Da bolha das tulipas à bolha financeiro-imobiliária
I- Introdução
As crises experimentadas pelo modo de produção capitalista, que
assolam ciclicamente as finanças e a economia dos países e dos
espaços mundiais têm tido características qualitativas e
quantitativas variáveis ao longo de mais de dois séculos, embora
apresentando também aspectos que se vão repetindo apenas com
nuances regionais.
Porém, desde meados da década de noventa do século vinte,
têm vindo a acentuar-se, tanto a frequência como a amplitude e o
carácter agudo destas crises do sistema, agora dito globalizado ou
mundializado, sendo hábito recente designar os períodos mais
críticos das respectivas crises, como Bolhas Financeiras ou,
simplesmente Bolhas.
Estes acontecimentos revelam-se quase sempre portadores de gravidade social e
económica, porque acabam por atingir, na sua onda de choque, bem mais do
que aqueles que lhe deram origem.
Contudo, com maior ou menor impacto, as crises têm vindo a ser
ultrapassadas e, até há meia dúzia de anos, havia uma aura
de capacidade auto-regeneradora que conferia uma certa dose de inevitabilidade
histórica ao sistema, que, assim, se assumia como dominante,
incontornável e insubstituível, principalmente depois da queda do
socialismo nos países do leste europeu.
A ocorrência de bolhas financeiras está ligada a práticas
de natureza especulativa, e isto porque a acção dos diversos
agentes que operam nos mercados financeiros, visando maximizar as mais-valias
obteníveis nas sucessivas operações de compra e venda, e
em curtos períodos, se socorrem de técnicas complexas,
heterodoxas, pouco transparentes, com risco elevado e, nalguns casos, ilegais.
De dentro do sistema diz-se, agora, que isto acontece porque os preços
"desrespeitaram os fundamentos do mercado" e, ultimamente,
acrescenta-se que a regulação e a ética, falharam.
As Bolhas Especulativas, que ocorrem nos mercados financeiros e assumem
particular evidência nas Bolsas de Valores Mobiliários, são
aumentos muito rápidos, e sem justificação racional
económica, do preço de um activo
(asset),
tangível ou intangível, como são, por exemplo, as
acções, os títulos de "futuros" de
petróleo e trigo, ou, ainda, as hipotecas imobiliárias
titularizadas, seguidas de quedas abruptas e muito cavadas, que provocam
elevadas perdas financeiras directas em largos segmentos da cadeia especulativa
e, ainda, efeitos negativos colaterais na economia da área regional
envolvida.
Estes episódios, também designados no passado como "
crashs
bolsistas", sendo caracterizados na sua fase de cataclismo (rebentamento
da bolha) por uma baixa pronunciada e generalizada das cotações
de títulos em bolsa, podem ser seguidos, ou não, de crises
económicas diminuição das produções,
do investimento, do emprego, da procura de bens de consumo, etc., sendo,
nesses casos, fenómenos de longa duração que tendem a
impactar espaços regionais de grandes dimensões.
Entretanto, o FMI, atento, já editou pelo menos dois estudos sobre
bolhas, crises e ciclos
[1]
.
Entre 1959 e o 3º trimestre de 2002 terá havido segundo alguns
autores 52 "crashs" bolsistas em diversos países de topo do
sistema capitalista, isto é, crises bolsistas em que as
cotações caíram, em cada um dos casos, mais do que 37% e
em poucos dias.
No presente artigo iremos focar-nos, sobretudo, nas bolhas financeiras
correlacionadas com o mercado do imobiliário habitacional, porque
é um fenómeno que, sendo financeiro na sua expressão mais
imediata, tem aspectos que o fazem ser particularmente virulento e de grande
impacte no meio socioeconómico e no território.
Uma Bolha financeiro-imobiliária, além de apresentar uma lenta e
firme subida dos preços dos títulos bolsistas durante meses ou
anos, seguida de uma descida brusca e intensa no preço desses
títulos (Hipotecas titularizadas) em bolsa, apresenta, em paralelo, uma
subida longa e muito pronunciada dos preços das casas de
habitação (isto também se verifica com os
escritórios e armazéns), a que se segue uma abrupta descida que,
normalmente só pára quando se atingem valores mais
consentâneos com o valor económico real do bem material (Soma do
Valor Actualizado das rendas futuras do imóvel). Estas duas curvas
não têm que ser rigorosamente sobrepostas, ou seja, pode acontecer
que o pico do mercado dos bens tangíveis (casas) aconteça antes
do pico dos títulos em bolsa. Por outro lado, em certos países
(mercados) têm acontecido bolhas imobiliárias sem que haja bolha
financeira (títulos relacionados com as hipotecas) correlativa.
Antes da grande crise financeiro-imobiliária actual, iniciada
formalmente nos EUA em Agosto de 2007, sob o nome da Crise do sub-prime, houve,
num passado recente, outros episódios críticos concentrados nos
períodos de 1980-1982 e 1989-1992, o primeiro ligado ao processo de
desregulamentação posto em marcha nos finais dos anos 70, e o
segundo, à política monetária restritiva que se seguiu
à injecção de liquidez depois do "crash" de 1987
(Mateus, 2009: 76).
Sabendo-se que é nos mercados financeiros que os empresários e
diversos tipos investidores "produtivos" encontram o financiamento
para transformar ideias em negócios, possibilitando a
inovação tecnológica e outros tipos de
modernizações, ponto de partida para a
"destruição criadora" que caracteriza o funcionamento
capitalista
[2]
, poderá imaginar-se a profunda perturbação operada na
economia pelo terramoto que percorre o sistema financeiro mundial, sistema que,
aliás, tem um papel vital também para as famílias, para os
estados nacionais e para os diversos blocos político-económicos
regionais existentes no mundo.
Dado que o mercado imobiliário está muito relacionado com o solo
(espaço físico no território), que é um bem vital e
imprescindível para a vida humana espaço para habitar,
trabalhar e socializar e que já não se "faz",
correlaciona-o com uma oferta rígida, determinando-lhe a sua
incontornável natureza oligopolista e insusceptível de ser
liberalizada
[3]
.
