As guerrilhas não são uma moda, são uma resposta à
repressão e ao fechamento político
por Pedro Echeverría V.
[*]
1. Incrível! Será que Hugo Chávez entrou num estado de
desespero ou alguém imitou a sua voz para que os meios de
informação do mundo, ao serviço do império ianque,
divulgassem jubilosamente as suas
declarações
? Obviamente, as FARC e
as demais guerrilhas do mundo não vão fazer caso desse apelo formulado,
aparentemente, domingo passado às guerrilhas colombianas para que
libertem, "em troca de nada", reféns em poder dos rebeldes.
Além disso, disse que "a guerra de guerrilhas passou à
história... e vocês nas FARC devem saber uma coisa: que se
converteram numa desculpa do império (o governo dos Estados Unidos),
para ameaçar-nos a todos nós". Chávez recebeu o
aplauso dos governos que estão ao serviço os EUA e, mais ainda,
agora exigem que cumpra sua palavra. O passo seguinte dos cães do
império será agora exigir-lhe que extermine os terroristas, os
lutadores radicais e os rebeldes.
2. Hugo Chávez sabe perfeitamente que os ianques não necessitam
de desculpa alguma para ameaçar. O governo dos EUA ameaça e
submete a quem lhe dê na gana. Bush dividiu o mundo em aliados e
terroristas. Invadiu o Afeganistão porque, segundo disse, ali se
ocultava Bin Laden. Depois invadiu o Iraque com o argumento de que escondia um
grande armamento, mas os enviados da ONU informaram que este nunca existiu.
Chávez sabe que os EUA não precisam qualquer pretexto porque
há vários anos seleccionaram os países que fazem parte,
segundo seus critérios, do "Eixo do mal" e iniciaram uma
série de agressões contra eles e seus vizinhos. Quando os EUA
decidem dar um passo, pretextos não lhe faltam. Durante décadas,
de modo permanente, disse que suas repetidas intervenções armadas
eram para apoiar os interesses dos seus cidadãos e salvar seus
investimentos. Chávez sabe-o melhor do que ninguém, por isso
parece-me estranha a sua posição e até tive dúvidas
que fosse dele.
3. Que corrente de esquerda pode negar ou regatear o enorme papel que
Chávez desempenhou nos últimos oito anos na Venezuela e na
América Latina frente ao saqueador e assassino governo Bush? Mais
ainda, foi considerado o aluno com mais peso e, ao mesmo tempo, o herdeiro das
lutas anti-imperialistas de Fidel Castro no continente. O que se passou
então na cabeça de Chávez ou na dos seus conselheiros ao
pensar que as condições políticas venezuelanas são
idênticas às do México, Haiti, Guatemala, El Salvador ou
Colômbia? No México, quando se dá esse tipo de
mudanças intempestivas ou que não nos damos conta, perguntamos:
O que fumaste? Ou advertimos: "estás a urinar fora do
bacio". Chávez sabe muito bem que as guerrilhas e outras formas de
luta como os movimentos de massas, as greves gerais, os piquetes bloqueando
avenidas e praças, bem como outras mais batalhas dos explorados,
não podem estar fora de tempo.
4. Os empresários e governos, em todo o mundo, desejariam controlar
absolutamente tudo: monopolizar a economia, a política, a propriedade,
a cultura. Assim o fizeram durante séculos apesar das débeis
oposições e protestos. Contudo, essa classe social dominante
teve de dar passos atrás, fazer concessões e por em
prática reformas agrárias, laborais, eleitorais, só devido
à pressão das lutas dos trabalhadores. Hoje talvez nuns 20 por
cento dos países, sobretudo na Europa, por lutas que duraram
séculos, a burguesia teve que ser "inteligente" para respeitar
as lutas legais da oposição. Mas nos outros 80 por cento dos
países a repressão contra os trabalhadores foi aberta e brutal.
Inclusive em países como o México, onde os processos eleitorais
foram implantados em 1824, 70 por cento da população continua a
viver na pobreza e na miséria. Basta apenas esse dado para demonstrar
até que grau a população é exploradas e oprimida.
