A última entrevista do Comandante Raúl Reyes
por Aníbal Garzón & Ingrid Storgen
[*]
O Comandante Raúl Reyes tombou no dia 1 de Março de 2008,
juntamente com 17 guerrilheiros das FARC-EP. Caíram vítimas do
bombardeamento da Força Aérea Colombiana que destruiu o seu
acampamento, ao Sul do Rio Putumayo. Esta acção confirma a
criminalidade do governo fascista de Uribe, que tudo faz para sabotar
saídas pacíficas para a situação colombiana. Ao
recusar todas as gestões para a troca de prisioneiros de guerra e
apostar tudo na solução militar o governo uribista põe em
risco a vida dos prisioneiros e agrava a situação. O humanismo
das FARC demonstrou-se no facto de para libertarem prisioneiros e
cumprirem a promessa feita ao Presidente Chávez se terem
arriscado a que os seus acampamentos fossem localizados através da
espionagem electrónica das suas comunicações e dos
satélites-sensores do imperialismo. Este risco foi excessivo, como
agora se viu.
A entrevista que se segue foi a última concedida pelo Cmte. Raúl
Reyes, na ante-véspera da sua queda em combate. Resistir.info presta
homenagem a esta grande figura histórica de dimensão
internacional.
Aníbal Garzón e Ingrid Storgen:
Quando se pôs em andamento a famosa "Operação
Emmanuel" acabou por ser preciso atrasá-la devido a
operações militares estatais realizada próximo do lugar
onde iam ser feitas as libertações. Que objectivo acreditam as
FARC que poderia existir por trás da táctica militarista de Uribe
ao realizar tais actividades em pleno lugar da operação (no
Departamento de Meta) ponde em perigo a vida dos reféns?
Raúl Reyes:
Por trás da táctica militarista de Uribe de impedir a
libertação destes prisioneiros, sãos e salvos, está
a absoluta recusa deste governo à troca e às saídas
concertadas. Em nada lhe importa por em grave risco a vida dos prisioneiros.
Finalmente, são mais de cinco anos sem que este governo se tenha
interessado em facilitar a libertação desta gente. A assinatura
do acordo humanitário requer a evacuação
(despeje)
dos municípios de Pradera e Florida, garantia negada pelo presidente
Uribe e sem a qual as FARC não aceitam entrevistas com
funcionários do governo actual em nenhum lugar.
A.G e I.S:
Que mudança produziria nas FARC, e no contexto colombiano em geral, se
se cumprisse a proposta de Chávez de conceder o status de actor
beligente num conflito armado nacional e de repercussão internacional.
R.R:
O reconhecimento de beligerância proposto pelo Presidente Hugo
Chávez exprime o conhecimento cabal do conflito interno colombiano.
Cuja solução definitória requer saídas
políticas e reconhecer a existência de dois exército
enfrentados por interesses políticos, sociais e económicos muito
diferentes. O exército oficial, apoiado no paramilitarismo de Estado, e
do outro lado o exército formado pelas guerrilhas revolucionárias
das FARC e do ELN. A troca, ou intercâmbio de prisioneiros, será
feita entre o governo e as FARC. Um dos entraves interpostos pelo governo
colombiano para firmar acordos com a insurgência revolucionária
é negar a sua existência histórica na vida política
da Colômbia. Obstina-se em fechar os olhos perante uma realidade que o
presidente Chávez, sim, observa com critério bolivariano e com o
seu empenho generoso de trazer a paz aos colombianos. Em lugar algum do mundo
é possível conseguir a reconciliação e a paz entre
os contendores sem reconhecer a existência do adversário
político.
A.G e I.S:
Que opinião tem quanto ao movimento havido, a nível nacional e
com internacionais, no passado 4 de Fevereiro de recusa às FARC. Que
comparação se pode fazer a resposta a esse movimento anunciada
para 6 de Março (Movimento Vítimas de Crimes de Estado)?
R.R.:
A marcha de 4 de Fevereiro último foi organizada, promovida e financiada
pelo governo de Álvaro Uribe. Ela contou com a
contribuição dos meios de comunicação, os
paramilitares conclamaram a dela participar. Os funcionários e
empregados oficiais estatais foram forçados a vincular-se à
mesma. As embaixadas e os consulados receberam instruções do
Ministério dos Negócios Estrangeiros para participar na marcha e
solicitar aos seus amigos apoios em cada país. É a marcha do
governo da para-política contra a troca ou intercâmbio de
prisioneiros e contra a busca da paz. Com o propósito de gerar ambiente
nacional e internacional para promover a segunda reeleição de
Álvaro Uribe.
A.G e I.S.:
Foi divulgado que as FARC vão elaborar uma nova
libertação de três ou quatro presos políticos[1].