Não deixa de ser extraordinário verificar que, na actualidade, e
já desde algumas décadas, os mais radicais herdeiros desta escola
não acolham as ideias propostas, com todo o fundamento, pelos seus
progenitores ideológicos.
Ao pôr o solo e não a construção civil como
alguns erradamente referem - ao serviço desregulado da dupla
especulação imobiliário-financeira, exerce-se, por
acréscimo, uma pressão inusitada sobre factores ambientais
estratégicos como, por exemplo, o ciclo da água
(impermeabilização) e sobre a composição da
atmosfera (poluição devida ao crescente parque automóvel),
entre outros.
Na nossa abordagem focaremos com maior pormenorização os casos da
crise do sub-prime (EUA) e a bolha do Dubai, para, através deles, poder
ilustrar de modo mais objectivo os mecanismos financeiros e imobiliários
mais comuns neste tipo de eventos.
II- Crises, "crashs" e bolhas com expressão mundial
[4]
Quase desde os seus primórdios mercantilistas que o sistema
económico capitalista apresenta, a par da grande pujança
reformadora e uma notória capacidade de recuperação, que
são a sua imagem de marca para além da exploração
da força de trabalho e dos recursos naturais, uma marcada
tendência para cair em crises cíclicas, pontuadas por bolhas e
crashs
de diversos tipos que, aparentemente, têm vindo a ser mais frequentes
nas últimas duas décadas, e com um impacte crescente na economia
real. O capitalismo, sabe-se, nunca consegue "parar para pensar" e
por isso marcha aos solavancos, crescendo e contraindo-se violentamente.
Também se poderá dizer que é bipolar, o que não lhe
augura nada de bom, para ele e para quem com ele vive, ou seja, na
prática todos nós.
Tem assento histórico firmado essa sucessão e, sem qualquer
preocupação de exaurir o tema, apresenta-se uma listagem com os
mais significativos eventos ocorridos desde os primeiros tempos do capitalismo
comercial, destacando-se na série, a primeira das bolhas - a dos bolbos
de tulipas (verdadeira antecipação do mercado de futuros) - e
aquela que foi a primeira crise financeiro-imobiliária, que terá
ocorrido na Florida, EUA, ainda antes do
crash
de 1929:
1- Bolha das Tulipas (bolbos). Holanda (1636-1637).
2- A crise dos Mares do Sul (The South Sea Company) - Grã-bretanha
(1711-1720)
3- Mississippi Company (1720) - EUA
4- Railway Mania (1840s) - Ferroviária Grã-Bretanha
5- Bolha imobiliária da Florida. EUA (1926) - Primeira bolha
imobiliária americana.
6- Grande bolha americana (1922-1929) Resultou na crise (crash) de 1929
7- The Nifty Fifty American stocks of the late 1960s and early 1970s
Terminou com a crise do petróleo
8- Poseidon bubble (1970) - Especulação de minerais,
Austrália
9- Sports cards and comic books in the 1980s and early 1990s
10- Japanese asset price bubble (1980s) - Bolha japonesa
11- 1997 Asian Financial Crisis (1997) - Bolha dos tigres asiáticos.
12- The Dot-com bubble (1995-2000) - Bolha das empresas de electrónica
NASDAQ.
13- Real estate bubble - Inicio da bolha imobiliária americana (2000)
14- Australian first home buyer (FHB) property bubble (2000 a 2010 os
preços das casas não pararam de crescer) - Bolha
imobiliária Austrália
15- British property bubble (até 2006) - Bolha imobiliária
Grã-Bretanha
16- Irish property bubble (até 2006) - Bolha imobiliária Irlanda
17- United States housing bubble (até 2007) Crise do sub-prime
nos EUA
18- Spanish property bubble (até 2006) - Bolha imobiliária
Espanha
19- China stock and property bubble (até 2007) - Bolha
imobiliária e de acções China
20 Romanian property bubble (até 2008) - Bolha imobiliária
Roménia
21- Uranium bubble of 2007 - Bolha do Urânio
22- Commodity bubble (Até 2008) - Bolha das
comodites.
23- Crise europeia: Grécia, Portugal e Espanha (a partir de 2010)
III- Crises e bolhas financeiro-imobiliárias
III.1- Aspectos gerais comuns às crises do sub-prime
(EUA) e do Dubai
III.1.1 - EUA
Se as bolhas especulativas relacionadas com as empresas de novas tecnologias de
informação e comunicação (
dotcoms
) ocorridas na década de noventa já tinham deixado um sinal de
que algo ia mal no sistema económico capitalista emergente da queda do
Muro de Berlim, a bolha da habitação nos primeiros anos do
século XXI e o enorme desequilíbrio externo das economias
americana e de muitos países da União Europeia, para além
dos excedentes das economias emergentes, não podiam deixar de sugerir
aos economistas e decisores de política económica a
inevitabilidade de uma recessão ou, pelo menos, de uma crise de certa
monta na economia mundial.
De facto, apesar da muito citada "impossibilidade" de prever o futuro
que caracterizaria as ciências sociais (Karl Popper), era já certo
para muitos interventores em conferências económicas e
universitárias realizadas logo após a viragem do século, a
inevitabilidade de crise mundial, embora isso não pudesse ser assumido
pelos líderes políticos e ideológicos, bem assim como
pelos responsáveis pelas políticas financeiras centrais.
A crise financeira de 2007 é o exemplo mais recente, e um dos mais
notáveis da história do capitalismo, da conhecida dinâmica
de expansão e contracção das economias, motivada pelo
crescimento excessivo do endividamento (Alexandre et all, 2009:15)
Krugman, por exemplo, diz que, pela primeira vez desde 1917, vivemos num mundo
em que "os direitos de propriedade e os mercados livres são
encarados como princípios fundamentais e não como expedientes
mesquinhos; os aspectos desagradáveis da economia de mercado a
desigualdade, o desemprego, a injustiça são aceites como
contingências da vida" (Krugman, 2009: 20), acrescentando que
Greenspan, embora tenha advertido contra a exuberância excessiva
"nunca fez grande coisa para a evitar". De facto, o ex-presidente da
FED usou a expressão "exuberância irracional" num
discurso de 1996 em que aludiu, sem chegar a dizê-lo explicitamente,
à existência duma bolha de especulação nos
preços das acções (Krugman, 2009:143).
