Documento classificado do Pentágono

Nova e não declarada corrida às armas:
A agenda dos EUA para a dominação militar global

por Michel Chossudovsky

O Pentágono divulgou o sumário de um documento seu altamente secreto, o qual esboça a agenda dos EUA para a dominação militar global.

Este redireccionamento da estratégia militar dos EUA parece ter passado virtualmente desapercebido. Com a excepção de The Wall Street Journal (ver anexo abaixo), nem uma palavra foi mencionada nos media americanos.

Não houve cobertura da imprensa quanto a este misterioso plano militar. As versões mais recentes, segundo The Wall Street Journal, o desígnio militar global dos EUA consiste em "potenciar a influência americana em torno do mundo" através de instalações de tropas acrescidas e de uma escalada maciça dos sistemas de armas avançados dos EUA.

Se bem que o documento siga as pegadas da doutrina de guerra "antecipativa" ("preemptive") da administração como pormenorizado no Project of the New American Century (PNAC) dos neocons, ele vai muito mais longe no estabelecimento dos contornos da agenda militar global de Washington.

Ele apela a uma abordagem mais "proactiva" nas operações militares, para além da noção mais fraca de acções "antecipativas" e defensivas, em que tais operações são lançadas contra um "inimigo declarado" tendo em vista "preservar a paz" e "defender a América".

O documento reconhece explicitamente o mandato militar global dos EUA, para além dos teatros de guerra regionais. Este mandato também inclui operações militares dirigidas contra países que não são hostis aos EUA mas que são considerados estratégicos do ponto de vista dos interesses americanos.

A partir de uma ampla perspectiva militar e de política externa, o documento do Pentágono de Março de 2005 constitui um desígnio imperial, o qual apoia os interesses corporativos americanos por todo o mundo.

"No seu cerne, o documento é conduzido pela crença de que os EUA estão empenhados numa luta global contínua que se estende muito além de campos de batalha específicos, tais como o Iraque e o Afeganistão. A visão é por umas forças armadas que sejam mais proactivas, focadas na mudança do mundo ao invés de apenas responder a conflitos tais como um ataque da Coreia do Norte à Coreia do Sul, e assumindo maior proeminência em países com os quais os EUA não estão em guerra. (WSJ, 11/Março/2005)

O documento sugere que o seu objectivo consiste também na "ofensiva" ao invés das habituais operações "antecipativas". Há, a este respeito, uma nuance subtil em relação a declarações sobre segurança nacional anterior ao 11 de Setembro:

"[O documento apresenta} 'quatro problemas centrais', nenhum deles envolvendo as confrontações militares tradicionais. É recomendado aos serviços que desenvolvam forças que possam: construir partenariados com Estados falhados para derrotar ameaças terroristas internas; defender a pátria, incluindo ofensivas relâmpago contra grupos terroristas que planeiem ataque; influenciar as escolhas de países numa encruzilhada estratégica, tais como a China e a Rússia; e impedir a aquisição de armas de destruição em massa por Estados hostis e grupos terroristas". (Ibid)

A ênfase não é mais unicamente sobre travar a guerra nos teatros principais como esboçado em "Rebuilding America's Defenses, Strategy, Forces and Resources for a New Century" do PNAC, o plano militar de Março de 2005 aponta para mudanças em sistemas de armas bem como para a necessidade de uma instalação global de forças americanas actos de policiamento militar e intervenção numa escala mundial. O PNAC no seu relatório de Setembro de 2000 havia descrito estas operações militares em não teatro de guerra como "funções policiais" ("constabulary functions"):

O Pentágono deve reter forças para preservar a paz actual de maneiras que fiquem aquém da condução de campanhas nos teatros de guerra principais. ... Estes deveres são as missões mais frequentes hoje em dia, exigindo forças configuradas para combater mas capazes de operações policiais independentes de longo prazo independentes". (PNAC, http://www.newamericancentury.org/RebuildingAmericasDefenses.pdf , p. 18)

