, os americanos não possuem a sua própria
dívida pública. Grande parte da dívida dos EUA é
possuída no estrangeiro, especialmente pela China, Japão e OPEP,
os países exportadores de petróleo. Isto coloca a economia
estado-unidense em mãos estrangeiras. Se a China, por exemplo, fosse
indevidamente provocada por Washington, ela podia despejar US$2 milhões
de milhões em activos denominados em US dólar nos mercados
mundiais. Todas as espécies de preços entrariam em colapso e o
Fed teria rapidamente de criar o dinheiro para comprar a descarga chinesa de
instrumentos financeiros denominados em dólar.
Os dólares impressos para comprar os rejeitados haveres chineses de
activos em US dólares expandiriam a oferta de dólares nos
mercados de divisas e atirariam para baixo a taxa de câmbio do
dólar. O Fed, falto de divisas estrangeiras para comprar os
dólares, teria de recorrer à troca de moedas
(currency swaps)
por dívida soberana da Europa em perturbação para [obter]
euros, à Rússia, cercada pelo sistema de mísseis
estado-unidense, para obter rublos, ao Japão, um país pior que os
EUA em matéria de compromissos, para obter yens, a fim de comprar os
dólares com euros, rublos e yens.
Estas trocas de moedas estariam nas contabilidades, irresgatáveis e
tornando problemática a utilização ulterior de tais swaps.
Por outras palavras, mesmo que o governo dos EUA possa pressionar seus aliados
e fantoches a trocar suas divisas mais sólidas por uma divisa
estado-unidense em depreciação, isto não seria um processo
repetível. Os componentes do Império Americano não querem
ficar com dólares nem tão pouco os BRICs.
Contudo, para a China, por exemplo, despejar subitamente seus haveres em
dólares seria custoso pois o valor dos activos denominados em
dólar declinaria quando os despejassem. A menos que a China seja
confrontada com um ataque militar dos EUA e precise enfraquecer o agressor, a
China como um actor económico racional preferiria sair do US
dólar vagarosamente. Nem tão pouco o Japão, a Europa ou os
OPEP pretendem destruir sua própria riqueza acumulada com os
défices comerciais dos EUA despejando dólares, mas as
indicações são de que todos eles pretendem sair dos seus
haveres em dólar.
Ao contrário da imprensa financeira dos EUA, os estrangeiros que possuem
activos em dólar vêem o orçamento anual e os défices
comerciais estado-unidenses, vêem o afundamento da economia dos EUA,
vêem as apostos não cobertas dos jogos da Wall Street, vêem
os planos de guerra da hegemonia ilusória e concluem: "Tenho de
sair fora disto com todo o cuidado".
Os bancos dos EUA também têm um forte interesse em preservar o
status quo. Eles possuem Títulos do Tesouro dos EUA e potencialmente
detentores ainda maiores. Eles podem tomar emprestado do Federal Reserve a
taxas de juro zero e comprar Títulos do Tesouro a 2%, ganhando portanto
um lucro nominal de 2% para compensar perdas derivadas. Os bancos podem tomar
dólares emprestados do Fed gratuitamente e alavancá-los em
transacções derivativas. Como coloca Numi Prins, os bancos
estado-unidenses não querem comerciar contra si próprios e a sua
fonte gratuita de financiamento com venda dos seus haveres em títulos.
Além disso, no caso de fuga estrangeira dos dólares, o Fed
poderia promover a procura externa de dólares com a exigência aos
bancos estrangeiros que queiram operar nos EUA de aumentar as quantias das suas
reservas, as quais estão baseadas no dólar.
Eu poderia prosseguir, mas acredito que isto é suficiente para mostrar
que mesmo actores no processo que poderiam terminá-lo têm eles
próprios um grande empenho em não balouçar o barco e
preferem silenciosamente e vagarosamente escapar dos dólares antes de
serem atingidos pela crise. Isto não é possível
indefinidamente pois o processo de retirada gradual do dólar resultaria
em pequenos declínios contínuos nos valores do dólar que
acabariam numa corrida para a saída, mas os americanos não
são o único povo iludido.