A crise de 2007 marca, não só o fim da Grande
Moderação (período em que houve, nos EUA, uma longa
expansão económica 1984-2007), mas também a queda de
Greenspan do pedestal no qual tinha sido colocado (Alexandre et all, 2009:20).
A propósito da suposta capacidade das instituições e
Governos estabilizarem as economias através de políticas
orçamentais e monetárias, Greenspan mencionou em diversas
ocasiões a importância da "resiliência" da
economia americana, isto é, da sua capacidade para se adaptar a novas
circunstâncias e reagir a acontecimentos adversos. Por isso,
"embalados pelas ideias da Nova Economia e da resiliência, alguns
economistas e políticos, incluindo Gordon Brown, referiram-se aos ciclos
económicos como pertencentes ao passado. Já nos anos vinte e
oitenta a mesma ilusão tinha existido" (Alexandre et all, 2009:33)
É interessante constatar como, mesmo nesse período da Grande
Moderação nos EUA, ocorreram várias crises financeiras e
económicas, como foram, por exemplo:
-
Crash na Bolsa Wall Street, 1987;
-
Falência de instituições de crédito
hipotecário Savings and Loans nos EUA, 1989-91;
-
Queda abrupta do índice bolsa e preços habitação
Japão, 1990;
-
Crise Sistema Monetário Europeu 1992-93;
-
Crise da Dívida México, 1994-95;
-
Crise Cambial Asiática 1997-98;
-
Crise da dívida Rússia e falência do mega-fundo Long Term
Capital Managment 1998;
-
Crise bolsista das dot.com 2000-01;
-
Crise na Argentina em 2001-02.
Em todos estes casos a economia dos EUA e a generalidade das economias dos
países capitalistas mais avançados, reagiu às dificuldades
e, mais ou menos rapidamente, retomou a via do crescimento "normal".
Talvez com a excepção do Japão que, de certa forma, ainda
hoje não se recompôs completamente.
A presente crise mundial, iniciada formalmente em Agosto de 2007, teve a sua
origem na conjugação de políticas de crédito
hipotecário muito facilitadas, com a direcção tomada pelo
mercado da habitação dos EUA, cujos preços mantiveram uma
forte tendência crescente nos anos anteriores à crise,
indiferentes aos altos e baixos dos índices bolsistas, até
começarem a cair em 2006.
Diz-se que os economistas desconfiavam há muito desde antes de
2007 da existência duma bolha no mercado da
habitação (Alexandre et all, 2009:52).
Veja-se, por exemplo, o que disse Alan Greenspan, no discurso feito durante a
Convenção Anual da American Bankers Association, em 26 de
Setembro de 2005:
"Ao longo dos últimos anos, muita atenção tem sido
dedicada ao crescente número de alternativas disponíveis no
crédito hipotecário (...). Estes produtos podem causar alguma
preocupação, tanto porque expõem os devedores a maior
risco (...) como porque são vistos como instrumentos que permitem que
devedores com poucas qualificações e altamente endividados
comprem habitações a preços inflacionados. É
encorajador saber que, apesar do rápido crescimento do crédito
há habitação, apenas uma pequena fracção das
famílias apresenta rácios dívida/ valor da
habitação superiores a 90%. Assim, a larga maioria dos
proprietários tem uma almofada considerável, que lhes
permitirá absorver um potencial decréscimo dos preços da
habitação".
Ora, menos de um ano depois, o mercado americano de habitação,
expresso através do conhecido Índice Case-Shiller, começou
a regredir, depois de se ter inflacionado em cerca de 40 a 200% os
preços das casas, consoante a região americana, como poderemos
observar no Gráfico 1.
Numa análise realizada por Krugman mostrou-se o período temporal
e a dimensão das duas bolhas especulativas, a do mercado de
acções e a do mercado imobiliário.
Diz-nos aquele autor que analisando gráficos com duas
funções: o quociente dos preços das acções
em relação aos rendimentos das empresas, um indicador comummente
usado para saber se os preços das acções foram
razoavelmente estabelecidos e o quociente da média de preços das
casas nos EUA em relação à média das rendas,
expresso como índice, com base em 1987 igual a 100
(Krugman, 2009:145), se podia concluir, claramente, pela existência de
uma bolha de activos nos anos 90, seguida da bolha do imobiliário na
década seguinte.
Krugman escreve ainda que, "no cômputo geral, os preços da
habitação nunca chegaram a afastar-se realmente das normas
históricas, como aconteceu com os preços das
acções", afirmação que não acompanhamos
porque, de facto os aumentos de cerca de 200% das casas na Florida, San Diego,
Washington, etc, não se deveu a um incremento proporcional dos custos de
construção. Mais adiante, aliás, o Prémio Nobel
acrescenta "Mas isto é enganador em vários aspectos.
Primeiro, o sector imobiliário é um negócio mais amplo que
o mercado da acções, sobretudo para as famílias da classe
média, cujas habitações são geralmente o seu
principal activo. Segundo, a expansão dos preços de
habitação era desigual: na parte central dos EUA, onde a terra
é abundante, os preços da habitação nunca subiram
muito mais do que a inflação geral, mas em áreas
costeiras, sobretudo na Florida, os preços ultrapassaram o seu quociente
normal em relação às rendas. Afinal, o sistema financeiro
provou ser bastante mais vulnerável aos efeitos secundários do
declínio dos preços de habitação do que em
relação aos efeitos secundários da queda das
acções (Krugman, 2009:146).
