Excelentíssimo Senhor Presidente da
XIV Conferência do Movimento dos Países Não Alinhados
(MNOAL)
La Habana, Cuba.
A Colômbia é um país imensamente rico, com três
cordilheiras, segundo lugar em biodiversidade, costas em dois oceanos, todos os
patamares térmicos e climas variados, com terras férteis que
permitem uma produção agrícola durante o ano todo. Uma
população de 44 milhões de habitantes e um potencial
económico activo de grande labor que teria, em condições
de paz real, capacidade de produzir o suficiente para auto-abastecer-se e
contribuir, do ponto de vista alimentar, para a alimentação de
outros 60 milhões de seres humanos que não têm
possibilidade iguais ou semelhantes.
Mas vimos de uma tragédia nacional, 60 anos de terrorismo de
Estado e de maior geração de preocupações na
complexidade da política internacional. Foram etapas de grandes
injustiças sociais, de democracia cada vez mais restringida, tempos de
grandes padecimentos que recrudesceram com a eleição à
Presidência da Colômbia do Dr. Mariano Ospina Pérez, de
filiação conservadora. Ao iniciar esse período, em 1946,
começou-se uma repressão violenta contra a oposição
de então, fundamentalmente contra o liberalismo, o que provocou um
protesto pacífico histórico, que teve sua maior expressão
na manifestação do silêncio, convocada pelo líder do
Partido Liberal, Dr. Jorge Eliécer Gaitán. A Plaza de
Bolívar, em Bogotá, encheu-se, ninguém lançou um
grito, nem um viva, nem um abaixo, só falou Gaitán. Seu discurso
foi a Oração da Paz, não apelou ao ódio, não
apelou ao enfrentamento, apelou à reconciliação, ao
entendimento e à paz.
Em 9 de Abril de 1948 Gaitán foi assassinado e até hoje o
magnicídio permanece na mais absoluta impunidade. Ninguém sabe
quem foi o autor intelectual, pois deixou-se que a multidão enfurecida
destroçasse fisicamente o autor material a fim de que ninguém
soubesse quem o havia induzido ou contratado. Chama a atenção o
facto de que a CIA, a 58 anos de distância do facto, não haja
desclassificado os documentos sobre este magnicídio, apesar da grande
incidência que teve sobre o seu desenvolvimento agitado e sobre as ainda
não bem analisadas conclusões da Conferência Panamericana
que nesse momento se reunia em Bogotá.
Ao povo colombiano custaram muito caro estes anos de governos
desastrosos. Foram assassinados 300 mil compatriotas entre 1948 e 1953. Esse
período é conhecido como o da política oficial do
"sangue e fogo". Continua hoje o infame massacre.
Desde então, a alta hierarquia liberal optou pelo exílio e
aos liberais da base coube-lhes irem para as montanhas, empunharem as armas e
combaterem para defender as vidas, suas famílias e proteger os poucos
bens que possuíam.
No ano de 1953 foi gestado o golpe militar, aparentemente orientado pelo
general Gustavo Rojas Pinilla, que uma vez consolidado apelou às
guerrilhas para que se entregassem sob o lema "Paz, Justiça e
Liberdade". A maioria dos guerrilheiros que respondiam às
directivas do Partido Liberal entregou-se, mas o resultado não foi a
paz. Quase imediatamente o governo militar converteu em inimigos todos aqueles
que tinham um pensamento diferente do oficial e, sob os parâmetros
anti-comunistas da IX Conferência Panamericana, bombardearam-se
regiões camponesas em Villarrica Tolima, causando a morte violenta de
homens, mulheres e crianças.
No ano de 1957 o general Rojas Pinilla foi obrigado a abandonar o poder.
O novo governo tornou a chamar os guerrilheiros à paz e ao trabalho.
Estes aceitaram e voltaram a trabalhar nas regiões camponesas de Rio
Chiquito, Marquetalia, El Pato e El Guayabero. Ali se produzia milho, banana,
mandioca, café, feijão, porcos, gado e aves de capoeira, dentre
outros produtos agrícolas. Uma parte destes produtos era consumidas
pelos habitantes ou vendiam-se nas cidades vizinhas, convertendo-se numa
contribuição para o desenvolvimento do país. Mas em 1964
foram novamente atacados pelo Estado colombiano. O Exército Nacional,
seguindo as orientações do Departamento de Estado dos Estados
Unidos, quiseram arrasar estas regiões, temerosos de que fossem o germe
de outra revolução como a cubana.
Esta perseguição constante e sem precedentes é a
origem das FARC-EP, a guerrilha mais antiga do mundo que, obrigada por seis
décadas de violência oficial, combateram contra um Estado injusto
e violento, com o empenho de conquistar para o povo uma paz digna com
justiça social.