RECRUTAMENTO DE TROPAS PARA POLICIAR O IMPÉRIO

A ênfase subjacente está no desenvolvimento e recrutamento da mão-de-obra militar especializada exigida para controlar e pacificar forças e facções indígenas nas diferentes regiões do mundo:

"a orientação classificada urge os militares a propor menos soluções doutrinárias que incluam o envio de equipes mais pequenas de soldados culturalmente hábeis para treinar e orientar forças indígenas". (Ibid)

O documento classificada indica a necessidade de um recrutamento maciço e de treinamento de tropas. Estas tropas, incluindo novos contingentes de forças especiais, boinas verdes e outro pessoal militar especializado, seriam envolvidas, por todo o mundo, em actos de policiamento militar:

"A abordagem do sr. Rumsfeld provavelmente desencadeará grandes mudanças nos sistemas de armas que o Pentágono compra, e mesmo mudanças mais fundamentais no treinamento e instalação de tropas americanas por todo o mundo, afirmam oficiais da defesa que desempenharam um papel na feitura do documento ou estão envolvidos na sua revisão.

Os EUA procurariam instalar estas tropas muito mais cedo num conflito em perspectiva do que têm feito tradicionalmente para ajudar as forças armadas de governos cambaleantes a enfrentarem guerrilhas antes que uma insurgência seja capaz de enraizar-se e obter apoio popular. Os oficiais dizem que o plano encara muitas de tais equipas a operarem por todo o mundo.

O envolvimento militar americano não é limitado ao Médio Oriente. O envio de forças especiais em operações de policiamento militar, sob o disfarce da manutenção da paz e do treinamento, é contemplando em todas as principais regiões do mundo. Grande parte destas actividades, entretanto, mais provavelmente serão executadas por companhias de mercenários privados sob contrato com o Pentágono, a NATO ou as Nações Unidas. As necessidades de mão-de-obra militar bem como de equipamento são especialidades. O policiamento não será conduzido por unidades regulares do exército como num teatro de guerra:

"o novo plano encara um envolvimento americano mais activo, semelhante a recentes missões militares de ajuda a lugares como no Niger e o Chad, para onde os EUA estão a despachar equipes de tropas terrestres a fim de treinar militares locais em tácticas básicas de contra-insurgência. As futuras missões de treinamento, contudo, provavelmente seriam conduzidas numa escala muito mais vasta, afirma um oficial da defesa.

Dos serviços militares, o Marines Corps neste momento está a mover-se mais rapidamente para preencher este fosso e procura transferir alguns recursos das tradicionais missões de assalto anfíbio para novas unidades destinadas especificamente a trabalhar com forças estrangeiras. Para apoiar estas tropas, os oficiais estão à procura de tudo quanto é coisa, desde adquirir sistemas baratos de vigilância aérea a canhoneiras voadoras (flying gunships) que possam ser usadas em combates urbanos confusos para poder ajudar tropas terrestres. Um "sonho de capacidade" poderia ser uma canhoneira AC-130 não tripulada que pudesse circular uma área a uma altitude relativamente baixa até ser necessária, e então precipitar-se para despejar uma linha de fogo mortal, disse um oficial da defesa". (Ibid)

NOVOS INIMIGOS PÓS GUERRA FRIA

Apesar de a "guerra ao terrorismo" e a contenção de "Estados vilões" ainda constituir a justificação oficial e a força condutora, a China e a Rússia são explicitamente identificadas no documento classificado de Março como "inimigos potenciais".

"... as forças armadas americanas ... estão procurando dissuadir potências em ascenção, tais como a China, de desafiarem a dominância militar americana. Embora sistema de armas concebidos para combater guerrilhas tendam a ser claramente barato e de baixa técnica, a revisão torna claro que para dissuadir aqueles países de tentarem competir, os militares dos EUA devem reter sua dominância em áreas chave de alta tecnologia, tais como tecnologia da invisibilidade ao radar, armamento de precisão e sistemas de vigilância tripulados e não tripulados". (Ibid)

Apesar de a União Europeia não ser mencionada, o objectivo declarado é evitar o desenvolvimento de todos os rivais militares potenciais.