Se analisarmos uma breve cronologia da crise financeiro-imobiliária
"americana"
[5]
ou Bolha do Sub-prime, verificamos que, muito antes de Agosto de 2007,
já havia sinais evidentes de que algo de muito errado estaria a
acontecer. Contudo o jogo continuou até estoirar a bolha.:
2007
Fevereiro
(8) HSBC anuncia queda dos lucros devido ao aumento de provisões e 10
000 milhões USD para créditos imobiliários duvidosos;
(27) Freddie Mac avisa que não continuará a comprar as hipotecas
de risco mais elevado ou de títulos feitos a partir destas hipotecas;
Abril
(2) O New Century Financial (segunda maior instituição subprime)
despede metade dos trabalhadores, ou seja, 3200.
Junho
As agências de rating Standard and Poor's e a Moody's reclassificam para
baixo 100 obrigações baseadas em hipotecas.
Bear Stearns, o 5º banco de investimento norte-americano, fecha dois
fundos de investimento e dois gestores são acusados de fraude.
Julho
A Standar and Poor's reclassifica em baixa 612 obrigações
baseadas em hipotecas.
Agosto
Morgan Stanley alerta para a possibilidade duma crise na banca espanhola.
American Home Mortage, a 10ª instituição de crédito
hipotecária, pede protecção ao abrigo lei falências.
BNP Paribas suspende os pagamentos de 3 fundos de investimento, que tinham
perdido 20% nas duas semanas anteriores.
O BCE colocou no mercado monetário 95 000 milhões de euros e nos
dias seguintes mais 108 000 milhões.
As autoridades americanas informaram publicamente que colocarão no
mercado monetário a liquidez que for necessário.
Setembro
Governo autoriza o Banco de Inglaterra a conceder crédito ao Northern
Rock, o 5º banco de crédito hipotecário.
Corrida aos depósitos no Northern Rock a primeira de 1866.
FED reduz a taxa de juro para 4,75 %.
Banco de Inglaterra vai colocar 10 000 milhões de libras no mercado
monetário.
Outubro
UBS é o primeiro do grupo dos 5 maiores bancos mundiais a anunciar
perdas devido ao afundamento do mercado do crédito subprime nos EUA.
Novembro
Quatro cidades norueguesas entram em crise financeira com perdas equivalentes
a 64 milhões de coroas de obrigações criadas pelo
Citigroup.
Dezembro
Bush apresenta plano para ajudar cerca de 1,2 milhões de
famílias em dificuldades devido às hipotecas.
A FED reduz a taxa de juro de 4,75 para 4,25%
III.1.2- Dubai
O Dubai é um dos sete emirados e a cidade mais populosa dos
Emirados Árabes Unidos (EAU), com aproximadamente 2.262.000 habitantes.
As receitas do Dubai são provenientes do turismo, comércio
, sector imobiliário e serviços financeiros e é
interessante verificar que o
petróleo e gás natural contribuem com menos de 6% (2006) do
PIB de US$37 mil milhões da economia de Dubai (2005), ao
contrário, por exemplo, do Abu Dhabi, que tem uma receita
petrolífera muito maior.
Durante anos considerada a "jóia da coroa" dos EAU, o Dubai,
suportado numa significativa liquidez acumulada durante alguns anos, alavancou
um projecto para tornar o pequeno enclave num paraíso de
especulação financeira/imobiliária.
Contudo, de repente, o conglomerado Dubai World declarou, em Novembro de 2009,
uma moratória sobre a sua dívida de US$ 59 mil milhões por
seis meses (até Maio 2010).
A Dubai World, ´holding´ controlada pelo governo (Sultão Bin
Sulayem), responsável pela transformação de Dubai num
centro financeiro e comercial regional, acumulou dívidas estimadas em
US$ 59 mil milhões.
Na fase de lançamento deste projecto financeiro-imobiliário, a
administração adoptou como lema "O sol nunca se põe
em Dubai World".
Entre os principais credores da Dubai World, estão o Barclays, BNP
Paribas, Deutsche Bank, HSBC, Citibank, Goldman Sachs e Mitsubishi Financial e,
por essa razão, o problema do Dubai, tomou expressão mundial.
O excepcional crescimento da actividade comercial e financeira, derivada da
intensa exploração petrolífera desde finais do anos
sessenta do século XX, resultou na criação de um
importante e poderoso sector bancário formado por uma rede de
instituições nacionais e estrangeiras, que se encarregaram de
gerir a enorme liquidez. A expansão econômica propiciou,
também, grande desenvolvimento no sector de transportes, tanto terrestre
como aéreo (aeroporto de Dubai) e marítimo (portos de Abu Dhabi e
Dubai).
Na esteira dessa evolução econômica e financeira
desenvolveu-se, especialmente no Dubai, que, há 50 anos, não
passava de uma vilória, uma importante indústria de turismo
internacional de alto luxo, atraindo com suas obras megalomanas um expressivo
público de alto padrão de consumo focado no supérfluo.
Para apreciar com alguma profundidade a chamada Bolha do Dubai, sigamos alguns
das suas últimas fases:
Ainda em Janeiro de 2008 o Dubai era uma terra cheia de projectos grandiosos.
Poucas cidades no mundo podiam igualar o número de
arranha-céus e outras enormes edificações (mais de 80
unidades com mais de 150 metros de altura estavam concluídos ou em
construção).
Shoppings e centros comerciais nasciam como cogumelos o Dubai Mall, o
maior centro comercial do mundo, ainda estava em construção. Os
hotéis estavam repletos de turistas; as taxas de ocupação
sempre estavam acima dos 80%
[6]
;
O sentimento de mercado era o de que os preços só podiam subir,
e sempre. A economia de Dubai era vista como sólida e robusta, e era
isso que se vendia ao mundo. Em Setembro de 2008 tudo ainda permanecia
inabalável, e até mesmo celebridades como o tenista Boris Becker
e o actor indiano Shah Rukh estavam anunciando projectos estimados em milhares
de milhões de dólares. O Índice de Preços
Imobiliários havia atingido seu pico, com um aumento de 116%
[7]
desde o primeiro trimestre de 2007.
