Proposta para o desenvolvimento rural com democratização, paz e justiça social na Colômbia

por Delegação de paz das FARC-EP

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Com o objectivo de contribuir para o desenvolvimento rural com a democratização e a paz com justiça social formulam-se as seguintes oito propostas:

  • Ordenamento social e ambiental, democrático e participativo do território
  • Reordenamento territorial e usos da terra para a soberania alimentar e o abastecimento nutricional e alimentar da população
  • Sustentabilidade sócio-ambiental, direito à água e protecção das fontes hídricas e dos ecosistemas frágeis
  • Definição de territórios de produção agrícola e de alimentos
  • Criação de novos assentamentos rurais para a produção agrícola e de alimentos
  • Recursos naturais não renováveis em função do interesse nacional e do padrão de vida da população
  • Mineração artesanal digna e pequena e média mineração com sustentabilidade sócio-ambiental
  • Cultivos de uso lícito de marijuana, papoula e folha de coca e substituição de cultivos de uso ilícito

1. Ordenamento social e ambiental, democrático e participativo do territorio

Frente a um ordenamento autoritário do território, no qual este é concebido como um mero instrumento para a obtenção de lucros sumarentos mediante a extracção sem misericórdia dos recursos naturais, ou é inscrito dentro de estratégias militares de consolidação para proteger os grandes capitais, ou impor relações de poder baseadas no exercício estrutural da violência estatal e paramilitar, propiciar-se-á:

Um ordenamento territorial fundamentado na mais ampla democracia e participação social, orientado para a construção de uma sociedade que supere a injustiça e a desigualdade, capaz de atender suas exigências alimentares, de estabilizar suas comunidades, de realizar um manejo sustentável do seu ambiente e em busca de bom padrão de vida da sua população.

A convocatória para um grande debate nacional acerca da profunda reorganização espacial e territorial e dos impactos sócio-ambientais que vem impondo a exploração mineiro-energética. O referido debate deve produzir um acordo político que permita reorientar o processo de ordenamento territorial com base na utilização dos recursos naturais em função dos interesses nacional e do padrão de vida da população em geral.

O reconhecimento e o respeito por toda forma democrática, comunitária, participativa, autónoma de construção do território e, em especial, dos territórios camponeses, indígenas, de afrodescendentes, raizales [1] , palenqueros [2] , interétnicos e interculturais.

O reconhecimento e o estímulo do direito à consulta prévia, livre informada, estendido às comunidades camponesas e, em geral, a todo grupo populacional cujo modo de vida se possa ver afectado pela implementação de projectos mineiro-energéticos, infraestruturais ou de outra índole.

2. Reordenamento territorial e usos da terra para a soberania alimentar e o abastecimento nutricional e alimentar da população

O novo ordenamento territorial que o país requer deve-se fundamentar em usos da terra que considerem sua vocação agro-ecológica, orientem-se para garantir o abastecimento nutricional e alimentar da população e a soberania alimentar em geral, assim como a sustentabilidade sócio-ambiental. Os conflitos decorrentes do uso da terra devem-se resolver atendendo sempre este objectivo. De maneira específica propõe-se:

- Actualização e definição precisa das zonas de reservas florestal e de parques naturais.
- Protecção especial das fontes de água tendo em vista garantir o direito à água da população e propiciar sua utilização racional e controlada na actividade económnica.
- Reconhecimento e formalização de subtracção de territórios de zonas de reserva florestal a favor de comunidades camponesas, indígenas e de afrodescendentes.
- Desestímulo à pecuária extensiva e "despecuarização" da utilização da terra em 20 milhões de hectares, acompanhado de programas de reconversão tecnológica.
- Definição precisa e fechamento da fronteira agrícola; aumento da área de cultivos agrícolas até chegar a um equilíbrio entre terras aptas para a agricultura e terras efectivamente destinadas a essa actividade, privilegiando a produção de alimentos.
- Solução de conflitos de usos da terra, decorrentes das economias de extracção mineiro-energética, a favor da preservação das condições de sustentabilidade sócio-ambiental ou da produção agrícola, especialmente de alimentos, conforme o caso. Isso implica: proibição ou regulamentação estrita, conforme o caso, das actividades de extracção mineiro-energética, especialmente da grande mineração a céu aberto. Com igual critério, proceder-se-á com a exploração florestal com fins comerciais.
- Criação do Conselho Nacional da Terra e do Território, encarregado de traçar e estabelecer pautas gerais de ordenamento territorial, de definir os usos da terra, assim como dos conflitos que dela decorram. Além dos representantes dos poderes políticos e dos organismos de controle, dos grémios sectoriais, o Conselho será formado com representantes das comunidades dos territórios camponeses, indígenas, afrodescendentes, raizales, palenqueros, interétnicos e interculturais, assim como das organizações camponesas e de trabalhadores agrícolas, escolhidos pelas mesmas.

