Se mais CO2
for mau
E daí?
No que concerne à ciência das alterações
climáticas globais, sou um agnóstico.
Vi o filme de Al Gore e li relatórios do Painel Intergovernamental sobre
Alterações Climáticas. Entrevistei alguns cientistas do
clima de topo dos EUA. Também li o que os "cépticos"
têm a dizer.
Não sei quem tem razão. Agora que Gore ganhou o Prémio
Nobel da Paz, parece que pelo menos por agora os cépticos
estão a perder a guerra das relações públicas. Seja
como for. Para mim, por muitas razões, a ciência já
não importa porque [o debate] se tornou rancoroso e demasiado
politizado. A facção pro-Gore insiste em que o debate [sobre o
efeito] antropogénico está "arrumado". Que não
é necessária qualquer discussão adicional. A
facção anti-Gore afirma que o período actual de
aquecimento poderia ser o resultado de uma variação natural
cíclica do tempo, das manchas solares ou de um certo número de
outras coisas.
Novamente, já não me preocupo muito com a ciência. Para
mim, a pergunta central e que poucos estão dispostos a discutir a fundo
é: E daí?
Isto é, se os decisores políticos concordarem com Al Gore, e com
outros que acreditam ser mau o dióxido de carbono em demasia,
então o que é que devemos fazer? Os combustíveis
fósseis satisfazem actualmente cerca de 85% das necessidades
energéticas de todo o Mundo. Ainda mais importante é este
corolário: Aumentar o consumo de energia equivale a aumentar
padrões de vida. Sempre. Por toda a parte. Perante este facto, como
é que podemos admitir que os povos de todo o Mundo todos os 6,6
mil milhões possam consumir menos energia? A resposta
sumária é: não podemos.
Sim, trata-se de uma conclusão impopular particularmente para
aqueles na esquerda liberal. Quem ousar questionar o grupo que acredita no
aquecimento global é imediatamente etiquetado como um
herético/traidor/ignorante ou ainda pior. Questionar as
conclusões do IPCC pode ser uma má decisão para a carreira
dos cientistas que estudam o clima. Os intelectuais ou os jornalistas que
questionam Gore ou o IPCC são postos no pelourinho acusados de estarem
ao serviço da Exxon Mobil ou do lobby do carvão pela
audácia de duvidar do evangelho dos apoiantes do Al [Gore].
Alguns dos mais desagradáveis emails que já recebi foram
enviados depois de ter escrito um artigo para o
Counterpunch
uns poucos meses atrás em que destacava uma das
afirmações do filme de Gore "você pode mesmo
reduzir a zero as suas emissões de carbono" como sendo um
erro de palmatória (Ver "Al Gore Wacky Facts" de
16/Outubro/2007).
Os emails desagradáveis costumavam incomodar-me. (Se não gostar
deste ensaio ou das minhas conclusões, por favor poupe-me o trabalho de
deletar os seus arrazoados). Não enviem mais. Não me importo com
a distinção entre esquerda-direita/liberal-conservador
[posições políticas nos EUA]. Estou cansado do jogo do
politicamente correcto. Quando se trata de temas de energia, sou um liberal que
se preocupa com as leis da termodinâmica. E aquelas leis conduzem-me
à realidade dos fenómenos da energia. Durante anos, ignorei as
leis imutáveis da termodinâmica. Mas no decurso da escrita do meu
livro atrás referido,
"Gush of Lies: The Dangerous Delusions of
"Energy Independence" [Efusão de mentiras: A perigosa
ilusão da "independência energética"]
tive de
prestar-lhes atenção [a essas leis]. E, ao fazê-lo, fui
forçado a aceitar o facto de que não existe nenhuma
solução miraculosa, nem respostas fáceis, quando se trata
de energia.
