O colapso fiscal dos EUA
por Michel Chossudovsky
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"Reconstruiremos, recuperaremos e os Estados Unidos da América
emergirão mais fortes"
(Presidente Barack Obama, Discurso do Estado da União, 24 Fev 2009)
"Aqueles de nós que gerem os dólares do público
serão responsabilizados gastar sabiamente, reformar maus
hábitos e fazer a nossa tarefa à luz do dia porque
só então poderemos restaurar a confiança vital entre o
povo e o seu governo".
Presidente Barack Obama, Uma nova era de responsabilidade, o Orçamento
de 2010)
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"REMÉDIO ECONÓMICO FORTE" COM UM "ROSTO
HUMANO"
"Esperança em meio ao perigo". As prioridades declaradas do
pacote económico de Obama são saúde,
educação, energia renovável, investimento em
infraestrutura e transportes. A "qualidade da educação"
está no topo. Obama também prometeu "tornar os cuidados de
saúde mais baratos e acessíveis" para todo o americano.
À primeira vista, a proposta de orçamento tem todas as
aparências de um programa expansionista, uma procura orientada para um
"Segundo New Deal" destinada a criar emprego, reconstruir
estilhaçados programas sociais e reviver a economia real.
As realidades são diferentes.
A promessa de Obama baseia-se num programa de austeridade gigantesco
Toda a estrutura fiscal é estilhaçada, virada de pernas para o
ar.
Para alcançar estes objectivos declarados seria necessário uma
alta significativa nos programas sociais (saúde, educação,
habitação, segurança social) bem como a
implementação de um programa de investimentos públicos em
grande escala. Também seriam necessárias grandes
mutações na composição das despesas públicas:
isto é, sair de uma economia de guerra, exigindo um movimento de
afastamento dos gastos militares em favor de programas civis.
Na realidade, o que estamos a tratar é da
maior redução drástica de gastos públicos da
história americana,
conduzindo ao caos social e ao empobrecimento potencial de milhões de
pessoas.
A promessa de Obama serve amplamente os interesses da Wall Street, dos
empreiteiros da defesa e dos conglomerados do petróleo. Por sua vez, os
"salvamentos" bancários Bush-Obama estão a levar os EUA
a uma crise da dívida pública vertiginosa. As
desarticulações económicas e sociais são
potencialmente devastadoras.
O orçamento de Obama submetido ao Congresso em 26 de Fevereiro de 2009
prevê despesas para o ano fiscal de 2010 (a começar a 1º de
Outubro de 2009) de US3,94 milhões de milhões
(trillion),
um aumento de 32 por cento. As receitas totais do governo para o ano fiscal
de 2010, segundo estimativas preliminares do Gabinete do Orçamento,
são da ordem dos US$2,38 milhões de milhões.
O défice orçamental previsto (segundo o discurso do presidente)
é da ordem dos US$1,75 milhão de milhões, quase 12 por
cento do Produto Interno Bruto dos EUA.
A GUERRA E A WALL STREET
Isto é um "Orçamento de guerra".
As medidas de austeridades atingem todos os principais programas federais de
despesas com a excepção de: 1) a Defesa e a Guerra no
Médio Oriente; 2) o salvamento da Wall Street; 3) os pagamentos de juros
sobre uma dívida pública estarrecedora.
O orçamento desvia receitas fiscais para financiar a guerra. Legitima as
transferências fraudulentas de impostos para as elites financeiras
através do "salvamento bancário".
O padrão dos gastos deficitários não é
expansionista. Não estamos a tratar de um défice estilo
keynesiano, o qual estimula o investimento e a procura do consumidor, levando a
uma expansão da produção e ao emprego.
Os "salvamentos bancários" (envolvendo várias
iniciativas financiadas pelos dólares fiscais) constituem um componente
das despesas governamental. Tanto os salvamentos bancários de Bush como
os de Obama são dádivas às principais
instituições financeiras. Eles não constituem uma
injecção positiva de gastos na economia real. Exactamente o
oposto. Os salvamentos contribuem para financiar a reestruturação
do sistema bancário levando à concentração
maciça de riqueza e à centralização do poder
bancário.