O próprio processo de sair vagarosamente pode deitar abaixo a casa
americana. Os BRICs Brasil, a maior economia da América do Sul, a
Rússia, a economia com armamento nuclear e energeticamente independente
da qual a Europa Ocidental (os fantoches da NATO de Washington) estão
dependentes para obter energia, a Índia, com armamento nuclear e um dos
dois gigantes em ascensão da Ásia, a China, com armamento
nuclear, o maior credor de Washington (com excepção do Fed), que
fornece à América manufacturados e produtos de tecnologia
avançada e o novo bicho papão para a próxima lucrativa
guerra fria do complexo militar e de segurança, e a África do
Sul, a maior economia da África estão em vias de formar um
novo banco. O novo banco permitirá que as cinco maiores economias
efectuem o seu comércio sem a utilização do US
dólar.
Acresce que, o Japão, um fantoche americano desde a Segunda Guerra
Mundial, está quase a entrar num acordo com a China no qual o yen
japonês e o yuan chinês serão cambiados directamente. O
comércio entre os dois países asiáticos seria efectuados
nas suas próprias divisas sem a utilização do dólar
estado-unidense. Isto reduz o custo do comércio externo entre os dois
países, porque elimina pagamentos de comissões cambiais ao
estrangeiro para converter o yen e o yuan em dólares e outra vez em yen
e yuan.
Além disso, esta explicação oficial para o novo
relacionamento directo evitando o US dólar é simplesmente a
conversa diplomática. Os japoneses estão esperançosos, tal
como os chineses, no abandono da prática de acumular cada vez mais
dólares tendo de parquear seus excedentes comerciais em Títulos
do Tesouro dos EUA. O governo fantoche japonês espera que a hegemonia de
Washington não exija o veto a este acordo com a China.
Agora chegámos ao cerne da questão. A pequena percentagem de
americanos que está consciente e informada está confundida porque
os banksters, com os seus crimes financeiros, escaparam sem processo. A
resposta pode ser que os bancos "demasiado grandes para
caírem" são auxiliares de Washington e do Federal Reserve na
manutenção da estabilidade do dólar e dos mercados de
títulos do Tesouro a despeito da política indefensável do
Fed.
Vamos ver primeiro como os grandes bancos podem manter baixas as taxas de juro
dos títulos do Tesouro, abaixo da taxa de inflação, apesar
do aumento constante da dívida dos EUA em percentagem do PIB
preservando portanto a capacidade do Tesouro para atender ao serviço da
dívida.
Os bancos demasiado grandes para cair que estão ameaçados
têm um enorme
desejo de taxas de juro baixas e do êxito da política do Fed. Os
grandes bancos estão posicionados para tornar um êxito da
política do Fed. O JPMorganChase e outros bancos de dimensão
gigante podem conduzir para baixo as taxas de juro do Tesouro e, dessa forma,
fazer subir os preços de títulos, produzindo uma corrida, com a
venda de Interest Rate Swaps (IRSwaps).
Uma companhia financeira que venda IRSwaps está a vender um acordo para
pagar taxas de juros flutuantes por taxas de juro fixas. O comprador
está a comprar um acordo que lhe exige pagar uma taxa de juro fixa em
troca da recepção de uma taxa flutuante.
A razão para um vendedor tomar o lado
short
das IRSwap, isto é, pagar uma taxa flutuante por uma taxa fixa,
é a sua crença de que as taxas estão em vias de cair. O
short-selling pode fazer as taxas caírem e portanto fazer subir os
preços dos títulos do Tesouro. Quando isto acontece, como os
gráficos em
http://www.marketoracle.co.uk/Article34819.html
ilustram, há uma corrida no mercado de títulos do Tesouro que os
media financeiros presstitutos atribuem à "fuga para o abrigo
seguro do US dólar e dos títulos do Tesouro". De facto, a
evidência circunstancial (ver os gráficos no link acima) é
de que os swaps são vendidos pela Wall Street sempre o Federal Reserve
precise para impedir uma elevação nas taxas de juro a fim de
proteger a sua política que de outra forma não seria
sustentável. As vendas swap criam a impressão de uma fuga para o
dólar, mas não ocorre nenhuma fuga real. Como os IRSwaps
não exigem a troca de qualquer activos principal ou real e são
apenas uma aposta em movimentos da taxa de juro, não há limite
para o volume de IRSwasps.
