Trump, na Coreia do Norte estará a assassinar seres humanos!
Quando penso na Coreia do Norte, a primeira imagem que me vem à
memória é uma névoa sobre a superfície calma e
majestosa do Rio Taedong perto de Pyongyang. Então, lembro sempre
aqueles dois amantes, ligados num abraço terno e quase desesperado,
sentados lado a lado na margem. Vi-os todos os dias, durante os meus passeios
matinais.
Agora, enquanto a "armada" de Donald Trump, navega em
direcção à China e à RPDC lembro esses momentos: a
falésia, os amantes e um pescador isolado com sua comprida cana de pesca
do outro lado do rio. Tudo na minha memória ligado a essas madrugadas
está imóvel, sereno.
Por vezes pergunto-me se as palavras têm ainda o poder que tiveram alguma
vez. No passado, um belo poema, uma confissão ou uma
declaração de amor eram capazes de mudar uma vida inteira,
às vezes até o destino de uma nação. Mas
será ainda hoje o caso? Como escritor, sinto muitas vezes a futilidade,
mesmo o desespero. Contudo, como internacionalista, recuso-me a sucumbir ao
pessimismo, e tento usar as palavras como armas, uma e outra vez.
Eu já disse muito sobre a Coreia do Norte. Mostrei fotos. Falei sobre a
dor inimaginável que este país teve de suportar. Falei
extensamente sobre seu gesto enorme a ajuda para libertar e educar
muitas partes do mundo, incluindo o imenso e devastado continente africano.
Mas a propaganda contra a RPDC ainda predomina.
Deixai-me tentar de novo, mais uma vez. A Coreia do Norte é um
país magnífico, habitado por seres humanos, com sangue a circular
nas suas veias. Apesar do que directa e indirectamente vos dizem, essas pessoas
sentem dor e são capazes de experimentar grandes alegrias. Como outros,
eles sonham muitas vezes, apaixonam-se e sofrem quando são insultados,
ou traídos, ou abandonados. Riram e choraram, dão-se as
mãos, irritam-se e até desesperam. Têm grandes
esperanças de uma vida melhor e trabalham duramente para construir o seu
futuro.
Então, escute bem, você que dirige ou supervisiona o que chama de
" ;mundo livre" ;. Ou será necessário chamar-lhe
" ;Presidente" ;? OK, seja Presidente... Se você disparar os seus
mísseis Tomahawk (como fez recentemente na Síria), ou se
você lançar a sua " ;mãe de todas as bombas" ; (como
fez num lugarejo miserável, abandonado no Afeganistão, apenas
para demonstrar a sua agressividade e a sua força destrutiva), os seus
corpos irão ser desfeitos e pessoas vão morrer em agonia. As
mulheres gritarão de desespero ao enterrar seus maridos, os avós
serão obrigados a cobrir os cadáveres dos seus netos com roupa de
cama branca, bairros e aldeias inteiras deixarão de existir.
Claro, que é o que a sua gente faz por toda a parte. Pensam que
são os donos do mundo, tão habituados a espalhar a dor e a
desolação em todos os lugares. Mas deixe-me lembrá-lo mais
uma vez e escrever preto no branco: isto pode parecer um divertido vídeo
game ou um programa de TV, mas não é o caso. Tudo é real
quando a sua porcaria atinge o alvo, é realmente real! Pela minha parte
já vi bastante disso, realmente já vi demais! Eu sei que
não é o que lhe dizem, e não é o que você diz
aos outros.
Supõe-se que os norte-coreanos sejam olhados e se comportem como uma
nação de robôs sem cérebro, a quem faltam
emoções básicas e individualidade, olhando sem nada ver,
incapazes de sentirem dor, compaixão ou amor. Você não quer
ver a verdade, a realidade é que você quer que os outros
também sejam cegos.
Mesmo que você reduzisse a RPDC a migalhas, você não veria
muito, você não veria quase nada: apenas os seus próprios
mísseis disparados dos seus navios de guerra, submarinos e aviões
descolando dos seus porta-aviões, bem como algumas imagens de computador
das poderosas explosões. Nenhuma dor, nenhuma realidade, nenhuma agonia
nada lhe tocaria. Nada afectaria você, você e os seus
cidadãos.
É você quem está cego, não eles os norte-coreanos.
Na verdade, você gosta disso, não é? Admita-o. Vamos ser
francos. E muitas pessoas no Ocidente gostam disto também estas
novas experiências palpitantes, este " ;divertimento" ;' gratuito,
esta pausa bem-vinda na sua rotina diária, vazia, cinzenta, sem amor e
sem significado, na América do Norte e na Europa com centenas de
milhões de telespectadores colados aos seus ecrãs de
televisão. A sua popularidade está em baixa, ultimamente,
não é? Quanto mais mísseis atirar, bombas soltar ou quanto
mais países intimidar e atacar, mais o seu " ;índice de
popularidade" ; vai subir.