Uma grande parte do dinheiro do salvamento concedido pelo governo dos EUA
será transferido electronicamente para várias contas de
associados, incluindo os hedge funds. Os bancos principais dos EUA
usarão também este dinheiro inesperado para comprar os seus
competidores mais fracos, consolidando dessa forma a sua posição.
A tendência, portanto, é rumo a uma nova onda de
aquisições corporativas
(corporate buyouts),
fusões e aquisições na indústria de
serviços financeiros.
Por sua vez, as elites financeiras utilizarão estes grandes montantes de
activos líquidos (papeis de riqueza), juntamente com as centenas de
milhares de milhões adquiridos através do comércio
especulativo, para comprar corporações na economia real (linhas
aéreas, indústrias automóvel, Telecoms, media, etc), cujo
valor cotado nos mercados de acções tem caído.
Em suma, é necessário um défice orçamental
(combinado com cortes maciços em programas sociais) para financiar as
dádivas aos bancos bem como para financiar gastos de defesa e o
incremento militar na guerra do Médio Oriente. O orçamento de
Obama prevê:
1)
gastos de defesa de US$534 mil milhões para 2010, uma
apropriação suplementar de 130 mil milhões no ano fiscal
de 2010 para as guerras no Afeganistão e no Iraque, e um suplemento de
emergência de guerra de US$75,5 mil para financiar o resto do ano fiscal
de 2009.
Os gastos de defesa e a guerra no Médio Oriente, com vários
orçamentos suplementares, são (oficialmente) da ordem dos 739,5
mil
milhões. Algumas estimativas colocam os gastos agregados de defesa e
relacionados com os militares em US$1 milhão de milhões.
2) O salvamento bancário da ordem dos US$750 mil milhões
anunciado por Bush, o qual é somado aos US$700 mil milhões do
salvamento já determinado pela administração cessante de
Bush sob o Troubled Assets Relief Program (TARP). O total de ambos os
programas é a quantia estarrecedora de 1,45 milhão de
milhões, a ser financiada pelo Tesouro. Deve ser entendido que a
quantia real de "ajuda" financeira em dinheiro aos bancos é
significativamente maior do que os US$1,45 milhão de milhões.
(Ver Tabela 2 abaixo)
3) Os juros líquidos sobre a dívida pública pendente
são estimados pelo Gabinete do Orçamento em US$164 mil
milhões em 2010.
A ordem de grandeza destas destinações de verbas é
estarrecedora.
Sob o critério de "orçamento equilibrado" o qual
tem sido uma prioridade da política económica do governo desde a
era Reagan , quase todas as receitas do governo federal, que montam a
US$2,38 milhões de milhões, seriam utilizadas para financiar o
salvamento bancário (1,45 milhão de milhões), a guerra
(739 mil milhões) e pagamentos de juros sobre a dívida
pública (164 mil milhões). Por outras palavras, não
restaria qualquer dinheiro para outras categorias de despesas públicas.
Tabela 1. Verbas orçamentais para Defesa (anos fiscais 2009 e 2010),
salvamento bancário e juros líquidos sobre a dívida
pública (ano fiscal 2010).
US$ mil milhões
Defesa,
incluindo verbas suplementares; US$534 mil milhões (FY 2010),
US$130 mil milhões suplementares (FY 2010), US$75,5 mil milhões
de financiamento de emergência (FY2009)
|
739.5
|
[*] Salvamento bancário
(TARP mais Obama)
|
1 450.0
|
Juros líquidos
|
164.0
|
TOTAL
|
2 353.5
|
Total das receitas fiscais sobre o rendimento individual (FY 2010)
|
1 061.0
|
Total das receitas do Governo Federal (FY 2010)
|
2 381.0
|
Fonte: Bureau of the Budget and official statements. Ver
A New Era of Responsibility: The 2010 Budget
Ver também
Office of Management and Budget
[*] Os salvamentos bancários oficialmente anunciados serão
financiados com Fundos do Tesouro. O período dos desembolsos poderia ter
lugar ao longo de mais de um ano fiscal. O valor real das
injecções de cash do salvamento bancário é
substancialmente mais alto.