5. A guerrilha na América Latina não pode sair de moda porque as
condições económicas e políticas do continente,
prejudiciais à maioria da população, continuam em vigor.
Registaram-se enormes mudanças nas cidades, a tecnologia cresceu sem
paralelo, os automóveis multiplicaram-se nas cidades e 80 por cento da
população tem pelo menos uma televisão, mas para os
explorados e oprimidos, para os milhões de desempregados e
marginalizados de sempre, parece que não passaram os séculos.
Para aproveitar e dar continuidade a este estado de coisas a burguesia submeteu
com grande sanha o mais mínimo protesto ou oposição. Se
Chávez não houvesse utilizado a força, ou certo grau de
força, na Venezuela estariam a governar os partidos burgueses
tradicionais, os meios de informação continuariam a idiotizar a
população e os ianques continuariam a saquear os recursos
naturais. Talvez o próprio Chávez estaria a ser defraudado no
aspecto eleitoral.
6. O que fariam as FARC frente a um governo abertamente assassino, como o de
Álvaro Uribe (apoiado pelo governo Bush) que se refreia um pouco em
bombardear acampamentos pela existência de presos trocáveis?
Esquece-se por acaso que muitos desses presos actuaram contra o povo e foram
uma moeda necessária de troca com os heróicos presos
guerrilheiros detidos pelo governo? É compreensível o desespero
de Chávez e a pressão que sofre da parte dos familiares desses
presos, mas a guerrilha surgiu há 44 anos para lutar pelos interesses
dos explorados e dos mais pobres e é ela que tem de decidir o que fazer.
Chávez não pode usar o seu prestígio, a sua grande
autoridade, para pedir o desaparecimento da guerrilha. Certamente na
Venezuela, na Bolívia e no Equador não é necessária
a guerrilha porque os pobres, os explorados, agora estão a experimentar
um novo governo que lhes deu espaços para encaminhar as suas
petições e as suas lutas, mas não no México, na
Guatemala e demais.
7. Fidel Castro assumiu o poder em Cuba em Janeiro de 1959 depois de
encabeçar uma guerrilha e com ela tornar possível o triunfo da
Revolução contra o ditador Batista. Depois Castro, como
presidente, apoiou mais de cinco movimentos guerrilheiros que lutavam contra
governos pro-norteamericanos no continente. Não foram apoios materiais
porque Cuba carecia de meios para concedê-los, mas Fidel nunca deixou de
analisar nos seus longos discursos a pobreza e o desespero dos povos perante um
império ianque associados às burguesias nacionais de cada
país. Hugo Chávez não assumiu o poder pela via
guerrilheira e sim pelo processo eleitoral; mas teve de enfrentar a
violência com o apoio do exército quando se rebelou contra o
governo Carlos Andrés Pérez e quando, em 2002, foi
"derrubado" por 48 horas. Os explorados nunca foram violentos por
gosto, utilizaram a violência para defender-se da classe dominante que
nunca os deixou viver em paz.
8. No México os movimentos guerrilheiros estiveram presentes em toda a
sua história. Durante o colonialismo espanhol a guerrilha
indígena foi permanente. A própria luta de Independência
iniciou-se como um levantamento que logo se tornou uma resistência
guerrilheira. As invasões ianques e europeias do México no
século XIX sofreram os permanentes fustigamentos de guerrilheiros
heróicos. Durante o Porfiriato e a Revolução os
guerrilheiros, talvez mais que os exércitos formais, desempenharam um
papel importantíssimo. O que foram as guerrilhas mexicanas de Ciudad
Madera (Chihuahua), de Jenaro Vázquez e Lucio Cabañas do estado
de Guerrero, as guerrilhas urbanas de princípios dos 70 e por que
são actuais as guerrilhas hoje encabeçadas pelo EPR? Cada
guerrilha responde a condições concretas: injustiças,
miséria, fechamento, repressão, desespero,
perseguição, ameaças. Ninguém poderá
exterminar as guerrilhas se não se transformam as relações
sociais. Chávez sabe-lo, por isso não creio no que ouvi.
[*]
Analista mexicano.
O original encontra-se em
http://www.resumenlatinoamericano.org
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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