3. Sustentabilidade sócio-ambiental, direito à água e protecção das fontes hídricas e dos ecossistemas frágeis

No desenvolvimento deste objectivo serão impostas medidas para:

- Protecção especial ou restauração, conforme o caso, de eco-sistemas frágeis e estratégicos, das bacias, das charnecas e zonas húmidas e, em geral, das fontes e recursos hídricos, bem como das zonas coralinas, entre outros; ampliação dos bosques e das áreas protegidas; promoção de programas de reflorestação maciça; definição de zonas de alta biodiversidade e protecção das variedades e espécies nativas.
- Proibição o regulamentação estrita, conforme o caso, de actividades económicas mineiras, energéticas, florestais, agrícolas ou turísticas que afectem a sustentabilidade sócio-ambiental.
- Reconhecimento e materialização do direito humano à água, conforme a Resolução 64/292 de 2010 da Nações Unidas. Em consequência, priorização do uso da água para o abastecimento das gerações presentes e futuras, o rego e os cultivos, suspensão definitiva de projectos de represas e hidroeléctricas, orientados para a exportação de energia, em particular do megaprojecto de El Quimbo.
- Reconhecimento e estímulo às comunidades camponesas, indígenas e de afrodescentes por sua indiscutível função na preservação de condições sócio-ambientais dignas e sustentáveis mediante a implementação de programas específicos, a cobertura da dívida ambiental contraída com elas e a protecção frente a mecanismos desenvolvidos pelo negócio financeiro transnacional com os bónus do carbono, incluído o chamado mecanismo REDD+ [3] .

4. Definição de territórios de produção agrícola e de alimentos

O reordenamento territorial deve conduzir a uma definição precisa dos territórios de produção agrícola, em geral, e de produção de alimentos em particular. Tendo em conta que o propósito primordial da produção agrícola está orientado para garantir o abastecimento nutricional e alimentar da população e, em geral, a soberania alimentar do país, serão postas em marcha as seguintes medidas:

Aumento da área agrícola efectivamente cultivada ao menos em 20 milhões de hectares, privilegiando o aumento da área de produção de alimentos.

Considerando que a economia camponesa é a principal produtora e abastecedora de alimentos e regista de modo demonstrado os mais altos níveis de produtividade, serão criadas Zonas de produção camponesa de alimentos, numa extensão que somada não será inferior a 7 milhões de hectares.

As Zonas de reserva camponesa compreendem-se como parte do processo de reordenamento territorial. Considerando as zonas que já têm vida jurídica, as que se encontram em tramitação e os cerca de 30 processos de facto, a definição territorial destes processos exige pelo menos 9 milhões de hectares. Parte importante da economia destas zonas sustenta-se na produção de alimentos.

Nos territórios camponesas de Zonas de reserva camponesa e Zonas de produção camponesa de alimentos serão estimuladas e impulsionadas produções orgânicas e agro-ecológicas de alimentos.

Os territórios indígenas e de afrodescendentes também serão compreendidos como territórios de produção de alimentos e deverão ser estimulados com programas específicas para esse objectivo.