O DÉFICE ORÇAMENTAL
Estas três categorias de despesas (Defesa, Salvamento bancário e
Juros sobre a Dívida Publica) engoliriam virtualmente toda a receita de
2010 do governo federal de 2381 mil milhões de dólares.
Além disso,
como base de comparação, toda a receita federal proveniente do
imposto sobre o rendimento individual (US$1,06 milhões de milhões
no orçamento de 2010), nomeadamente todo o dinheiro que as
famílias dos EUA pagam anualmente sob a forma de impostos federais,
não será suficiente para financiar as dádivas aos bancos,
as quais oficialmente são da ordem dos 1,45 milhão de
milhões.
Esta quantia inclui os US$700 mil milhões (concedidos no
orçamento de 2009) sob o programa TARP mais os propostos US$750 mil
milhões concedidos pela administração Obama.
Se bem que o TARP e o salvamento proposto por Obama devam ser desembolsados ao
longo do ano fiscal de 2009 e 2010, eles no entanto representam quase a metade
do total da despesa do governo (metade dos US$3,94 milhões de
milhões para o ano fiscal de 2010 orçamentados por Obama). Esta
é financiada por fontes regulares de receitas (US2381 mil
milhões) mais um estarrecedor défice orçamental de US$1,75
milhão de milhões, os quais em última análise
exigem a emissão de Títulos do Tesouro e títulos do
governo.
A factibilidade de uma grande expansão a curto prazo da dívida
pública num tempo de crise é uma outra questão,
particularmente com taxas de juros a níveis abissalmente baixos.
O défice do orçamento é da ordem dos US$1,75 milhão
de milhões. Obama reconhece um défice orçamental de US$1,3
milhão de milhões, herdado da administração Bush.
Na realidade, o défice orçamental é muito maior.
Os números oficiais tendem a subestimar a seriedade da
situação orçamental. O montante de US$1,75 milhão
de milhões do défice orçamental é
questionável porque as várias quantias desembolsadas sob o TARP e
outros salvamentos relacionados com a banca, incluindo os anunciados US$750 mil
milhões do programa de ajuda de Obama a instituições
financeiras, não são reconhecidos nas contas de despesas do
governo.
"A ajuda não foi solicitada formalmente, mas aparece numa linha sob
a rubrica "para potenciais esforços adicionais de
estabilização financeira", de acordo com a síntese do
orçamento. O gabinete do orçamento calculou um custo
líquido de US$250 mil milhões para os contribuintes neste ano,
porque prevê eventualmente recuperar algo, embora não todo, do
dinheiro gasto para ajudar companhias financeiras.
Os fundos viriam no topo do pacote de resgate de US$700 mil milhões
aprovado em Outubro último pelo Congresso. A Casa Branca não
orçamenta qualquer dinheiro para o ano fiscal de 2010 e além para
tal ajuda". (Bloomberg, 27/Fevereiro/2009)
COLAPSO FISCAL
Está a verificar-se uma grande crise da estrutura fiscal federal. As
verbas multibilionárias para o Orçamento de Guerra e para o
programa de Salvamento Bancário da Wall Street repercutem-se sobre todas
as outras categorias de despesa.
O salvamento de US$700 mil milhões da administração Bush
sob o Troubled Asset Relief Program (TARP) foi aprovado pelo Congresso em
Outubro último. O TARP é apenas a ponta do iceberg. Uma
panóplia de verbas de salvamento adicionais aos US$700 mil
milhões foram decididas antes de Obama tomar posse. Em Novembro, o
programa de resgate do governo federal fora estimado nuns estarrecedores 8,5
milhões de milhões de dólares, uma quantia equivalente a
mais de 60% da dívida pública dos EUA, estimada em US$14
milhões de milhões (2007). (Ver tabela 2 abaixo)
Enquanto isso, sob a proposta de orçamento de Obama, são
atribuídos US$634 mil milhões a um fundo de reserva para
financiar cuidados universais de saúde. À primeira vista, parece
ser uma grande quantia. Mas é para ser gasta ao longo de um
período de dez anos isto é, um modesto compromisso anual
de US$63,4 mil milhões.