Esta conivência aparente sugere a alguns observadores que a razão
porque os banksters da Wall Street não foram processados pelos seus
crimes é que eles são uma parte essencial da política do
Federal Reserve para preservar o US dólar como divisa mundial.
Possivelmente a conivência entre o Federal Reserve e os bancos é
organizada, mas não tem necessariamente de ser. É do interesse
dos bancos apoiá-la. A conivência organizada não é
indispensável.
Vamos agora examinar as barras de ouro e de prata. Com base em análises
sólidas, Gerald Celente e outros profetas talentosos previram que o
preço do ouro seria de US$200 por onça-troy no fim do ano
passado. O ouro e a prata em 2011 continuaram sua ascensão de dez anos,
mas em 2012 o preço desses metais foi abatido, com o ouro descendo para
US$350 por onça-troy da sua altura de US$1900.
Em vista da análise que aqui apresentei, qual é a
explicação para a inversão nos preços do ouro e da
prata? A resposta é mais uma vez o
shorting.
Algumas pessoas bem informadas dentro do sector financeiro acreditam que o
Federal Reserve (e talvez também o Banco Central Europeu) coloca vendas
à descoberto
(short sales)
de ouro e prata através de bancos de investimento, garantindo quaisquer
perdas simplesmente teclando no computador, pois bancos centrais podem criar
dinheiro a partir do ar.
Gente que sabe informa-me que como uma minúscula percentagem daqueles do
lado
short
da compra realmente querem que o ouro ou a prata sejam entregues e ficam
contentes com o acerto financeiro em dinheiro, não há limite para
o
short selling
de ouro e prata. As vendas a descoberto podem realmente exceder a quantidade
conhecida de ouro e prata.
Alguns que têm estado a observar o processo durante anos acreditam que a
venda a descoberto dirigida pelo governo tem-se efectuado desde há muito
tempo. Mesmo sem a participação do governo, bancos podem
controlar o volume de comércio de papel em ouro e lucrar nas viragens
criadas por eles próprios. Ultimamente o
short selling
é tão agressivo que não só amortece a
ascensão do preço do ouro como também o conduz para baixo.
Será esta agressividade um sinal de que o sistema manipulado está
à beira de se desfazer?
Por outras palavras, o "nosso governo", que alegadamente nos
representa, ao invés dos poderosos interesses privados que elegem o
"nosso governo" com as suas contribuições de campanha
de muitos milhões de dólares, agora legitimadas pela Supremo
Tribunal Republicano, está a fazer tudo o que pode para privar-nos, a
nós mero cidadãos, escravos, servidores vassalos e
"extremistas internos" de nos protegermos a nós
próprios e a nossa riqueza remanescente da política de
depravação da divisa do Federal Reserve. A venda nua a descoberto
impede o aumento da procura do ouro físico de elevar o seu preço.
Jeff Nielson explica um outro meio pelo qual os bancos podem vender ouro a
descoberto quando não possuem qualquer ouro.
http://www.gold-eagle.com/editorials_08/nielson102411.htm
l Nielson diz que o JP Morgan é o guardião
(custodian)
do maior fundo de prata e ao mesmo tempo é o maior short-seller de
prata. Todas as vezes que fundo da prata aumenta os seu haveres, o JP Morgan
faz
shorts
de uma quantia igual. O
short selling
compensa a ascensão no preço que resultaria do aumento da
procura por prata física. Nielson também informa que os
preços do ouro podem ser contidos pela elevação das
exigências de margem àqueles que compram ouro com alavancagem. A
conclusão é que os mercados de ouro podem ser manipulados tal
como o mercado de títulos do Tesouro e as taxas de juro.
Por quanto tempo a manipulação pode continuar? Quando será
o desastre?
Se soubéssemos a data com precisão, seríamos os
próximos mega-bilionários.