Você é um homem de negócios, afinal. As regras do jogo
são simples, fáceis de entender: você dá à
sua população, o que ela deseja, e em troca ela dá-lhe
apoio e admiração. O psicólogo Carl Jung descreveu esta
cultura como "patológica". Ela já destruiu uma boa
parte de todos os continentes da terra. Talvez agora esteja a tentar acabar com
o resto.
No entanto, você deve saber e compreender e estar totalmente ciente do
seguinte: agora você pode obter amplo apoio dos seus concidadãos,
mas se você fizer explodir a RPDC ou qualquer outro país do mundo,
e se o mundo conseguir sobreviver, você e a sua " ;cultura" ;
serão amaldiçoados durante os próximos séculos e
milénios! Pense nisso. Realmente vale a pena?
Talvez você se esteja nas tintas profundamente. Provavelmente é o
caso. Mas tente pensar, tente imaginar: você vai entrar na
história como um assassino degenerado e um fanático!
Eis como há três anos descrevi o 60º aniversário do
dia da vitória na Coreia do Norte:
"A banda começou a tocar de novo um trecho militar. Eu fiz zoom
sobre uma velha senhora, com o peito decorado com medalhas. Quando me preparava
para pressionar o botão do obturador, duas grandes lágrimas
começaram a fluir pelo seu rosto. E de repente, percebi que não
podia fotografá-la. Seu rosto estava completamente enrugado e no entanto
era ao mesmo tempo jovem e infinitamente terno. Pensei "Este é o
rosto que tenho procurado desde sempre" Porém, não consegui
carregar no obturador da minha, Leica.
Algo se me apertou na garganta e eu tive que procurar no meu saco um
lenço de papel, porque meus óculos estavam embaçados, por
um breve momento não via nada. Solucei bem alto, apenas uma vez, mas
ninguém me pode ouvir por causa da música.
Mais tarde, aproximei-me dela, inclinei-me para cumprimentá-la e ela fez
o mesmo. Confortámo-nos no meio da praça principal. De repente
senti-me feliz por estar ali. Ambos perdemos algo. Ela perdeu mais. Eu tinha
certeza de que ela tinha perdido pelo menos metade dos seus seres amados
durante a carnificina ocorrida há muitos anos. Eu também perdi
alguma coisa, e agora perdi todo o respeito e sentimento de pertença a
esta cultura que ainda reina no mundo. Esta cultura que já foi em tempos
a minha, mas uma cultura que rouba a todas estas pessoas os seus rostos, para
então queimar os seus corpos com napalm e chamas.
Era o 60º aniversário do dia da vitória na RPDC. Um
aniversário marcado por lágrimas, cabelos grisalhos, grandes
fogos-de-artifício, desfiles e "memórias do fogo" ;.
Naquela noite, depois de voltar à capital, finalmente cheguei ao rio.
Estava coberto por uma névoa suave mas impenetrável. Havia dois
amantes sentados perto da margem, imóveis e silenciosos. O cabelo da
mulher caía suavemente no ombro do seu apaixonado. Ele segurou-lhe a
mão. Eu ia levantar a minha grande máquina fotográfica
profissional, quando de repente parei por receio de que o que meus olhos viam,
ou que meu cérebro imaginava, não se reflectisse no visor" ;
O Ocidente já matou milhões de norte-coreanos. Quantos mais devem
desaparecer, só por recusar render-se? Qual é o preço a
pagar por não aceitar servir o Império? Vai ser 1 milhão,
10 milhões ou mais? Dêem-me um número, por favor.
Você é um empresário, afinal de contas, anuncia o seu valor
de vendas com toda a honestidade!
A RPDC nunca atacou ninguém. Os Estados Unidos, que agora dizem
"sentir-se ameaçados", atacaram dezenas e dezenas de
países, roubaram milhões de pessoas, suas vidas, sua liberdade e
democracia, suas culturas, por todo o mundo. Há uma foto dentro da minha
cabeça que quero compartilhar com todos os meus leitores, mesmo com o
risco de cair desta vez no sentimentalismo. Pela primeira vez, não me
importo. O momento não é de " ;estilo elegante e
educado" ;. Então, ei-lo:
Em dado momento, consegui afastar-me da nossa delegação. Foi na
capital, Pyongyang. Pus-me a caminhar ao longo do rio poderoso, através
de um enorme parque que rodeava antigas fortificações.