Os gastos públicos serão cortados tendo em vista reduzir um
défice orçamental vertiginoso. Os programas de saúde e
educação não só permanecerão fortemente
subfinanciados como serão cortados, relançados e privatizados.
O resultado provável é a privatização total dos
serviços públicos e a venda de activos do Estado incluindo
infraestruturas públicas, serviços urbanos, rodovias, parques
nacionais, etc. O colapso fiscal conduz à privatização do
Estado.
A crise fiscal é mais uma vez exacerbada pela compressão de
receitas fiscais resultantes do declínio da economia real. Trabalhadores
desempregados não pagam impostos, nem firmas em bancarrota. O processo
é cumulativo. A solução para a crise fiscal torna-se a
causa de um novo colapso.
ESTRUTURA DA DÍVIDA PÚBLICA
Esta apropriação em larga escala dos activos em dinheiro
líquido dos salvamentos bancários por um punhado de
instituições financeiras aumenta a dívida
pública da noite para o dia.
Quando o Tesouro dos EUA reserva 700 mil milhões de dólares para
o Programa de Alívio de Dívidas Perturbadas (TARP), esta quantia
constitui uma despesa orçamental que inevitavelmente tem de ser
financiada
com a estrutura de receitas e despesas do governo.
A menos que sejam cortadas todas as outras categorias de despesas
públicas, incluindo saúde, educação e
serviços sociais, as várias despesas do salvamento
bancário obrigarão a incidir num défice orçamental
maciço o qual por sua vez aumentará a dívida
pública dos EUA.
Os Estados Unidos são o país mais endividado na face da terra. A
dívida pública estado-unidense (governo federal) actualmente
é da ordem dos US$14 milhões de milhões.
Isto não inclui as crescentes dívidas públicas ao
nível dos estados e dos municípios.
Esta dívida (federal) denominada em US dólar é composta de
despesas pendentes de tesouraria e títulos do governo. A dívida
pública, também chamada "a dívida nacional",
é o montante de dinheiro devido pelo governo federal aos possuidores de
instrumentos de dívida dos EUA.
Os instrumentos de dívida dos EUA são detidos por residentes
americanos como parte da sua carteira de poupanças, companhias e
instituições financeiras, agências do governo
estado-unidense, governos estrangeiros, individuais em países
estrangeiros, mas não incluem obrigações de dívida
intergovernamentais ou dívida existente no Social Security Trust Fund.
Tipos de títulos detidos pelo público incluem, mas não se
limitam, Treasury Bills, Notas, Títulos, TIPS, United States Saving
Bonds e séries de títulos de governos estaduais e locais.
A solução proposta torna-se a causa da crise. O salvamento de
US$700 mil milhões sob o Troubled Asset Relief Program (TARP) combinado
com a ajuda de US$750 mil milhões à indústria de
serviços financeiros proposta por Obama é apenas a ponta do
iceberg. Foi decidida uma panóplia de verbas de salvamento adicionais
para além dos US$700 mil milhões.
O "SALVAMENTO BANCÁRIO" DA ADMINISTRAÇÃO BUSH
O programa de resgate bancário do governo sob a
administração Bush foi estimado nuns estarrecedores 8,5
milhões de milhões de dólares, um montante equivalente a
60% do Total da Dívida Federal Bruta de 14,078 milhões de
milhões (2010) (Ver Tabela 2 acima). Este montante não inclui a
"ajuda" a instituições financeiras proposta pela
administração Obama, incluindo 750 mil milhões de
dólares adicionais da proposta de orçamento de Obama de Fevereiro
de 2009. A dimensão destas verbas de activos líquidos põe
em perigo as próprias estruturas do sistema fiscal e monetário.