Eis alguns dos catalisadores à espera de incendiarem a
conflagração que irá incinerar o mercado de títulos
do Tesouro e o US dólar:
Uma guerra, exigida pelo governo israelense, com o Irão,
começando com a Síria, que interromperá o fluxo de
petróleo e com isso a estabilidade das economias ocidentais ou
levará os EUA e seus fracos fantoches da NATO a um conflito armado com a
Rússia e a China. As altas súbitas do petróleo degradariam
ainda mais as economias dos EUA e da UE, mas a Wall Street ganharia dinheiro
com o comércio.
Uma estatística económica desfavorável que acordasse os
investidores para o verdadeiro estado da economia estado-unidense, uma
estatística que os media presstitutos não pudessem
disfarçar.
Uma afronta à China, cujo governo toma a decisão de que golpear
os EUA para fazê-lo descer a um estatuto de terceiro mundo vale um
milhão de milhões de dólares.
Mais erros em derivativos, tais como o recente do JPMorganChase, que pôs
o sistema financeiro estado-unidense outra vez a cambalear e recordou-nos que
nada mudou.
A lista é longa. Há um limite para o número de erros
estúpidos e políticas financeiras corruptas que o resto do mundo
está disposto a aceitar dos EUA. Quando esse limite for
alcançado, está tudo acabado para "a única
super-potência mundial" para os possuidores de instrumentos
denominados em dólar.
A desregulamentação financeira converteu o sistema financeiro, o
qual antigamente servir os negócios e os consumidores, num casino de
jogo onde as apostas não são cobertas. Estas apostas descobertas,
juntamente com a política de taxa de juro zero do Fed, expuseram o
padrão de vida e a riqueza dos americanos a grandes declínios.
Pessoas aposentadas a viverem das suas poupanças e investimentos, IRAs e
401(k)s não podem ganhar nada com o seu dinheiro e são
forçadas a consumir seu capital, privando assim os seus herdeiros de
herança. A riqueza acumulada é consumida.
Em consequência da deslocalização de empregos, os EUA
tornaram-se um país dependente de importações, dependente
de bens manufacturados fabricados no estrangeiro, vestuário e
calçados. Quando a taxa de câmbio do dólar cair, os
preços internos nos EUA elevar-se-ão e o consumo real
estado-unidense receberá um grande golpe. Os americanos
consumirão menos e o seu padrão de vida cairá
dramaticamente.
As graves consequências dos enormes erros cometidos em Washington, na
Wall Street e em gabinetes corporativos estão a ser mantidos à
distância por uma política indefensável de baixas taxas de
juro e uma imprensa financeira corrupta, enquanto a dívida acumula-se
rapidamente. O Fed passou por esta experiência outrora. Durante a II
Guerra Mundial o Federal Reserve manteve as taxas de juro baixas a fim de
ajudar o Tesouro a financiar a guerra com a minimização do fardo
de juros da dívida de guerra. O Fed manteve as taxas de juro baixas pela
compra de emissões de dívida. A inflação do
pós guerra que resultou levou ao Acordo Federal Reserve-Tesouro de 1951,
pelo qual foi decidido que o Federal Reserve deixaria de monetizar a divida e
permitiria que as taxas de juro subissem.
O presidente do Fed, Bernake, tem falado de uma "estratégia de
saída" e disse que quando a inflação ameaçar
ele pode impedi-la pela retirada de dinheiro do sistema bancário.
Contudo, ele só pode fazer isso pela venda de títulos do Tesouro,
o que significa que as taxas de juro elevar-se-iam. Uma elevação
nas taxas de juros ameaçaria a estrutura derivativa, causaria perdas em
títulos e elevaria o custo tanto do serviço da dívida
pública como da privada. Por outras palavras, impedir a
inflação da monetização da dívida provocaria
problemas mais imediatos do que a inflação. Ao invés de
provocar o colapso do sistema, não seria mais provável que o Fed
inflacionasse mais as dívidas maciças?