Durante todo este período aziago houve várias tentativas de
conseguir a paz, até que em 1984 firmaram-se os Acordos de la Uribe, uma
trégua e uma cessação bilateral de fogos que durou
até 9 de Dezembro de 1990, quando foi rompida pelo presidente da
época, César Gaviria Trujillo, que sem haver terminado a
trégua e sem riscos bombardeou Casa Verde, sede do Secretariado das
FARC, no dia em que os colombianos elegiam a Assembleia Nacional Constituinte.
Como produto dos Acordo de la Uribe nasceu a União
Patriótica, organização pluralista bem acolhida pelos
trabalhadores e pela população. Num curto tempo de campanha
eleitoral elegeu 14 congressistas, 17 deputados, 10 alcaides e 135 vereadores.
A reacção da ultra-direita não se fez esperar: dois dos
seus candidatos à presidência foram assassinados: Jaime Pardo
Leal e Bernardo Jaramillo. A maioria dos congressistas, deputados, vereadores
e alcaides foram assassinados, juntamente com mais de 4 mil dirigentes,
activistas e simpatizantes do Partido Comunista e da União
Patriótica. Foram assassinados igualmente os candidatos Carlos Pizarro
León Gómez do M19 e Luis Carlos Galán Sarmiento do Nuevo
Liberalismo. Todos estes assassinatos foram responsabilidade do Estado
colombiano, pelo que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
condenou o Estado pelo genocídio contra a União Patriótica.
Num novo passo na busca da paz, a 7 de Janeiro do ano de 1999
instalaram-se os diálogos em San Vicente del Caguán, Departamento
de Caquetá, entre o governo do Dr. Andrés Pastraña e as
FARC-EP. Mas em paralelo a este importante processo os Estados Unidos
impuseram o Plano Colômbia, plano de guerra contra a estabilidade da
região sulamericana. Três anos mais tarde, em 20 de Fevereiro de
2003, o presidente Pastraña dava por terminados os diálogos,
abruptamente, sem ter tido em conta os 28 países amigos que apoiavam
este novo esforço de paz e sem ter permitido ao enviado do
Secretário-Geral da ONU, James Lemoyne, que despenhasse o papel de
facilitar em que estava empenhado.
Durante o processo 1999-2003 avançou-se significativamente e
firmou-se, pelos representantes do governo de Pastraña e pelas FARC, a
Agenda Comum para a Troca. Os pontos a discutir já estão
identificados e rubricados com a assinatura das duas partes. Só falta a
vontade do governo actual de reiniciar um diálogo que conduza à
paz na Colômbia e à estabilidade regional.
Excelentíssimos Presidentes e delegações do
Movimento dos Países Não Alinhados. Fazemos esta pequena
síntese histórica para mostrar que a guerrilha não
é responsável pela violência, como apregoam o Governo da
Colômbia e os grandes meios de comunicação que lhe
são afectos.
Dirigimo-nos aos senhores não para lhes pedir que nos ajudem na
guerra e sim para lhes pedir que nos ajudem na solução
pacífica do conflito social e armado que padecem os colombianos desde
há seis décadas.
Ao presidente da Colômbia, Álvaro Uribe Vélez,
já reiterámos publicamente a proposta que lhe foi feita desde o
início do seu primeiro governo, de desmilitarizar dois Departamentos: o
Putumayo e o Caquetá e de retomar a Agenda Comum para a Troca para nos
sentarmos com os partidos políticos, grémios económicos, a
Igreja, o movimento sindical e de massas em geral, os militares, os estudantes,
os camponeses, os indígenas e outras minorias, para que entre todos
desenhemos a nova Colômbia, a que todos queremos, soberana, digna,
pujante, justa e em paz.
Para o Acordo Humanitário, da parte das FARC-EP, existem propostas
concretas e realizáveis à luz do Direito Internacional, cabendo
ao Governo dar os passos pertinentes para avançar no seu desenvolvimento
e concretização, o que é esperado pela
nação, pela Comunidade Internacional e pelos familiares dos
prisioneiros políticos e de guerra das duas partes.
Estamos dispostos a enviar delegações a fim de conversar
com os seus governos nos seus países acerca das nossas propostas para as
saídas políticas. Se pudermos contar com garantias, estamos
igualmente dispostos a receber os seus delegados nos nossos acampamentos a fim
de lhes dar a nossa versão do conflito interno e explicar-lhes nossos
esforços e propostas destinadas a conseguir a paz definitiva e duradoura.
Atentamente,
Raúl Reyes
Chefe da Comissão Internacional das FARC-EP.
Montanhas da Colômbia, Setembro de 2006
O original encontra-se em
http://listas.nodo50.org/cgi-bin/mailman/listinfo/diariodeurgencia
Esta carta aberta encontra-se em
http://resistir.info/
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