O total dos salvamentos bancários de Bush (8,5 milhões de
milhões) pode ser decomposto em fundos garantidos pela Reserva Federal,
os do Tesouro, da Federal Deposit Insurance Corporation e da Federal Housing
Authority.
As dádivas às instituições financeiras financiadas
pelo Tesouro são despesas governamentais, a serem cobertas
através de receitas fiscais ou através da emissão de
instrumentos da dívida pública.
Os desembolsos do TARP são classificados pelo Gabinete do
Orçamento como parte de "um programa obrigatório" sob
uma Lei do Congresso dos EUA. O passivo do Tesouro, o qual inclui o controverso
Troubled Asset Relief Program, em Novembro de 2008 foi estimado em 1,1
milhão de milhões de dólares. (Ver Tabela 2) Novas verbas
do Tesouro, que servem para elevar o fardo da dívida pública,
foram consideradas pela administração Obama.
CRISE VERTIGINOSA DA DÍVIDA PÚBLICA
Estará o Tesouro em posição de financiar este
défice crescente do orçamento, oficialmente considerado como de
US$1,75 mil milhões, através da emissão de títulos
do Tesouro e do governo?
O maior défice orçamental da história dos EUA junto com as
mais baixas taxas de juro da história dos EUA: Com a percentagem da
taxa de desconto do Fed "próxima de zero", os mercados para os
títulos do governo e do Tesouro denominados em US dólar
estão numa camisa de força.
Além disso, as funções essenciais das poupanças (as
quais são centrais para o funcionamento de uma economia nacional)
estão em crise:
Quem quer investir na dívida do governo dos EUA? Qual é a procura
por títulos do Tesouro a taxas de juros extremamente baixas?
Tabela 3. Taxas de juros em percentagem dos títulos do Tesouro
Actualizado em 25/Fevereiro/2009
|
Esta semana
|
Mês anterior
|
Ano anterior
|
One-Year Treasury Constant Maturity
|
0.64
|
0.43
|
2.10
|
91-day T-bill auction avg disc rate
|
0.300
|
0.150
|
2.160
|
182-day T-bill auction avg disc rate
|
0.495
|
0.350
|
2.070
|
Two-Year Treasury Constant Maturity
|
0.95
|
0.77
|
2.04
|
Five-Year Treasury Constant Maturity
|
1.79
|
1.58
|
2.89
|
Ten-Year Treasury Constant Maturity
|
2.75
|
2.56
|
3.85
|
One-Year MTA
|
1.633
|
1.823
|
4.326
|
One-Year CMT (Monthly)
|
0.44
|
0.49
|
2.71
|
Fonte: Bankrate.com
O mercado para instrumentos de dívida denominados em US dólar
está potencialmente paralisado, o que significa que
ao Tesouro falta a capacidade para financiar o seu défice gigantesco
através de operações da dívida pública, o
que leva todo o processo orçamental a um dilema.
A questão é se a China e o Japão continuarão a
comprar instrumentos da dívida denominados em US dólar.
Washington está a promover uma campanha de relações
públicas para atrair investidores asiáticos a fim de que comprem
T-bills e títulos do governo dos EUA.
Com os mercados para a dívida denominada em US dólar em crise
(tanto internamente como internacionalmente), novas pressões
serão exercidas sobre o Tesouro para cortar as despesas públicas
(civis) até o osso, exigir cobranças aos utilizadores de
serviços públicos e liquidar activos públicos, incluindo
infraestruturas do Estado e de instituições. Com toda a
probabilidade, esta crise está a conduzir-nos à
privatização do Estado, onde actividades até agora sob a
jurisdição do governo serão transferidas para mãos
privadas.
Quem irá comprar activos do Estado a preços de
liquidação? As elites financeiras, as quais são
também as receptoras do salvamento bancário.