Apesar de as taxas de desocupação dos imóveis serem altas
e visíveis em várias áreas, novos projectos residenciais e
comerciais surgiam diariamente com promessas de ainda mais espaços
residenciais e comerciais. Mas se havia tantos escritórios e
apartamentos vazios, por que razão as empresas
financeiro-imobiliária) ainda continuavam construindo?
O principal motivo das compras imobiliárias era, por um lado, o lucro
rápido adquirir e revender por outro lado havia o
subjacente interesse financeiro especulativo (titularização dos
créditos hipotecários). Obviamente, tal padrão possui
muita semelhança com a derrocada imobiliária dos EUA.
No início de 2008 a Nakheel, grande investidora responsável pelo
projecto das Palm Islands (ilhas com a forma de palmeiras) anunciou que iria
construir uma "torre com mais de um quilómetro de altura".
Simbolicamente, o boom económico de Dubai atingiu seu ponto mais alto
em 30 de Novembro de 2008, no lançamento do hotel Atlantis, um marco
localizado na ponta da Palmeira Jumeirah, que foi a primeira palmeira do
projecto.
É sempre difícil identificar qual foi precisamente o evento que
causou a reacção em cadeia que levou o "mercado" a ter
de lidar com a realidade.
Parece que a decisão da Nakheel de demitir 500 empregados a fim de lidar
com "planos empresariais de curto prazo e se adaptar ao actual ambiente
global" foi um dos eventos que precipitou tudo. Isso ocorreu alguns dias
após a inauguração do hotel Atlantis.
No dia seguinte, a construção da Trump Tower um projecto
luxuoso na Palmeira Jumeirah foi suspensa, suscitando ainda mais
preocupações de que a festa de facto havia chegado ao fim.
Esses eventos geraram enormes especulações entre todos os agentes
envolvidos no boom da construção civil. Outros projectos
foram colocados em espera, suspensos ou adiados. Isso gerou novas
demissões.
O fluxo do dinheiro repentinamente secou. As grandes empresas bloquearam
pagamentos.
O Índice de Preços Imobiliários no final de 2008 havia
declinado 8% em relação ao trimestre anterior. No primeiro
trimestre do ano seguinte ele caíu mais 41%, caindo mais 9% até
Julho.
Durante 2009, o sentimento em toda a comunidade empresarial e financeira era de
receio e desolação. O Dubai World, o conglomerado do qual a
Nakheel faz parte, veio finalmente a público declarar que precisava
suspender o pagamento de suas dívidas até 30 de Maio de 2010.
A descrição saborosa e pedagógica que se acabou de
registar de forma muito sintética
[8]
, vem, ela própria, atestar que a falsa expansão económica
de Dubai, a sua prosperidade fictícia, se baseou, como no caso
americano, na ilusão gerada pelo crédito barato. Tudo se
fundamentou na ideia errónea de que a expansão do crédito
gera riqueza que dinheiro é riqueza! Depois, tratou-se de aplicar
um conjunto de sofisticados instrumentos de "engenharia financeira",
que embalaram produtos atraentes, mas tóxicos, para os vender um pouco
por todo o mundo.
Dizer, aliás, que, tal como no caso americano, o facto de se tornar
fácil a obtenção de crédito por parte dos
compradores/investidores de casas no Dubai, isso não era devido a
qualquer tipo de preocupação social, mas apenas porque, com os
sofisticados esquemas financeiros difundidos um pouco por todo o mundo,
conseguiam (e durante algum tempo conseguiram, de facto) captar mais-valias
crescentes, tanto mais que, no Dubai, o crédito atribuído
não era, tão intensamente como nos EUA, da classe sub-prime.
Em 2006, os financiamentos hipotecários aumentaram 80,1%. Durante 2007,
o aumento foi de 82,1%. Finalmente, 2008 terminou com cerca de 20 mil
milhões de dólares de empréstimos adicionais, um
crescimento de 122,8% em um ano.
Ora a população dos Emirados Árabes Unidos era de 4,76
milhões no final de 2008 com um aumento aproximado de 280 mil em
relação ao ano anterior. Por outro lado, grande da
população é formada por trabalhadores braçais
(principalmente provenientes da Índia), dos quais a grande maioria
reside nos próprios estaleiros de obra. Será razoável
concluir que as hipotecas estavam concentradas em poucas mãos
estrangeiras e nas classes superiores dos EAU, o que sugere que a procura, de
facto, se devia aos interesses financeiros do lado dos investimentos e
não à procura por moradias e apartamentos necessários na
realidade.
Nesta fase é necessário fazer um ponto de ordem: mas,
então, para que não haja especulação e bolhas
imobiliário-financeiras, será forçoso que o crédito
hipotecário seja caro e difícil de obter? Não será
isto indutor de discriminação das camadas sociais mais carecidas?
Não implica isto menor investimento e crescimento económico?
Se temos crédito fácil e barato caímos na
especulação e nas bolhas. Se o crédito é caro e
difícil ficamos com a discriminação social e com o marasmo
económico. Não será possível uma
solução regulada e intermédia?
Parece, pelo contrário, que a solução mais recorrente do
sistema tem sido a dos Ciclos de Expansão-Contracção,
como, aliás, já foi defendido em várias teses conhecidas.
Mas isto, a confirmar-se, implicará obrigatoriamente os extremos
depressivos e explosivos.
IV- Engenharia financeira relacionada com as bolhas imobiliárias
Analisando a abundante bibliografia agora disponível depois do
rebentamento da bolha imobiliária americana, é possível
identificar aqueles que serão OS DEZ PASSOS FUNDAMENTAIS DO CIRCUITO
BANCÁRIO/BOLSISTA ESPECULATIVO, estreitamente relacionados com as bolhas
imobiliário-financeiro que vêm eclodindo um pouco por todo o
mundo, e que em seguida se explicitam:
-
No sector financeiro/bancário implementou-se, com grande amplitude,
a chamada "titularização"
(securitization).