A produção de alimentos não exclui a agricultura para a exportação, nem a agro-indústria. Os territórios para esta agricultura deverão ser igualmente delimitados. Os territórios de produção cafeeira merecerão especial atenção e protecção. No caso dos cultivos de longa duração, orientados para a produção de agro-combustíveis, sua localização, seus limites territoriais ou sua proibição, conforme o caso, serão fixados atendendo a sustentabilidade ambiental, a afectação de fontes de água e as exigências de abastecimento alimentar. Explorações agrícolas desenvolvidas com tecnologias intensivas em utilização de agro-químicos serão desestimuladas.

No caso de um ordenamento territorial baseado em encadeamentos produtivos entre grandes produtores e produtores camponeses e/ou trabalhadores assalariados agrícolas, devem garantir-se acordos equilibrados que possibilitem repartições equitativas do excedente, condições dignas de trabalho e de existência e atenção a padrões laborais, incluída a segurança social.

Faz-se necessário impedir mudanças no uso do solo rural pela imposição da lógica urbana, incluindo as reconversões decorrentes do mercado de serviços e o turismo, da mudança nas unidades de medida para a comercialização do solo, ou da pressão imposta pelos processos de urbanização.

5. Criação de novos assentamentos rurais para a produção agrícola e de alimentos

O reordenamento territorial contemplará a construção de condições de trabalho e de vida adequadas e atractivas nos meios rurais, propiciando a formação concertada de novos assentamentos mediante a canalização para eles de investimentos e serviços.

Com os novos assentamentos rurais busca-se fortalecer a organização da produção de bens agrícolas básicos em espaços próximos aos centros de consumo, propiciando a garantindo o estabelecimento e a estabilização de pequenos e médios produtores nesses espaços.

Os assentamentos poderão ser formados com a terra distribuída gratuitamente a camponeses sem terra, povoadores urbanos em condições de pobreza e miséria, trabalhadores e proletários agrícolas, mulheres sem terra, que estejam dispostos a isso. Também serão formados com parcelas individuais e formas cooperativas ou associativas de propriedade. Estes assentamentos exigirão o impulso de projectos de produção, transformação e provisão de bens de origem agrícola para outros assentamento, os centros urbanos e a exportação.

A formação dos assentamentos, concertada com grupos populacionais específicos, implica induzir mudanças na distribuição espacial da população, estabelecer as modalidades de destinação de recursos por parte do Estado, definir os traços da economia rural conforme a vocação agro-ecológica da terra e fixar sua localização atendendo critérios de conveniência e de dotação de infraestrutura.

6. Recursos naturais não renováveis em função do interesse nacional e do padrão de vida da população

As economias de extracção de recursos naturais não renováveis, em especial mineiro-energéticos, vêm transformando e afectando de maneira significativa os direitos e a vida das pessoas e de comunidades inteiras, os usos do solo, as fontes de água, os eco-sistemas e, em geral, a sustentabilidade sócio-ambiental do país, assim como as possibilidades futuras da produção agrícola. O ordenamento territorial que o país precisa impõe por um travão à expansão desordenada e anárquica dessas economias estabelecendo proibições, limites ou regulamentações estritas, conforme o caso. No desenvolvimento desse objectivo devem-se empreender as seguintes acções:

Declaração do carácter estratégico dos principais recursos naturais energéticos e mineiros e recuperação destes mediante a redefinição das modalidades contratuais que deram lugar ao seu usufruto em condições leoninas por investidores estrangeiros, reformulação do regime de royalties elevando de maneira significativa a percentagem de recursos a favor da nação, eliminação do regime de incentivos tributários a investidores estrangeiros.

Delimitação territorial precisa das economias de extracção de recursos naturais não renováveis e aproveitamento dos recursos recuperados em função do interesse nacional, do padrão de vida da população, do fortalecimento da base técnico-material do país e do processamento industrial para o mercado interno.

Destinação específica e preferencial das rendas produzidas pela extracção de recursos mineiro-energéticos para resolver os problemas económicos e sociais mais angustiantes da população em condições de pobreza e miséria.

