A crise financeira global tem uma causa social:
os baixos salários mundiais
por Emiliano Brancaccio
[*]
entrevistado por Waldemar Bolze
O sr. sustenta que a crise financeira não é um fenómeno
puramente técnico, mas tem uma causa social. Por que?
O ponto de partida é a fraqueza do movimento trabalhista, a qual tornou
possível um mundo de salários baixos. Contudo, este muto
é estruturalmente instável, o que estamos agora principiando a
experimentar. Hoje todos os países tentam manter o nível de
salário baixo, diminuindo portanto a procura interna, e têm de
encontrar mercados externos para os seus próprios produtos.
Este mecanismo funcionou durante os últimos dez anos porque os Estados
Unidos funcionaram como um "aspirador" para os produtos excedentes de
outros países. E não porque os salários dos trabalhadores
fossem demasiado altos e sim porque foi acumulada uma enorme dívida
privada nos EUA. O sistema levou a trabalhadores a pagarem suas dívidas
hipotecárias com novos empréstimos e a pagarem os juros dos
empréstimos com novos cartões de crédito.
Poderia uma estrutura de crédito realmente tão frágil
manter-se?
Isto não era senão um bomba relógio, a qual explodiu
agora. As consequências são mais uma vez passadas aos
trabalhadores e empregados, ao passo que os executivos da Wall Street, que
fabricaram estes explosivos, podem até mesmo lucrar com isso.
Tome, por exemplo, o plano Paulson. Ele estipula que o governo vai comprar os
activos arriscados dos bancos de investimento e em troca colocar dinheiro
fresco à sua disposição, deixando a possibilidade de que
os bancos, uma vez passada a tempestade, possam recuperar os seus
títulos. Se o governo pagar preços bastante altos, os banqueiros
podem finalmente embolsar um lindo lucro a expensas do orçamento do
Estado.
Qual o impacto óbvio que terá esta crise?
Dependerá muito da sua duração e profundidade. Por
enquanto, o establishment está a seguir uma estratégia que
Giuseppe Tomasi di Lampedusa descreveu no seu livro
O Leopardo:
"Se quisermos que tudo permaneça na mesma, temos de mudar alguma
coisa". O plano Paulson é um exemplo desta estratégia,
porque consiste numa permuta de cash por dívidas, concebida para
intervir o menos possível em termos de propriedade e de controle do
capital bancário. O mesmo se aplica às vendas de
acções preferenciais ao governo porque este restringe o direito
de voto nas assembleias de accionistas.
Será que a ideologia do neoliberalismo fracassou e que os dias do
capitalismo estão contados?
A ideia é divertida, mas seria ingénuo assumir um fim iminente do
capitalismo. Não posso ver como tal coisa possa materializar-se. O
grande ausente neste colossal estado de emergência é precisamente
o movimento trabalhista. Ao invés disso, vejo a possibilidade de uma
mudança no poder relativo dos lobbies das finanças para grupos de
pressão política e também de lobbies ocidentais e
americanos para outros asiáticos.
Podemos então falar do declínio do império americano?
Apesar da aparência e de todas as altas temporárias e dos
acontecimentos a curto prazo, o declínio americano tem-se verificado de
há pelo menos um quarto de século. Um sintoma deste
declínio é o comportamento a longo prazo do dólar, cujo
preço convertido à divisa de hoje em 20 anos caiu
de 1,50 euro para cerca de 70 centavos de euro. Este declínio assegura
desconfiança em relação ao dólar e provavelmente
impedirá os EUA de desempenharem novamente o papel de
"aspirador" para os produtos excedentes de outros países. Uma
vez que não há um poder hegemónico internacional
alternativo, há um perigo de que o sistema monetário
internacional venha a encontrar-se num beco sem saída. Neste caso, o
desenvolvimento desta crise poderia ganhar características realmente
negras e imprevisíveis.
A entrevista original em alemão foi publicada em
junge Welt
, de 09/Outubro/2008.
[*]
Professor de economia do trabalho na Universidade de Sannio, membro da
Rifondazione Comunista, e conselheiro da maior federação italiana
de sindicatos metalúrgicos, a FIOM-CGIL.
A versão em inglês encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/bolze091008.html
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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