O seu criador foi Lewis Ranieri e este método que consiste em
transformar créditos hipotecários (e "produtos"
congéneres) em títulos vendáveis nos mercados financeiros
internacionais, destinou-se no seu início apenas a hipotecas
"seguras" de grau Prime. Calcula-se que a invenção
cortou 2 pontos percentuais nas taxas de juro para empréstimos
hipotecários o que, no início, se mostrava vantajoso para as
entidades emprestadoras e para os tomadores de crédito
imobiliário.
-
A titularização consiste, em geral, na criação
de títulos negociáveis, conhecidos como
Asset-Backed Securities
(ABS), representativos dos direitos sobre os fluxos gerados por um conjunto
(pool)
de activos, por vezes com características pouco convencionais. A
titularização serviria para reduzir o nível de risco da
operação de crédito bancário.
-
Um ABS com especial importância no desenrolar da crise iniciada em
2007 foi o designado
Mortage-Backed Securities
(MBS), que são títulos cujos rendimentos dependem das receitas
geradas no futuro por um conjunto de créditos à
habitação
-
O Banco provedor do crédito hipotecário começa por
criar um
Special Purpose Vehicule
(SPV), ou
Structured Investment Vehicule
(SPE), entidade à qual vende um conjunto de créditos à
habitação que, entretanto, concedeu a múltiplos
compradores de casas. Trata-se de uma empresa financeira, ou Fundo,
"exterior" ao banco, mas comandada por ele.
Para
o banco a vantagem do SPV é que estes créditos deixam de estar
no seu balanço e, assim, já não contam para o
cálculo dos rácios mínimos de capital; pelo
contrário a venda ao SPV permitirá financiar novos
créditos. Isto constitui, no fundo, a designada
shadow banking
, ou seja, actividade bancária oculta. Os SPV não são
"entidades" bancárias e, portanto, deixam de estar sujeitas
à regulação e supervisão.
-
Para financiar esta compra, o SPV titulariza os créditos à
habitação de acordo com a técnica já referida
antes: emite títulos cujo rendimento dependerá dos pagamentos que
as pessoas que pediram créditos à habitação vierem
a fazer no futuro, colocando-os nas bolsas internacionais.
-
A inovação financeira prolongou-se através dos MBS
Mortage Backed Securities, dos CMO- Collateralized Mortgage Obligation
ou de CDO-
Collateralized Debt Obligation
. Uma espécie de Obrigações de Divida Garantida( IDG).
Estas operações conseguem-se através
de operações de junção
de tranches semelhantes de diferentes MBS. Entretanto, criaram-se mesmo os
CDO-Squared e posteriormente os CDO ao cubo, etc., numa espécie de
pirâmide ou espiral especulativa.
-
Uma CMO (ou CDO) oferecia quotas nos pagamentos, isto é, nem todas
as quotas são iguais. Algumas eram "seniores" e tinham
reivindicação prioritária sobre os pagamentos dos credores
hipotecários (CDO ou CMO de classe AAA - Prime). Recebiam primeiro.
Quando começaram os problemas de liquidez
-
A capacidade de redução de risco de toda esta espiral de
operações argumento teórico e, até, legal,
que lhe estaria nos alicerces - não se confirmou, tendo sido
sobrestimada pelas agências de
rating, que falharam significativamente em todo o processo
;
-
A criação de uma outra invenção, o C
redit Default Swap
(CDS) acabou por ter um efeito contrário ao pretendido. O CDS é
uma espécie de seguro contra o eventul incumprimento. A AIG foi, talvez,
o maior vendedor de CDS.
-
Finalmente, em estreita sintonia com toda esta engenharia financeira, os
preços das casas iam subindo exponencialmente, não porque
houvesse um fundamento económico real para que isso acontecesse, mas
tão-somente porque os bancos tinham interesse em actualizarem
sucessivamente em alta os "valores" das casas cobertas por hipotecas
e, por outro lado, os clientes também eram atraídos para a
ratoeira porque conseguiam ver aumentado o "valor" do "seu"
património, o que até lhes possibilitava usufruir de
crédito para a compra de outros bens de consumo (automóveis,
electrodomésticos, etc).
Com a proliferação deste esquema global assistiu-se, de uma
forma muito clara nos EUA e, por arraste, em muitos outros países (As
taxas de juros nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, foram mantidas
artificialmente baixas por muito tempo, seguindo a par e passo cada movimento
do FED), a um relaxar dos requisitos para a atribuição de
crédito e ao aumento do crédito concedido ao segmento conhecido
como
sub-prime,
que são os empréstimos hipotecários concedidos a
pessoas/famílias que não apresentam as características
exigidas pelas agências governamentais (REGULADORES) para financiarem
esses empréstimos (Segmento Prime).
Tem sido hábito distinguir, ainda, uma terceira categoria, situada entre
o Sub-prime e o Prime e designada por Alt-A, com características
intermédias.
Particularmente simbólicos são os designados empréstimos
"NINJA": No income, No Job and No assets, que se tornaram
célebres nos EUA.
A qualidade dos créditos hipotecários passou a ser
secundária e o importante passou a ser originar cada vez mais
créditos, para os poder titularizar e distribuir por outros
investidores.
E como o esquema financeiro por si só não era suficiente para
alimentar todo o ciclo, foi necessário construir cada vez mais casas,
mesmo que elas não fossem pedidas pela procura real.
Do ponto de vista do circuito financeiro e bancário, poderemos
aperceber-nos melhor do funcionamento institucional do esquema especulativo,
analisando este esquema, elaborado a partir de elementos recolhidos na
Wikipédia e na bibliografia (Mateus, 2009:27):
Alguns autores, que não deviam ser ingénuos ou mal informados,
perguntavam-se:
"Mas o que justificou uma bolha no imobiliário? Sabemos por que
motivo o preço da habitação começara a subir: as
taxas de juro eram muito baixas no início desta década (2000),
por razões que explicarei sucintamente, e isso tornou a compra de casas
um negócio atractivo. E não há dúvidas que isto
justificava alguma da subida dos preços. Não justificava, no
entanto, a crença de que todas as regras antigas já não
eram aplicáveis. Casas são casas, há muitos anos que os
norte-americanos estão habituados a comprar casas com dinheiro
emprestado, mas é difícil compreender por que razão,
alguém iria acreditar, por volta de 2003, que os princípios
básicos desses empréstimos tinham que ser revogados. Sabemos por
longa experiência que os compradores de casas não deveriam fazer
hipotecas cujos pagamentos não conseguem comportar e que deveriam fazer
um pagamento inicial substancial de forma a poderem sustentar uma quebra
moderada nos preços das casas e continuar a ter um prémio de
risco positivo. As taxas de juro deveriam ter alterado os pagamentos da
hipoteca associados a uma dada quantia de empréstimo, e nada mais do que
isso. Porém, o que aconteceu de facto foi um abandono completo dos
princípios tradicionais" (Krugman, 2009:123).