Suspensão indefinida da concessão de novos títulos mineiros e de novas concessões para a exploração e a extracção petrolífera enquanto não se estabelecer, mediantes estudos prévios e consulta prévia com as respectivas populações, a viabilidade e sustentabilidade sócio-ambiental de tais actividades; suspensão imediata das licenças ambientais de todos os projectos mineiro-energéticos em curso que afectem os direitos económicos, sociais, ambientais e culturais da população; endurecimento das condições de concessão de novas licenças ambientais mediante regulamentações mais estritas que garantam a cobertura integral da dívida sócio-ambiental provocada pela execução dos projectos.

Regulamentação estrita ou proibição, conforme o caso, da grande mineração a céu aberto; proibição de maneira efectiva da exploração mineiro-energética em zonas de charnecas, com eco-sistema frágeis e de reserva agro-ecológica.

Imposição de obrigações de reparação integral às vítimas da depredação sócio-ambiental mineiro-energética, a começar pela empresas concessionárias e com responsabilidade compartilhada pelo Estado; exigência de cumprimento de condições de vida e de trabalho dignas, mediante a atenção aos parâmetros internacionais de legislação laboral, para os trabalhadores que laboram nessas economias.

Revogação imediata da Resolução 0045 de Junho de 2012 por meio da qual declaram-se como áreas estratégicas para a grande mineração uma grande parte da região amazónica (incluindo Caquetá e Putumayo) e uma alta percentagem de áreas de tradição e vocação agrícolas.

7. Mineração artesanal digna e pequena e média mineração com sustentabilidade sócio-ambiental

Tendo em vista garantir o bem-estar das comunidades rurais, cuja actividade económica concentra-se na ancestral mineração artesanal, assim como na pequena e média mineração, serão executadas as seguintes medidas:

Acompanhamento e protecção especial à mineração artesanal, contribuindo para preservar a sua sustentabilidade sócio-ambiental. Isso supõe garantir os direitos dos mineiros artesanais e tradicionais, assim como respeito pela sua cultura.

Assistência integral, económica, social, tecnológica, às pequena e média mineração, tendo em vista dela fazer uma mineração sustentável sócio-ambientalmente, garantidora de trabalho e vida digna, ou a provocar, conforme o caso, a reconversão desta actividade mineira a outro tipo de economia rural que possibilite a estabilidade sócio-económica da comunidade.

Reconhecimento e legalização dos títulos mineiros em mãos de pequenos e médios mineiros; término da perseguição e da criminalização desta actividade; definição de regulamentações específicas por parte do Estado.

8. Cultivos de uso lícito de marijuana, papoula e folha de coca e substituição de cultivos de uso ilícito

Com o objectivo de melhorar as condições de vida e de trabalho de comunidades rurais que actualmente dedicam a sua actividade económica, por razões subsistência, aos chamados cultivos de uso ilícito, serão implementadas as seguintes acções:

- Cessação da política de criminalização e perseguição a estas comunidades.
- Suspensão imediata e definitiva de fumigações aéreas e de outras formas de erradicação considerando os impactos negativos sócio-ambientais, económicos e sociais.
- Legalização e definição expressa de usos da terra para cultivos de marijuana, papoula e folha de coca com fins terapêuticos e medicinais, de uso industrial ou por razões culturais, conforme o caso. As zonas de cultivo e a produção serão reguladas em função da procura.
- Reorientação dos usos da terra para produções agrícolas sustentáveis, mediante a implementação de programas integrais de substituição de cultivos, concertados com as respectivas comunidades rurais.

07/Fevereiro/2013

[1] Raizales : territórios insulares habitados por afro-descendentes que falam um crioulo baseado no inglês.
[2] Palenquero : Língua crioula de algumas regiões da Colômbia.
[3] REDD+: Programa de redução de emissões de carbono causadas pela desflorestação e a degradação dos bosques.


O original encontra-se em www.agenciawalsh.org/...

Este documento encontra-se em http://resistir.info/ .
01/Fev/13