TECNOLOGIA, MORALIDADE E ESCALA
Assim, quando se trata do aquecimento global e do consumo de energia, existem
três temas fundamentais a considerar: tecnologia, moralidade [valores
morais] e a escala do uso global da energia. Primeiramente, a tecnologia:
Quando pergunto o que é necessário fazer para diminuir as
emissões de dióxido de carbono uma das primeiras respostas
é "Deveremos usar a energia mais eficientemente". Esta
é a fórmula mágica do guru dos verdes Amory Lovis que,
durante décadas, foi o bem-amado da Esquerda/Verde. Para Lovis e os seus
apóstolos a salvação da civilização jaz na
eficiência energética.
Não há nenhuma dúvida que aumentar a eficiência
energética é uma coisa boa. Mas não resultará
necessariamente num consumo de energia mais baixo. Este facto foi provado
repetidamente desde 1865 quando William Stanley Jevons, um economista
britânico, publicou o seu livro mais famoso
"The Coal Question" [O problema do carvão]
que analisou tendências do consumo de energia na Grã-Bretanha. Ao
descrever o que é conhecido por
Paradoxo de Jevons
, disse:
"É uma completa confusão de ideias supor que o uso
económico [eficiente] de combustíveis é equivalente a uma
diminuição do consumo. A verdade é precisamente ao
contrário". O paradoxo é ilustrado por tendências
recentes de consumo de energia nos Estados Unidos. Desde 1950, a quantia do
produto interno bruto produzido por unidade de energia consumida duplicou
e, no entanto, durante o mesmo período de tempo o consumo de
energia nos Estados Unidos triplicou. Encontram-se facilmente outros exemplos
do paradoxo de Jevons.
Outra resposta irreflectida dos verdes para [lutar contra] o aquecimento global
é: "Utilize mais eólicas, energia solar e
biocombustíveis". O vento e o solar são bons. (tenho 3200
watts de painéis fotovoltáicos no telhado da minha casa.) Mas
são [energias] inexoravelmente intermitentes. Até que
apareça uma descoberta tecnológica revolucionária que
permita armazenar grandes quantidades de electricidade, essa
intermitência restringirá severamente a aptidão
eólica e solar para fornecer muito mais do que uma percentagem de um
simples dígito relativamente às necessidades de electricidade a
nível mundial. Usamos combustíveis fósseis precisamente
porque têm uma muito elevada densidade energética [e facilidade de
armazenamento] isto é, contêm poder calorífico
elevado e concentrado; a eólica e o solar não. E, mesmo que haja
uma descoberta sensacional para a eólica e o solar, Vaclav Smil, um
distinto professor de geografia da Universidade de Manitoba, que ocupou a maior
parte da sua carreira a escrever sobre energia, preveniu: "As
transições energéticas duram gerações e
não anos ou meses e não, como no caso do microprocessador, existe
nenhuma lei de Moore para os sistemas energéticos". (A lei de
Moore, segundo o co-fundador da Intel, Gordon E. Moore, refere-se à
tendência histórica dos componentes informáticos para
duplicarem de capacidade a cada dois anos.)
Quanto à promessa dos biocombustíveis: esqueça-a. O
ultraje da fraude do milho-etanol e os efeitos deletérios da
produção de biodiesel estão bem documentados. Mesmo que os
Estados Unidos transformassem todo o seu milho (foram produzidos 10,5 mil
milhões de bushels [370 mil milhões de litros] em 2006) em
etanol, tal processo atenderia apenas 6% das necessidades de
combustíveis líquidos dos EUA. Se os Estados Unidos
transformassem toda a sua soja em biodiesel seriam capazes de fornecer apenas
1,5% das suas necessidades de gasóleo. Quanto ao incrível exagero
sobre o etanol de celulose, sejamos realistas. A viabilidade comercial de
etanol celulósico é o equivalente, no mundo da energia, ao Coelho
da Páscoa ou a um Conto de Fadas muitas pessoas acreditam neles,
mas ninguém alguma vez os viu. E até mesmo que aconteça
uma descoberta sensacional na produção de etanol
celulósico nos próximos anos, demorará décadas
até que o processo amadureça o suficiente para fornecer
quantidades significativas de combustível ao mercado interno [dos EUA].