Lendo isto, parece que estamos numa situação em que se
verificaram variados tipos de incúria e incompetência tanto dos
agentes financeiros como por parte do cidadão comum. Mas será que
as responsabilidades de uns e de outros são equivalentes ou, sequer,
proporcionais? Será que se tratou apenas de uma questão
ética (ganância) e profissional (incompetência)?
Aparentemente, esta situação deriva em boa medida da designada
"Exuberância Irracional" (Shiller, 2000:76) ou, como outro
autor propõe, ao "Síndrome do Néscio" (Bes,
2010:97) de famílias que, confrontadas com os preços cada vez
mais elevados das casas, decidiram, por um lado, "entrar no mercado",
ou seja, no jogo, e por outro lado, deixaram de se preocupar com o pagamento
das prestações, porque as casas "valorizariam sempre".
A designação inicial da Exuberância irracional coube a
Greenspan (1996), como já referimos, mas Shiller aprofundou a
questão em 2000 e demonstrou um dos aspectos da
"irracionalidade" existente no mercado imobiliário, com o
preço das casas a disparar, enquanto o custo da construção
se retrai e a evolução demográfica é contida.
Contudo, quando aprofundamos a análise para além aparência,
verificamos que, na raiz do problema, está algo de mais amplo e
estrutural, passando muito pela enorme pressão
"democrática" do sistema, no sentido de que as famílias
"invistam na compra de casas" como se tratasse do Monopoly (jogo).
Todos conhecemos o tipo de campanha publicitária feita durante
vários anos pelos bancos. E, por outro lado, não nos poderemos
abstrair do ESPÍRITO do TEMPO.
Tendo em conta que os bancos de investimento e de crédito comercial eram
vistos, segundo os critérios de exigência que vinham sendo
aplicados no pós-crash de 1929, como entidades rigorosas, competentes e
seguras, não se pode deixar de considerar extraordinário que
tenham entrado num tal logro global. Poderemos, assim, perguntar se eles
estiveram na sua génese ou se foram apanhados numa onda
imprevisível criada algures?
Aqui chegados, não será descabido perguntar em que medida a nova
ideologia neoliberal campeante, apurada nas cinzas do socialismo derrubado e
com os fragmentos do Muro de Berlim, é responsabilizável pelo
descalabro. De facto, analisando a presente fase de globalização
neoliberal mais profundamente e à luz das características
estruturais do capitalismo, somos levados a concluir que a crise estará
no próprio código genético do modo de
produção dominante, não se devendo todas estas sucessivas
bolhas e
crashs
apenas à mera incompetência de uns quantos profissionais e
à ganância de administradores sem princípios éticos.
Atendamos ao seguinte aspecto fundamental: os bancos, fundos e as diversas
entidades financeiras, que foram "afectadas pela crise", para
além de terem tido o apoio "obrigatório" dos estados e
dos bancos centrais, até nem sequer foram as mais afectadas pela
dissipação financeira. De facto, segundo o prémio Nobel
que vimos citando, "o fim da bolha imobiliária terá
provavelmente arrasado cerca de US$8 mil milhões
[9]
de riqueza quando se fizer a estimativa final. Desse valor, cerca de US$7 mil
milhões terão sido perdas dos próprios
proprietários das casas e apenas US$1 mil milhões de perdas por
parte dos investidores. Por quê ficar obcecado com esses mil
milhões? Porque essas perdas desencadearam o colapso do sistema
bancário-sombra" (Krugman, 2009: 169).
A preocupação dos bancos não é tanto com o dinheiro
dissipado mas, sim, pelo facto de ter terminado o período de validade da
Banca-Sombra.
Ou seja, o coração financeiro do sistema estará a ser
recuperado à custa da estabilidade e solvência dos estados e do
nível de vida dos cidadãos em geral.
V- Considerações Finais
O tema que tratámos neste artigo, necessariamente de uma forma muito
parcial e, até, limitada, convoca, no entanto, factores que serão
determinantes para o futuro das sociedades humanas: Territórios (recurso
solo), Recursos Financeiros, Ambiente, Actividade Económica e
Níveis Sociais Relativos.
Poderemos colocar-nos a questão de saber se a crise actual é
financeira ou imobiliária (Bingre Amaral;2010) e, muito provavelmente, a
resposta é que ela é composta pelas duas vertentes de uma forma
indissociável, embora a Crise, à medida que parece confirmar ser
estrutural e global, vá assumindo sempre novas dimensões e
qualidades que pulsam um pouco por todo o mundo como as erupções
sulfurosas num lago de lama vulcânica activa.
Na intercepção dos domínios, financeiro e
imobiliário, está um factor central que é o solo.
Os edifícios de habitação, industriais, logísticos
e de escritórios que servem, tanto as necessidades reais das sociedades,
como os interesses dos especuladores imobiliários, dos especuladores
financeiros e dos dois de uma vez, não podem nascer no ar. E o solo
é um bem escasso, principalmente nas áreas mais urbanizadas, que
já não se "produz" e que, portanto, confere uma
natureza muito especial a qualquer comércio que com ele se faça.