Finalmente, a inflação corroeria o poder de compra do
dólar e a sua utilização como divisa de reserva, e a
capacidade de pagar do governo dos EUA dissipar-se-ia. Contudo, os Fed, os
políticos e os gangster financeiros prefeririam uma crise mais tarde do
que uma crise mais cedo. Transferir o navio que afunda para o seguinte é
preferível a afundar com o próprio navio. Enquanto os swaps de
taxas de juros puderem ser utilizados para promover preços dos
títulos do Tesouro e enquanto vendas a descoberto de ouro puderem ser
utilizadas para impedir os metais preciosos de aumentarem de preço, a
falsa imagem dos EUA como um abrigo seguro para investidores pode ser
perpetuada.
Contudo, os US$230.000.000.000.000 em apostas derivativas dos bancos
estado-unidenses podem trazer as suas próprias surpresas. O
JPMorganChase teve de admitir que a sua perda de US$2 mil milhões em
derivativos, recentemente anunciada, é maior do que isso. Quão
maior está para ser visto. De acordo com Controlador da Divisa
(
Comptroller of the Currency
)
os cinco maiores bancos possuem 95,7% de todos os derivativos
. Os cinco bancos
que possuem US$226 milhões de milhões em apostas derivativas
são jogadores altamente alavancados. Exemplo: o JPMorganChase tem
activos totais de US$1,8 milhão de milhões mas possui US$70
milhões de milhões em apostas derivativas, um rácio de
US$39 em apostas derivativas para cada dólar de activos. Um banco assim
não tem de perder muito mais apostas antes de estar quebrado.
Activos, naturalmente, não são capitais com base no risco. De
acordo com o relatório do Controlador da Divisa, em 31/Dezembro/2011 o
JPMorganChase possuía US$70,2 milhões de milhões em
derivativos e somente US$136 mil milhões em capital com base no risco.
Por outras palavras, as apostas derivativas do banco são 516 vezes
maiores do que o capital que cobre as apostas.
É difícil imaginar uma posição mais
temerária e instável para um banco do que aquela em que se
colocou, mas o Goldman Sachs ganha o prémio. Que os US$44 milhões
de milhões do banco em apostas derivativas sejam cobertos por apenas
US$19 mil milhões em capital com base no risco, resultando em apostas
2.295 vezes maiores do que o capital que as cobre.
Apostas em taxas de juro abrangem 81% de todos os derivativos. Estes são
os derivativos que suportam os altos preços dos títulos do
Tesouro dos EUA apesar dos aumentos maciços na dívida do
país e da sua monetização.
As apostas derivativas de US$230 milhões de milhões dos bancos
estado-unidenses, concentradas em cinco bancos, são 15,3 vezes maiores
do que o PIB dos EUA. Um sistema político fracassado que permitiu bancos
desregulamentados colocarem apostas descobertas 15 vezes maiores do que a
economia dos EUA é um sistema que está destinado ao fracasso
catastrófico. Quando se divulgar a fantástica falta de
juízo dos sistemas político e financeiro americanos, a
catástrofe estará pronta a tornar-se realidade.
Toda a gente quer uma solução, de modo que apresento uma. O
governo dos EUA deveria simplesmente cancelar os US$230 mil milhões em
apostas derivativas, declarando-as nulas e revogadas. Como não há
activos reais envolvidos, meramente jogos sobre valores nocionais, o
único grande efeito de fechar ou reter todos os swaps (principalmente
contratos de balcão entre contrapartes) seria retirar US$230
milhões de milhões de risco alavancado para fora do sistema
financeiro. Os gangsters financeiros que querem continuar a desfrutar ganhos em
apostas enquanto o público subscreve as suas perdas chorariam baba e
ranho acerca da santidade dos contratos. Contudo, um governo que pode
assassinar os seus próprios cidadãos ou lançá-los
em masmorras sem o devido processo pode abolir todos os contratos, se quiser,
em nome da segurança nacional. E certamente, ao contrário da
guerra ao terror, purgar o sistema financeiro do jogo de derivativos melhoraria
amplamente a segurança nacional.
05/Junho/2012
[*]
Foi secretário assistente do Tesouro dos EUA, editor associado do
Wall Street Journal,
colunista da
Business Week
e professor de teoria económica. É autor de
numerosos livros
.
Seu sítio web é
http://www.paulcraigroberts.org/
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=31272
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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