A grande tomada de poder
- A crise económica global não é acerca de dinheiro
é acerca de poder.
- Como iniciados da Wall Street estão a utilizar o salvamento para um
golpe de Estado
por Matt Taibbi
Está acabado nós [EUA] estamos oficialmente e realmente
tramados. Nenhum império pode sobreviver tornando-se objecto de riso
permanente, como aconteceu há poucas semanas, quando os bufões
que têm estado a dirigir as coisas neste país finalmente deram um
passo demasiado grande. Aconteceu quando o secretário do Tesouro Timothy
Geithner foi forçado a admitir que ele ia mais uma vez ter de encher com
milhares de milhões de dólares do contribuinte a gigante
moribunda dos seguros chamado AIG, ela própria um símbolo
profundo do nosso declínio nacional uma corporação
que ficou rica segurando o betão e o aço da indústria
americana no auge do país, só para destruir-se a perseguir
fortunas fantasmas nas mesas de jogo da Wall Street, tal como a nobreza
dissoluta dissipava a fortuna da família na decadência do
Império Britânico.
O salvamento mais recente chegou quando a AIG admitiu ter acabado de registar a
maior perda trimestral na história corporativa da América
uns US$61,7 mil milhões. Nos três meses finais do ano passado, a
companhia perdeu mais do que US$27 milhões por hora. Isto significa
US$465 mil por minuto, um rendimento médio anual de uma família
mediana dos EUA a cada seis segundos, ou seja, cerca de US$7.750 por segundo. E
tudo isto aconteceu no fim dos oito anos em que a América se dedicou
freneticamente a perseguir em vão a sombra de uma ameaça
terrorista, oito anos gastos a deter todo cidadão em todo aeroporto para
revistar toda bolsa, mala, cueca e pasta à procura de caixas de sumo e
bisnagas explosivas de pasta de dentes. Mas no fim, o nosso governo não
teve qualquer mecanismo para revistar os balanços das companhias que
mantiveram poder de vida ou morte sobre a nossa sociedade e foram incapazes de
reconhecer buracos na economia nacional do tamanho da Líbia (cujo PIB
total no ano passado foi menor do que as perdas da AIG em 2008).
Assim, chegou a hora de admitir: nós somos tolos, protagonistas numa
espécie de comédia pavorosa acerca do casamento da cobiça
com a estupidez. E a pior parte quanto a isto é que ainda nos recusamos
a admitir ainda pensamos que isto é alguma espécie de
acidente infeliz, não algo que foi criado pelo grupo de psicopatas na
Wall Street a quem foi permitida a pilhagem contínua do Sonho Americano.
Quando Geithner anunciou o novo salvamento de US$30 mil milhões, o ponto
de partida era que a pobre AIG era apenas uma vítima de um bocado de
azar mau ano de negócios, você sabe, com a crise financeira
e tudo o mais. Edwar Liddy, o presidente da companhia, realmente comparou a
coisa a apanhar um resfriado: "O mercado é um lugar ruim para estar
agora", disse ele. "Quando o mundo apanha pneumonia, nós
também apanhamos". Numa patética tentativa de se limpar com
outros, ele choramingou mesmo que a AIG estava a ser "consumida pelas
mesmas questões que estão a deitar abaixo os preços das
casas, as declarações 401K [planos de aposentadoria] e a carteira
de investimento de Warren Buffet".
Liddy fez a AIG parecer um órfão a mendigar numa fila da sopa,
famélico e doente por ter sido abandonado na tempestade financeira. Ele
convenientemente esqueceu de mencionar que a AIG passou mais de uma
década a maquinar a evasão aos reguladores dos EUA e
internacionais, ou que uma das causas da sua "pneumonia" foi fazer
apostas colossais, afundando no mundo US$500 mil milhões, com dinheiro
que ele não tinha, num tóxico e completamente não regulado
mercado de derivativos.
Nem ninguém mencionou que quando a AIG finalmente levantou da sua
cadeira no casino da Wall Street, quebrada e arrebentada à luz da
alvorada, devia dinheiro em toda a parte da cidade e que um enorme bloco
dos seus dólares do contribuinte neste salvamento-fraude particular
seria para pagar os outros grandes parceiros na sua mesa. Ou que isto era um
casino único entre todos os casinos, um em que contribuintes da classe
média cobrem as apostas dos bilionários.
O povo está irritado com esta crise financeira, e com este salvamento,
mas não está irritado o suficiente. A realidade é que o
colapso económico mundial e o salvamento que se seguiu foram ao mesmo
tempo uma espécie de revolução, um golpe de Estado. Eles
cimentaram e formalizaram uma tendência política que tem sido uma
bola de neve durante décadas: a tomada gradual do governo por uma
pequena classe de iniciados em conluio, os quais utilizam dinheiro para
controlar eleições, comprar influência e enfraquecer
sistematicamente as regulações financeiras.
A crise foi o golpe de misericórdia: Dando virtualmente rédea
solta à economia, estes mesmos iniciados primeiro arruinaram o mundo
financeiro, a seguir maliciosamente garantiram para si próprios poderes
de emergência quase ilimitados para limpar a sua própria
confusão. E assim os líderes viciados no jogo de companhias como
a AIG acabaram sem um tostão e na cadeia, mas com uma morte em estilo
exótico agarrada ao Tesouro e à Reserva Federal
"nossos parceiros no governo", como disse Liddy de um modo
displicentemente chocante, como matéria de facto, após o
salvamento mais recente.
O erro que a maior parte das pessoas comete ao olhar a crise financeira
é pensar dela em termos de dinheiro, um hábito que pode levar a
olhar a confusão que agora se desdobra como um enorme
prémio-assassino deprimente para a classe da Wall Street. Mas se se
olhar em termos puramente maquiavélicos, o que se vê é uma
colossal tomada de poder que ameaça transformar o governo federal numa
espécie de Enron gigante uma enorme e impenetrável caixa
negra recheada de iniciados em transacções para si
próprios cujo esquema é conseguir lucros individuais a expensas
de um oceano de inconscientes accionistas involuntários, anteriormente
conhecidos como contribuintes.
19/Março/2009
O original encontra-se em
http://www.rollingstone.com/politics/story/26793903/the_big_takeover
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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