Colômbia
Reflexões elementares perante o projecto de Santos
A recente apresentação de projecto destinado a reformar a lei
para permitir que a realização de um referendo possa coincidir
com a data normal de outro convocatória eleitoral pública
não é um facto tão límpido como o governo nacional
pretende apresentar.
O presidente Santos afirma que procura gerar as condições que
possibilitem, diante de um eventual acordo na Mesa de Havana, que se possa
realizar de maneira expedita o referendo aprovado no Acordo Final, a fim de
poder materializar o pacto de paz.
E como se procurasse tirar importância ao tema, argumenta que se
não se conseguir nenhum Acordo na Mesa, ou se ali não se definir
que o procedimento para aprovar os acordos seja um referendo, simplesmente
não vai acontecer nada, a lei aprovada não se aplicaria e ponto.
Reflictamos um instante sobre isso. Tem algum sentido, já se viu em
algum país do mundo, que um governo proponha uma lei, pressupondo algo
que não sabe se se vai verificar, e afirmando que se não se
verificar, não importa nada?
Pode um governo por em funcionamento toda a máquina estatal, envolver os
três poderes, executivo, legislativo e judiciário, com
carácter de urgência, a fim de obter uma lei que lhe permita
executar algo que ele próprio admite que é provável que
não se verifique?
As razões para fazê-lo têm necessariamente que ir muito mais
além da simples generosidade bonachona. Santos deve ter sérias
motivações. E é a esse respeito que vale a pena convidar o
país a pensar cuidadosamente e não engolir tudo como parece
indicar a grande imprensa.
O próprio Humberto de La Calle reconhece que o tema faz parte do ponto 6
da Agenda, o qual nem sequer se começou a discutir. Quando se discuta,
pode ser acordada uma fórmula bem diferente, caso em que a lei proposta
seria uma simples medida preventiva como que por acaso.
Não se pode acreditar nisso, não se pode ser tão
ingénuo. Durante vários meses, como está visto desde
já, os grandes media e o país inteiro vão estar ocupados
com as incidências do projecto de lei sobre referendo, o qual será
elevado desse modo à fórmula de uma panaceia salvadora.
Quando o tema do mecanismo de referendação venha a ser abordado
na Mesa, vai acontecer que o argumento central do governo para impor a via do
referendo vai ser precisamente o da engrenagem estatal já posta em
marcha e a expectativa nacional a respeito.
Qualquer outra fórmula, por outras palavras, uma Constituinte,
será abandonada de imediato com o simples argumento de que implicaria
mais tramitações e demoras. A nação inteira quer
por fim ao conflito já, dirão. Assim a fórmula
governamental do como que por acaso se tornará imposta por
inércia.
Caso na Mesa as FARC, por sua inclinação a algum outro mecanismo,
se negarem a admitir que o de aprovar seja o referendo, é seguro que o
governo nacional e os grandes media vão lançar-se em massa contra
elas acusando-as de haver enganado o país.
Vão dizer que depois de haver embarcado o Congresso, o Tribunal
Constitucional, os grandes media e a opinião pública na
fórmula salvadora do referendo, lançaram-se para trás numa
demonstração da sua má fé habitual e sua mania de
mentir ao país.
Que o presidente Santos pretenda nos encurralar desse modo com o seu como que
por acaso não é o mais grave do assunto. Desde há meio
século pretendem fazer o mesmo com bombas e metralha, o que, como
organização, ensinou-nos a desenvolver uma blindagem a toda prova.
Num país onde comprovadamente foram eleitos presidentes com dinheiro das
máfias e apoio paramilitar, no qual já é costume
valerem-se de algum modo das FARC e do tema da paz para chegar à
primeira magistratura, não é raro que Santos recorra ao processo
para reeleger-se.
A agitação legislativa e mediática se encarregará
de preparar a opinião pública para isso, sem importar que o
presidente tenha previsto o fio da espada contra as FARC no caso de não
se submeterem às suas imposições. Se não conseguiu
a paz pelas boas, todos os modos o conseguirá pelas más.
Mas há algo mais sério. O governo nacional ainda não disse
uma palavra pública sobre a lei que convocaria o referendo. Fez
acreditar que ela disporia uma eleição na qual a cidadania
votará pelo sim ou o não a cada um dos pontos do Acordo Final de
Havana.
Quando não há nada mais longe do seu propósito. O que
Santos pretende com esse Referendo é que o país vote sim ou
não, para dotar o presidente de faculdades extraordinárias para
expedir decretos com força de lei destinados a por em vigor os Acordos
firmados em Havana.
Para o qual o país deve votar sim ou não à
formação de um pequeno Congresso ou corpo legislativo encarregado
de redigir os decretos. Esse Congresso estaria formado por porta-vozes de todos
os partidos políticos e nele terá lugar uma pequena
representação das FARC.
É essa a segunda parte sobre a qual o governo cala. Assim, e isso foi
informado em reunião informal a um grupo de porta-vozes das FARC em
Havana, as quais propuseram um tempo prudencial para pensar sobre isso. O
governo, contudo, decidiu arrancar com a sua ideia sem esperar resposta.
Assim, nós as FARC estamos envoltas agora num carrossel que ultrapassa
de longe o Acordo Geral firmado em Havana há um ano, sem contar com a
nossa opinião, e ao qual, segundo o governo, não poderemos
opor-nos sem que apareçamos como falsários e inimigos da paz.
Essa é toda a verdade. Nossa intenção é seguir em
frente com o processo de paz, de acordo com o pactuado no Acordo Geral, fazendo
caso omisso das manobras que o governo tente em paralelo. A Colômbia e o
mundo devem saber quem está a violar as regras.
É claro que o governo pressiona de todas as formas por um acordo antes
do fim do ano. Mas suas posições na Mesa continuam a ser
inamovíveis quanto a não tocar um só aspecto da ordem
estabelecida. Insistimos em que o que pretende é nossa simples
adesão a suas políticas.
Isso não seria um acordo. Tão pouco a paz pela que lutaram e
entregaram a vida tantos colombianos e tantos guerrilheiros patriotas. Menos a
paz pela qual o povo de baixo deste país clama hoje em dia nas ruas,
estradas e praças.
Timoleón Jiménez.
Comandante do Estado Maior Central das FARC-EP
25 de Agosto de 2013
O original encontra-se em
www.pazfarc-ep.org/...
Este comunicado encontra-se em
http://resistir.info/
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