Que objectivo se procura com isso, tanto a nível nacional como
internacional? Acredita-se que haverá alguma resposta de Uribe?
R.R.:
A libertação dos ex-congressistas Luis Eladio Pérez,
Gloria Polanco, Orlando Beltrán e Jorge Eduardo Gechen Turbay e
anteriormente de Consuelo González e de Clara Rojas é o resultado
da persistência humanitária e da sincera preocupação
pela paz na Colômbia do Presidente Hugo Chávez e da Senadora
Piedade Córdoba. Também é a mais contundente
manifestação da vontade troca das FARC, a qual exige a
evacuação militar de Pradera e Florida por 45 dias, com
presença guerrilheira e comunidade internacional como garantes, para
pactuar com o governo nesse espaço a libertação dos
guerrilheiros e dos prisioneiros de guerra em poder das FARC.
Internacionalismo
A.G e I.S:
Quanto a uma visão mais internacionalista, a queda da URSS afectou
negativamente o comunismo internacional. Acreditam as FARC que a retirada de
Fidel como presidente do governo cubano afectará o socialismo cubano e
em consequência o auge dos movimentos sociais latino-americanos e os
governos de esquerda?
R.R.: A inesperada queda da URSS afectou negativamente boa parte dos Partidos
Comunistas e sobretudo a construção socialista nos países
da Europa teve um sério e longo retrocesso. O derrube do socialismo
russo mostrou, sem lugar a equívocos, grandes falências
ideológicas, políticas e estruturais desse modelo. Ao mesmo
tempo que debilitou os partidos, também produziu no seu interior a
depuração dos elementos farsantes e traidores que regressaram ao
sistema capitalista sem vergonha alguma. Os Partidos e os seus militares de
convicções sólidas mantiveram-se fieis ao acervo dos
clássicos do Marxismo-Leninismo. Sem se deixarem confundir pela
tormenta do capitalismo, que proclamava o fim socialismo, manteve-se Cuba,
conduzida pelo seu Partido e o Comandante em Chefe dessa
revolução triunfante. As FARC, representadas pelo Comandante
Jacobo Arenas (falecido em Outubro de 1990) exprimiram com contundência a
traição cozinhada na Rússia por Gorbachov após a
enteléquia da perestroika e da glasnot. Dissemos naquela época,
com a queda do muro de Berlim e do Socialismo, nem a fome, nem a pobreza, nem a
miséria desapareceram entre os pobres, por isso a luta pela
libertação dos povos e a construção socialista
conserva plena vigência...
Hoje, tal como nesses temos, confirmamos mais uma vez que a opção
da humanidade é o socialismo.
O Comandante Fidel Castro continua a iluminar, com luz própria e
experimentada, a edificação do socialismo. O partido, seu povo e
o novo chefe de Estado e de Governo de Cuba, avançam sem cessar pelo
caminho traçado por Fidel e seus heróicos camaradas de luta.
História e conflito com o ELN
A.G e I.S:
Há vários anos iniciaram-se diversos enfrentamentos entre o ELN
e as FARC, em departamentos como Arauca, Nariño, Valle del Cauca e
Cauca. Como sucedeu isso? Que repercussão teve quanto ao conflito
contra o Estado uribista? E que solução vê as FARC?
R.R.:
Na realidade, nada justifica os enfrentamentos armados entre o ELN e as FARC,
por se tratarem de duas organizações revolucionárias
comprometidas com a criação das premissas da luta pela conquista
do poder político a fim de dar início à
construção da sociedade livre de exploradores e sem explorados.
Explicar os factores históricos de confrontação entre as
duas forças é sumamente complicado neste espaço e de modo
algum considero prudente atribuir toda a responsabilidade a uma das partes. No
meu entender existe alguma culpa de parte a parte. O mais importante por agora
é parar a confrontação entre revolucionários,
assumindo em ambos os lados o compromisso de localizar os elementos infiltrados
que alimentam o cizânia, a desqualificação, a falta de
respeito a combatentes e massas, além de propalar rumores para aumentar
hostilidades ou criá-las onde não existem. Estamos em vias de
efectuar uma entrevista entre as duas chefias, para por fim a esta
situação e fortalecer a unidade de acção, tendo em
vista consolidar a luta contra o imperialismo e a oligarquia, pela nova
Colômbia, a Pátria Grande e o Socialismo.
A.G e I.S:
Em Setembro de 1987 criou-se a Coordenadora Guerrilheira Simón
Bolívar, uma coligação entre diferentes grupos insurgentes
(ELN, FARC, M-19, EPL, Frente Quintín Lame, MIR, PRT). Na actualidade,
as FARC acreditam que seria positivo e possível realizar a
re-criação da Coordenadora para unir o projecto
revolucionário contra o governo de Uribe?