CONSOLIDAÇÃO DOS BANCOS
Um montante maciço de liquidez foi injectado no sistema financeiro, a
partir dos salvamentos mas também de fundos de pensão,
poupanças individuais, etc.
O objectivo declarado dos programas de salvamento bancário é
aliviar o fardo de dívidas podres e de empréstimos em
incumprimento dos bancos. Na realidade, o que está a acontecer é
que estes montantes maciços de dinheiro estão a ser utilizados
por um punhado de instituições para consolidar a sua
posição na banca global.
A exposição dos bancos ao risco, resultado em grande parte do
comércio de derivativos, é estimada em dezenas de milhões
de milhões de dólares, em tal proporção que os
montantes e garantias concedidos pelo Tesouro e pelo Fed não
revolverão a crise. Nem estavam eles destinados a resolver a crise.
Os media "de referência" sugerem que os bancos estão a
ser nacionalizados devido ao TARP. De facto, trata-se exactamente do oposto:
o Estado está a ser tomado pelos bancos, o Estado está a ser
privatizado.
O estabelecimento de um sistema financeiro unipolar à escala mundial
faz parte do projecto mais vasto das elites financeiras da Wall Street para o
estabelecimento dos contornos de um governo mundial.
Numa ironia amarga, os receptores do salvamento sob o TARP e a proposta de
Obama de ajuda de US$750 mil milhões a instituições
financeiras são os credores do governo federal. Os bancos da Wall Street
são os correctores e subscritores da dívida pública dos
EUA. Embora possuam apenas uma parte da dívida, transaccionam e
comerciam instrumentos da dívida pública denominados em US
dólar à escala mundial.
Eles actuam como credores do Estado estado-unidense. Eles avaliam a
credibilidade do governo dos EUA, eles classificam a dívida
pública através do Moody's e do Standard and Poor. Eles controlam
o Tesouro dos EUA, o Federal Reserve Board e o Congresso dos EUA. Eles
supervisionam e ditam a política fiscal e monetária, assegurando
que os Estado actua no seu interesse.
A Wall Street domina, desde a era Reagan, a maior parte das áreas de
política económica e social. Ela estabelece a agenda
orçamental, assegurando a redução das despesas sociais. A
Wall Street prega orçamentos equilibrados mas a prática tem sido
de fazer lobby pela eliminação de impostos corporativos, a
concessão de dádivas às corporações, o
cancelamento de impostos nas fusões e aquisições, etc,
levando tudo isso a uma subida vertiginosa da dívida pública.
RELACIONAMENTO CIRCULAR E CONTRADITÓRIO
O sistema da Reserva Federal é um banco central de propriedade privada.
Enquanto o Federal Reserve Bord é um corpo governamental, o processo de
criação de dinheiro é controlado pelos 12 Bancos da
Reserva Federal, os quais são de propriedade privada.
Os accionistas dos bancos da Reserva Federal (com o New York Federal Reserve
Bank a desempenhar o papel dominante) estão entre as mais poderosas
instituições financeiras dos EUA.
Se bem que o Federal Reserve possa criar dinheiro "a partir do ar",
as despesas multibilionárias do Tesouro (incluindo o programa TARP)
exigirão a emissão de dívida pública na forma de
Títulos do Tesouro e do governo.
As instituições financeiras dos EUA supervisionam a dívida
pública dos EUA. Elas estão envolvidas na venda de títulos
do tesouro e do governo nos mercados financeiros nos EUA e por todo o mundo.
Mas elas também possuem uma parte da dívida pública. Nesse
aspecto, elas são credoras do governo dos EUA. Parte desta dívida
pública acrescida exigiu que o resgate dos bancos seja financiado ou
intermediado pelas mesmas instituições financeiras que são
o objecto do plano de resgate bancário.
Estamos a tratar de um relacionamento circular funesto. Quando os bancos
pressionaram o Tesouro a ajudá-los na forma de uma grande
operação de resgate bancário, era entendido desde o
principio que os bancos por sua vez ajudariam o Tesouro a financiar as
dádivas das quais eles são os receptores.