O segundo aspecto chave do tema do aquecimento global é a questão
moral. Hoje, 1,6 mil milhões de pessoas não têm acesso
à electricidade nas suas casas. Quase 2,5 mil milhões de pessoas
utilizam madeira, estrume ou outro tipo de biomassa como energia para
confeccionar alimentos. De acordo com a Organização Mundial da
Saúde, aproximadamente 1,3 milhão de pessoas, a maioria
crianças e mulheres, morrem devido à poluição
causada pelos fogões a biomassa dentro de casa. A SIDA, a
desnutrição e as faltas de água potável e
sanitária são ameaças maiores para a saúde do que a
poluição do ar no interior das casas.
Fatih Birol, economista chefe da Agência Internacional de Energia,
afirmou: "É necessária uma acção
política decisiva para acelerar o desenvolvimento energético nos
países pobres como parte do processo alargado de desenvolvimento humano.
Não podemos simplesmente sentarmo-nos à espera que as
regiões mais pobres do Mundo se desenvolvam para se tornarem
suficientemente ricas de modo a terem recursos para acederem a sistemas
modernos de energia
O acesso à energia é um
pré-requisito para o desenvolvimento humano".
Os países desenvolvidos do Mundo podem sempre falar nas virtudes dos
painéis solares e dos aerogeradores, mas o que os países pobres
em energia necessitam é de combustíveis comuns como o querosene,
o propano e a gasolina. E, precisamente como nós, desejam [ter]
electricidade confiável. As pessoas nos países industrializados
têm uma obrigação moral de ajudar os países pobres
em energia a obterem energia barata e de qualidade. É inegável
que a energia mais barata e de qualidade, por agora e no futuro
previsível, é a proveniente dos combustíveis
fósseis.
A questão final é a da enorme quantidade de energia envolvida.
Considere-se os seis países mais populosos do Mundo: China,
Índia, EUA, Indonésia, Brasil e Paquistão. Os 300
milhões de residentes nos EUA consomem aproximadamente quase tanta
energia quanto os outros cinco (os Cinco Grandes) juntos. De acordo com a
"British Petroleum's 2007 Statistical Review" [Estatísticas
anuais da BP], entre 2000 e 2006 o consumo dos EUA foi essencialmente
constante, cerca de 17 mil milhões de barris equivalentes de
petróleo por ano.
Entretanto, o consumo de energia dos Cinco Grandes foi sempre crescente. Entre
2000 e 2006 o uso da energia dos Cinco Grandes que têm uma
população total de cerca de 3 mil milhões de pessoas
cresceu à taxa anual de aproximadamente 5% ao ano. Assim,
enquanto nos EUA o consumo de energia pode estabilizar ou subir ligeiramente na
próxima década ou nas duas seguintes, o consumo energético
(que será em grande maioria de combustíveis fósseis) dos
Cinco Grandes duplicará, ou mais do que isso, nos próximos 14
anos.
A crença de que o Mundo pode cortar as emissões de dióxido
de carbono drasticamente num lapso de tempo, enquanto metade dos povos do
planeta estiverem vivendo à beira da miséria energética,
é uma fantasia. Além disso, os países industrializados em
geral, e os EUA em particular, não têm nenhuma autoridade moral
para dizer aos países em desenvolvimento que afrouxem o crescimento do
seu consumo de energia.
Trazer centenas de milhões de pessoas para fora da pobreza
energética e, assim, para padrões mais elevados de vida
significa provê-las do acesso a formas de energia barata e
abundante. Goste-se ou não, isso significará uma parte
substancial de consumo de combustíveis fósseis. E o uso acrescido
de combustíveis fósseis significará mais aumentos de
emissões de dióxido de carbono. E a verdade dura é que os
povos do Mundo vão ter de se adaptar ao que acontecer de seguida no que
diz respeito ao clima a nível mundial sem importar as causas das
suas alterações.
[*]
Autor de
Cronies: Oil, the Bushes, and the Rise of Texas, America's Superstate
. O seu novo livro
Gusher of Lies: The Dangerous Delusions of "Energy Independence
será lançado a 10 de Março. Contacto:
Robert@robertbryce.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/bryce02082008.html
. Tradução de JAG.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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