José Saramago e as FARC

por Jorge Figueiredo, José Paulo Gascão,
Miguel Urbano Rodrigues e Rui Namorado Rosa [*]

José Saramago, em entrevista a Yamid Amat, publicada no dia 28 de Novembro pp, pelo diário El Tiempo de Bogotá, o influente diário da oligarquia colombiana (400 mil exemplares), emitiu opiniões sobre as organizações guerrilheiras daquele pais que pelo seu conteúdo suscitaram compreensível surpresa.

Segundo Saramago, na Colômbia "não há guerrilha, mas sim bandos armados". Tendo o entrevistador observado que ele "é comunista e a guerrilha se identificou com o comunismo", respondeu: "Não posso imaginar um país com um governo comunista que se dedicasse ao sequestro, ao assassínio e à violação de direitos humanos. Eles não são comunistas. Talvez no início tenham sido, agora não".

Saramago é um grande escritor que pela sua obra conquistou enorme e merecido prestigio mundial. A justa atribuição do Prémio Nobel e a sua solidariedade com povos e movimentos que lutam pela liberdade e pela independência contribuíram para emprestar às suas tomadas de posição ressonância universal.

Não foi, por isso mesmo, sem espanto que resistir.info tomou conhecimento de declarações de José Saramago, contendo acusações contra as organizações insurreccionais colombianas que repetem inverdades e calúnias formuladas pela direita reaccionária e o imperialismo.

Afirma o escritor que não há guerrilhas na Colômbia, mas apenas "bandos armados". Porventura desconhece que dois ex-presidentes do país, Samper e Lopez, propõem negociações com o principal movimento guerrilheiro, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo, reconhecendo-o como interlocutor válido?

As FARC-EP vão comemorar 40 anos de existência. A antiga guerrilha de Marquetalia -- 47 combatentes -- transformou-se num exército popular de 18 000 homens que se bate em 60 frentes contra o mais poderoso exército da América Latina, numa luta desigual que só encontra precedente na travada no Vietnam. O seu líder, o comandante Manuel Marulanda, é hoje considerado pelas forças progressistas do continente como um herói da América Latina. O ex-presidente Pastraña dialogou com ele, numa zona desmilitarizada, de igual para igual.

É estranhável também que José Saramago na extensa entrevista em que nega aos guerrilheiros colombianos a dignidade de revolucionários comunistas se tenha esquecido de incluir qualquer crítica ao presidente Álvaro Uribe, um político de extrema direita, ligado pelo seu passado aos bandos de paramilitares e narcotraficantes, responsável por uma estratégia de terrorismo de estado.

A solidariedade com aqueles que na Colômbia lutam pela liberdade do seu povo implica para nós o dever de lamentar que um português com a dimensão e o prestígio de José Saramago tenha emitido numa entrevista de tão ampla repercussão, na capital de um país com um presidente neofascista, opiniões que não se coadunam com o seu perfil de humanista e a sua responsabilidade de intelectual progressista.

Os editores de resistir.info
  Jorge Figueiredo
José Paulo Gascão
Miguel Urbano Rodrigues
Rui Namorado Rosa


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29/Nov/04