Para financiar o salvamento bancário, o Tesouro precisava de incidir num
défice orçamental maciço, o qual por sua vez exigia um
estarrecedor aumento da dívida pública dos EUA.
A opinião pública foi enganada. O governo dos EUA está num
certo sentido a financiar o seu próprio endividamento: o dinheiro
concedido aos bancos é em parte financiado pela contracção
de empréstimos junto a esses bancos.
Os bancos emprestam dinheiro ao governo e com o dinheiro que eles emprestam o
governo, o Tesouro financia o salvamento. Por sua vez, os bancos impõem
condicionalidades à administração da dívida publica
dos EUA. Eles ditam como o dinheiro deveria ser gasto. Eles impõem
responsabilidade fiscal, ditam cortes maciços nos gastos sociais os
quais resultam no colapso e/ou privatização de serviços
públicos. Eles impõem a privatização de
infraestruturas urbanas, estradas, sistemas de água e de saneamento
básico, áreas recreativas públicas, tudo.
Os bancos receptores são tanto beneficiários como credores. Como
credores, eles obrigarão o governo a) a cortar despesas b) a aumentar a
dívida pública através da emissão de títulos
do tesouro e do governo.
Esta crise da dívida pública é ainda mais séria
porque o governo federal dos EUA não controla a política
monetária. Todas as operações da dívida
pública são através do Federal Reserve, o qual está
a cargo da política monetária, a actuar a favor de interesses
financeiros privados. O governo como tal não tem autoridade sobre a
criação de moeda. Isto significa que as operações
da dívida pública servem no essencial os interesses dos bancos.
CONTINUIDADE DESDE BUSH ATÉ OBAMA
O programa de estímulo de Obama constitui uma continuação
dos pacotes de salvamento bancário da administração Bush.
A proposta solução política para a crise torna-se a causa,
resultando finalmente em novas bancarrotas na economia real e um colapso
correspondente do padrão de vida dos americanos.
Tanto os salvamentos bancários de Bush como os de Obama estão
destinados a vir em socorro de instituições financeiras
perturbadas, para assegurar o pagamento de operações de
dívida "inter-bancária". Na prática, grandes
quantias de dinheiro transitam através do sistema bancário, dos
bancos para os hedge funds, para paraísos bancários offshore e de
volta aos bancos.
O governo e os media tendem a focar a noção ambígua de
"dívidas inter-bancárias". A identidade dos credores
raramente é mencionada.
Transferências de muitos milhares de milhões de dólares
são efectuadas electronicamente de uma entidade financeira para outra.
Para onde é que o dinheiro está a ir? Quem está a
arrecadar estas dívidas multibilionárias, as quais em grande
parte são a consequência da manipulação financeira e
do
comércio de derivativos?
Há indicações de que as instituições
financeiras estão a transferir milhares de milhões de
dólares para os seus hedge funds filiados. A partir destes hedge funds
elas podem então canalizar capital em dinheiro para a
aquisição de activos reais.
Através de que tortuosos mecanismos financeiros foram criadas estas
dívidas? Para onde é que o dinheiro do salvamento está a
ir? Quem está a aproveitar-se do dinheiro do salvamento governamental
multibilionário? Este processo está a contribuir para uma
concentração de riqueza privada sem precedentes.
OBSERVAÇÕES CONCLUSIVAS
A manipulação financeira é parte integral da Nova Ordem
Mundial. Ela constitui um meio poderoso para acumular riqueza.
Sob o actual arranjo político, estes responsáveis pela
política monetária estão muito deliberadamente a servir os
interesses dos financeiros, em detrimento do povo trabalhador, levando à
desarticulação económica, ao desemprego e à pobreza
em massa.
Este artigo concentrou-se no modo como a manipulação financeira
serviu para estilhaçar a estrutura da despesa pública
estado-unidense.
Mais geralmente, esta reestruturação dos mercados e
instituições financeiras globais (juntamente com a pilhagem de
economias nacionais) permitiu a acumulação de vastos montantes de
riqueza privada uma grande parte da qual foi acumulada em resultado de
transacções estritamente especulativas.