R.R.:
A unidade da esquerda revolucionária, onde estão as guerrihas
do EPL, ELN e das FARC, é uma necessidade de ordem estratégica.
O nome de Coodenadora Guerrilheira Simón Bolívar insere-se
exactamente dentro da nossa covicção bolivariana. Entretanto, o
mais importante é superar a forma fatal de solucionar as
diferenças.
A.G e I.S:
As FARC fundaram-se como auto-defesas camponesas, mais tarde o seu objectivo
foi a conquista do poder estatal para fazer a revolução
socialista. Actualmente a táctica-estratégia parlamentar foi a
mais utilizada na esquerda latino-americana desde a vitória de Hugo
Chávez em 1999. Diante disto, as FARC continuam a defender a
possibilidade de chegar ao poder mediante a luta armada-ataque ou só
utilizam esta táctica como defesa da repressão, com possibilidade
de futuras reformas de esquerda com um governo mais social-democrata?
R.R.:
As FARC são uma organização político-militar
que aplica a combinação de todas as formas de luta
revolucionária para a conquista do poder. Coerente com esta
definição de princípio, não subestimam a via
eleitoral mediante uma grande coligação de forças
anti-imperialistas bolivarianas, progressistas, revolucionárias, que
mediante um programa de governo garanta a superação da crise,
comprometa-se com a troca de prisioneiros e as saídas políticas
para o conflito interno dos colombianos. Esta ideia está
explícita na nossa Plataforma Bolivariana e no Manifesto firmado pelo
nosso Secretariado, para um novo governo que garanta a paz com democracia e
justiça social.
A.G e I.S:
Nos anos 80, após as negociações de paz com Belisario
Betancourt, fundou-se a União Patriótica como referente
político da esquerda e a possibilidade de uma futura
negociação de paz. Com a alta repressão e os milhares de
assassinatos sofridos nas fileiras da UP, será que as FARC repensam a
possibilidade de voltar a realizar a mesma estratégia como processo de
paz?
R.R.:
O genocídio a cargo do terrorismo de Estado contra a União
Patriótica e parte considerável do Partido Comunista Colombiano
demonstrou perante o mundo a intolerância e a criminalidade da classe
governante do meu país, que além disso empurra os
revolucionários a engrossarem as fileiras guerrilheiras para salvarem as
suas vidas e manterem a luta política com as armas na mão. A UP
foi liquidada a tiros pelos inimigos das saídas políticas. Facto
que obriga a privilegiar o trabalho clandestino, como o Partido Comunista
Clandestino e o Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia, cuja
militância para subsistir e crescer mantém-se na clandestinidade.
Regionalismo revolucionário latino-americano
A.G e I.S:
Como vêm a situação da América Latina, a partir da
onda de governos progressistas na região, juntamente com outros
directamente revolucionários?
R.R.:
Observa-se na América Latina uma viragem positivo para a esquerda
revolucionária com a liderança de governos anti-imperialistas,
progressistas, independentes, bolivarianos, a caminho do socialismo, com o
compromisso de cumprir o mandato do Libertador de proporcionar a maior soma de
felicidade possível aos seus povos. A Colômbia não
será a excepção. Como bolivarianos, em meio à
confrontação com governo da ultra-direita fascista e paramilitar,
vamos pelo mesmo caminho sem que ninguém nem nada o impeça.
A.G e I.S:
Qual é o papel que deve cumprir a solidariedade internacionalista como
muro de contenção frente à terrível
problemática que vivem os povos da América Latina, os colapsos
financeiros e as guerras, em momentos nos quais o império agrava os
planos de desestabilização e a conhecida estratégia da
CIDA e do Estado de Israel como factores de extrema periculosidade?
R.R.:
O caminho está no fortalecimento da unidade anti-imperialista,
progressista e da esquerda revolucionária com a finalidade de unir
esforços, aprender com as experiências de cada lugar, para cerrar
fileiras contra os sinistros planos dos impérios e das oligarquias
crioulas, empenhadas em perpetuar-se no poder à custa da
destruição das organizações e projectos
políticos contrários às suas políticas de
exploração, espoliação, enriquecimento
ilícito, narcotráfico, corrupção, opressão,
pobreza e miséria, vertidas sobre os povos do continente.
Impõe-se incrementar o internacionalismo, como expressão de
solidariedade de classe.
Muito obrigado,
Raúl Reyes
Montanhas da Colômbia, 28 de Fevereiro de 2008
[*]
Colaboradores do sítio web
Kaos en la Red
.
O original encontra-se em
kaosenlared.net
e em
http://www.resumenlatinoamericano.org
, nº 993
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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