Avistei uma menina pequena com um grande laço no cabelo. Usava sapatos
brancos. O sol estava a pôr-se. Sua mãe, uma mulher simples mas
bonita, falava-lhe. Era óbvio quanto ela amava e acarinhava a sua filha.
Elas não podiam ver-me. Eu assistia à distância. Havia
tanta ternura, tanta serenidade, entre esses dois seres humanos. A mãe
acariciou o rosto da filha, explicando algo, mostrando-lhe as árvores.
Seus rostos eram totalmente descontraídos, sem medo, sem tensão,
apenas amor.
Caminhei para mais longe ainda no parque e vi um casal rodeado por um grupo de
pessoas. Era uma sessão de fotos da família. Obviamente, tinha
sido um casamento. Ele vestia uma roupa formal, ela um vestido de noiva.
Então notei que uma boa parte da cara do noivo estava escondida por
grandes óculos escuros. Ele era cego. Provavelmente estava gravemente
queimado por trás dos seus óculos escuros. Sua esposa era mais
jovem, e era atraente. Estava feliz! Continuou falando, rindo alegremente.
Fiquei espantado. No Ocidente, as pessoas traem, abandonam-se por quaisquer
inconvenientes, pelas razões mais egoístas. E ali, uma jovem
atraente casava-se, alegremente, com seu homem seriamente ferido, para poderem
andar juntos, lado a lado, para o resto de suas vidas.
Eu vi muito da Coreia do Norte após essas horas no parque. Estive frente
à mais fortificada fronteira da terra. Conheci e discuti filosofia e
como o Ocidente tenta desumanizar os seus inimigos, com Yang Hyong Sob
, vice-presidente do Comité permanente da Comissão popular
suprema. Discuti filosofia e existencialismo com o grande teólogo e
filósofo John Cobb, a bordo de um autocarro que nos levou de Pyongyang
à fronteira.
Houve "grandes momentos" durante esta viagem, grandes
celebrações à minha volta. Houve espectáculos
sofisticados e discursos, marchas e música. No entanto, nada me tocou
tão profundamente como aqueles momentos no parque. Lá, vi um
enorme carinho dado a uma criança por sua mãe. E tenho
testemunhado esta beleza natural, a simplicidade e a alegria do amor, misturado
com serenidade e dignidade irradiando de uma jovem que se casa com seu
companheiro cego e ferido.
Esta é a Coreia do Norte que tive o privilégio de ver com meus
próprios olhos. É a Coreia do Norte que o Presidente dos EUA quer
"tomar conta", o que significa "destruir". Foi na Coreia
do Norte onde verifiquei, como em tantas outras ocasiões, em tantos
outros países, que há ainda muito amor nesta terra e que nenhuma
brutalidade, nenhuma crueldade, jamais poderá vencer.
Este texto não é dos meus " ;normais" ;. Não
é filosofia, nem história. Não sei o que é.
Não me interessa o que é. Eu só queria compartilhar algo
com meus leitores: algo que me interessa no momento, algo que quebra e grita e
que se revolta contra este estado de coisas. O que tenho a certeza, é
que, agora, eu quero estar lá, em Pyongyang. Eu quero voltar, mesmo que
ninguém me tenha convidado.
Se o supervisor, o gerente, o Presidente, decidir atacar, quero estar em
pé e alerta e pronto, face aos seus navios e seus mísseis. E
assim, como sempre, sem abrigo ou colete à prova de bala, só com
minhas máquinas fotográficas, uma caneta, um bloco de notas e um
pequeno dragão asiático para dar sorte no meu bolso.
Não terei medo. Não creio que a maioria das pessoas da Coreia do
Norte tenha medo. Somente aqueles que estão dispostos a cometer
assassinatos em massa, de novo e sempre, em todo o mundo, agora estão
com muito medo. Pelo menos inconscientemente, pelo menos na sua própria
essência, assim como na sua própria loucura.
[*]
Filósofo, romancista, cineasta e jornalista de
investigação. Cobriu guerras e conflitos em dezenas de
países. Três de seus
livros mais recentes
são o romance revolucionário
Aurora
e dois best-sellers de não-ficção política:
Exposing Lies of The Empire
e
Fighting Against Western Imperialism
. Vltchek actualmente reside no sudeste da Ásia e no Médio
Oriente
e continua a trabalhar em todo o mundo. Pode ser contactado
através de
seu
sítio web
e do seu
Twitter
.
O original encontra-se em
www.globalresearch.ca/...
e a versão em francês em
www.legrandsoir.info
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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