Esta drenagem crítica de milhares de milhões de dólares de
poupanças familiares e receitas fiscais do Estado paralisa as
funções dos gastos governamentais e estimula a
acumulação de uma dívida pública, a qual já
não pode mais ser financiada através de emissão de
dívida denominada em US dólar.
Do que estamos a tratar é da transferência e confisco fraudulentos
de poupanças de vidas inteiras e de fundos de pensão, da
apropriação fraudulenta de receitas fiscais para financiar os
salvamentos bancários, etc. Para entender o que tem acontecido: siga o
rasto das transferências electrónicas de dinheiro tendo em vista
estabelecer para onde foi o dinheiro.
O sistema monetário, o qual está integrado no processo
orçamental do Estado, foi desestabilizado. O relacionamento fundamental
entre o sistema monetário e a economia real está em crise.
A criação de dinheiro "a partir do ar" ameaça o
valor do US dólar como divisa internacional. Analogamente, o
financiamento do défice orçamental gigantesco dos EUA
através de instrumentos de dívida denominados em dólares
está comprometido devido a taxas de juro excessivamente baixas.
Além disso, o processo das poupanças familiares é minado
com taxas de juros próximas do zero.
O que estamos a tratar neste artigo é de um aspecto central de um
processo, em evolução, do colapso das finanças globais.
O sistema de pagamentos internacional está em crise. As perspectivas
económicas são terríficas. Bancarrotas nos EUA,
Canadá, União Europeia estão a verificar-se a uma taxa
alarmante. O nível das exportações do país entrou
em colapso, levando a uma contracção do comércio
internacional. Relatórios de economias asiáticas indicam um
aumento maciço do desemprego. Na bacia do Rio das Pérolas na
província sulista de Guangdong, na China, uma economia de processamento
industrial de exportações, cerca de 700 mil trabalhadores foram
despedidos em Janeiro. (
China Morning Post,
06/Fevereiro/2009). No Japão, a produção industrial caiu
mais de 20 por cento desde Dezembro. Nas Filipinas, um país de 90
milhões de pessoas, as exportações caíram mais de
40 por cento em Dezembro.
DESARMAMENTO FINANCEIRO
Não existe solução sob a arquitectura financeira global em
vigor. Políticas significativas não podem ser alcançadas
sem reformar radicalmente a actuação do sistema bancário
internacional.
O que é necessário é uma reformulação do
sistema monetário incluindo as funções e a propriedade do
banco central, a prisão e o processamento daqueles envolvidos em fraude
financeira tanto no sistema financeiro como em agências governamentais, o
congelamento de todas as contas em que houve transferências fraudulentas
depósitos, o cancelamento de dívidas devidas ao comércio
fraudulento e/ou manipulação do mercado.
Os povos de toda terra, nacionalmente e internacionalmente, devem mobilizar-se.
Esta luta para democratizar o aparelho financeiro e fiscal deve ter uma base
ampla e abrangência democrática com todos os sectores da sociedade
a todos os níveis, em todos os países. O que em última
análise é exigido é o desarmamento do establishment
financeiro.
-
confiscar os activos que foram obtidos através da fraude e da
manipulação financeira.
-
restaurar as poupanças das famílias través de
transferências inversas
-
devolver o dinheiro do salvamento ao Tesouro, congelar as actividades dos
hedge funds
-
congelar o conjunto de transacções especulativas incluindo o
short-selling
e o comércio de derivativos.
ANEXOS
Documentos
Budget of the United States Government Fiscal Year 2010 The Budget Documents
A New Era of Responsibility: The 2010 Budget
As tabelas contidas no Anexo também podem ser consultadas clicando:
Summary Tables
Ver também:
http://www.budget.gov
http://www.gpoaccess.gov/usbudget/fy10/pdf/fy10-newera.pdf
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© Copyright Michel Chossudovsky, Global Research, 2009
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=12517
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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