Em torno dos diferentes tipos de apropriação do solo já
muito se escreveu e teorizou mas, poderá constatar-se, que pouco se
avançou nas sociedades actuais geridas pelo sistema capitalista. Mesmo
no Portugal pós-25 de Abril e em pleno período
revolucionário, com toda a efervescência das
nacionalizações e de ocupação de herdades, a
legislação sobre a Política de Solos foi sempre abordada
de uma forma pífia.
Aliás, a perspectiva como o solo é visto na actualidade
neoliberal, é contraditória mesmo com a teorização
dos pais do liberalismo, Ricardo, Stuart Mill e, até Walras, que
não hesitou em recomendar a nacionalização dos
solos
.a bem do liberalismo económico.
Parece ser irrefutável que a renda fundiária, tanto faz que seja
paga por terra lavradia, por terreno para construção ou por mina,
floresta ou águas pesqueiras, é a forma em que se realiza
economicamente e valoriza a propriedade fundiária. Além disso,
é lá que ficam "reunidas e em confronto as três
classes da sociedade moderna o trabalhador assalariado, o capitalista
industrial e o proprietário da terra" (Marx, 2008:828). Ou seja, o
autor de
O Capital,
em sintonia com os autores clássicos, identificava de forma clara o
antagonismo de interesses verificado entre o "capitalista" e o
"proprietário".
Ora o preço pelo qual é comprado e vendido cada pedaço de
terra, dependente dos seus fins (correlacionados com os direitos de propriedade
que são criados e garantidos por intervenção
pública estatal e/ou autárquica, ou seja, construir, agricultar,
explorar os recursos, etc), é função do somatório
das rendas anuais expectáveis actualizadas a um determinado
período (geralmente largo). Este preço não corresponde a
um custo de produção, mais um lucro, porque, salvo nos casos em
que houve alguma benfeitoria, o solo é um recurso natural que não
custou nada a produzir, sendo, além disso, imperecível e
inamovível. Portanto, com os terrenos onde as entidades públicas
competentes conferem direitos de construção, fazem os seus
proprietários mais-valias "trazidas pelo vento" tanto maiores
quanto mais aumentar a especulação, não havendo lugar aos
meros lucros económicos.
Por isso, quando ficamos perplexos com os preços a que se vendem certos
bens imóveis de habitação 6500 euros/m2 no Chiado
ou 12 000 euros/m2 no novo edifício que substituiu o Hotel Estoril-Sol
é necessário saber que o custo da construção
propriamente dita (já com os custos financeiros associados, as
amortizações, impostos e taxas, um lucro confortável e,
até, uma parcela para o terreno a custo "deste planeta",
não ultrapassa, mesmo com altos índices de qualidade, os 1 500
euros/m2! Ou seja, a maior parte do que se paga é para
especulação relacionada com o solo e com a paisagem
(localização)!
E quando alguém comprava, até há cerca de um ano ou dois
anos atrás, um apartamento com 200 m2 numa cidade da Margem Sul, por
exemplo, e sendo expectável que tivesse que pagar 300 mil euros, que
obtinha através do crédito hipotecário numa entidade
bancária portuguesa, é necessário saber que cerca de 100
mil euros do total pedido emprestado serviram para pagar a
especulação com o solo associado (num edifício com seis
pisos e doze apartamentos, a fracção conotável com cada
apartamento serão cerca de 1/12 avos do solo matriz). Ora, se o banco,
por sua vez, pediu parte do dinheiro a bancos estrangeiros, é
fácil concluir que, uma fracção significativa da
dívida externa portuguesa se criou para (
) comprar solo
inflacionado português.
Não é difícil demonstrar que o "imobiliário
é, e sempre será, um retalho de oligopólio localizado
cujos conluios produzem, na prática, o comportamento de
monopólio" (Bingre Amaral;2010). Ou seja, à luz dos
princípios liberais, o mercado imobiliário funciona como um
anti-mercado!
Portanto, adicionar à especulação imobiliária, a
especulação financeira, ao nível a que elas chegaram desde
o início do novo milénio, é juntar as duas partes
sub-críticas de uma carga de urânio enriquecido num
receptáculo e não ter barras de grafite para controlar a
reacção.
Junho/2010
Bibliografia
-
Alexandre, Fernando et all; Crise Financeira Internacional, Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2009
-
De Bes, Fernando Trías; O homem que trocou a casa por uma túlipa;
editorial Presença, 2010
-
Krugman, Paul;O regresso da economia da depressão e a Crise Actual;
Editorial presença, 2009
-
Soros, George; O novo paradigma para os mercados financeiros; Almedina2008
-
Mateus, Abel; A grande Crise Financeira do inicio do século XXI;
Bnomics, 2009
-
Greenspan, Alan; The Age of Turbulence, Alan Lane, 2007
-
Bingre Amaral, Pedro; Neolibelalismo, um álibi da
especulação imobiliária; Maio 2010, Le Monde
Diplomátique, Edição Portuguesa
-
Marx,Karl; O capital, Livro 3,Volume 6; Civilização Brasileira,
2008
-
Shiller, Robert J. ; Irrational Exuberance, Barnes& Noble, 2000
Notas
1- World Economic Outlook de Abril de 2003 (capítulo 2) e idêntico
relatório emitido em Setembro de 2002.
2- Joseph Schumpeter (1883-1950)
3- Os autores clássicos do liberalismo, Mill e Ricardo, elegeram o
rentismo do Antigo Regime como um dos principais inimigos da própria
doutrina liberal e mesmo Léon Walras chegou a propor a
"nacionalização do solo".
4- Elaborada com base no cruzamento de dados colhidos na Wikipedia e na
bibliografia mencionada.
5- Elementos retirados da bibliografia indicada (Alexandre et all, 2009).
6- "Dubai Retail Snapshot - Second Quarter 2008." Colliers
International, UAE, p. 1
7- "House Price Index - Third Quarter 2009." Colliers International,
UAE, p.3.
8- Ver trabalho do investigador Fernando Ulrich na análise deste caso,
cujas conclusões publicou in SITE "Instituto Ludwig von
Mises", a 20 de Dezembro de 2009
9- Milhar de milhões; 1 seguido 9 zeros
[*]
deca50@netcabo.pt
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.
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