"TENTANDO CORRER COM O MASTIM"

Como pretende Washington alcançar o seu objectivo de hegemonia militar global?

Essencialmente através do desenvolvimento contínuo da indústria americana de armamento, o que exige uma maciça transferência da produção de bens e serviços civis. Por outras palavras, o aumento em curso nos gastos de defesa alimenta esta nova corrida às armas não declarada, com vastas quantias de dinheiro público a serem canalizadas para os maiores produtores de armamento dos EUA.

O objectivo declarado é tornar o processo de desenvolvimento de sistemas de armas avançados "tão caros" que nenhuma outra potência sobre a terra seja capaz de competir ou desafiar "o grande mastim", sem por em risco a sua economia civil.

"No núcleo desta estratégia está a crença de que os EUA devem manter uma liderança tão grande em tecnologias cruciais que as potências em crescimento concluirão que é demasiado caro para elas até mesmo pensar em competir com o grande mastim. Elas perceberão que não vale a pena sacrificar o seu crescimento económico, disse um consultor de defesa que foi contratado para redigir secções do documento" (Ibid, ênfase adicionada)

CORRIDA ÀS ARMAS NÃO DECLARADA ENTRE A EUROPA E OS EUA

Esta nova corrida às armas não declarada é com as chamadas "potências em crescimento".

Enquanto a China e a Rússia são mencionadas como uma ameaça potencial, os rivais (não oficiais) dos EUA incluem também a França, a Alemanha e o Japão. Os parceiros reconhecidos dos EUA — no contexto do eixo anglo-americano — são a Grã-Bretanha, Austrália e Canadá, sem mencionar Israel (não oficialmente).

Neste contextos, há actualmente dois eixos militares dominantes no ocidente: o eixo anglo-americano e a aliança franco-alemã competidora. O projecto militar europeu, amplamente dominado pela França e pela Alemanha, inevitavelmente minará a NATO. A Grã-Bretanha (através da British Aerospace Systems Corporation) está firmemente integrada entro do sistema americano de aprovisionamento de defesa em parceria com os cinco grandes produtores de armas dos EUA.

É desnecessário dizer que esta nova corrida às armas está entranhada firmemente no projecto europeu, o qual encara, sob os auspícios da UE, um redireccionamento maciço dos recursos financeiros do Estado para despesas militares. Além disso, o sistema monetário da UE estabelecendo uma divisa global que desafia a hegemonia do dólar americano está intimamente relacionado com o desenvolvimento de uma força de defesa integrada da UE fora da NATO.

Sob a constituição europeia, haverá uma posição unificada de política externa europeia que incluirá uma componente de defesa comum. É entendido, embora nunca debatido seriamente em público, que a proposta Força Europeia de Defesa é pretendida para desafiar a supremacia dos EUA em assuntos militares:

"sob um tal regime, as relações transatlânticas estarão destinadas a um golpe fatal" (segundo Martin Callanan, deputado conservador britânico do Parlamento Europeu, Washington Times, 05/Março/2005).

Ironicamente, este projecto militar europeu, apesar de encorajar uma não declarada corrida às armas entre os EUA e a UE, não é incompatível com a contínua cooperação EUA-UE em assuntos militares. O objectivo subjacente para a Europa é que os interesses corporativos da UE sejam protegidos e que os empreiteiros europeus sejam capazes de efectivamente embolsarem e "partilharem os despojos" das guerras conduzidas pelos EUA no Médio Oriente e alhures. Por outras palavras, ao desafiar o Grande Mastim a partir de uma posição de força a UE procura reter o seu papel como "um parceiro" dos EUA nas suas várias aventuras militares.

Há uma presunção, particularmente em França, de que o único meio de construir boas relações com Washington é emular o Projecto Militar Americano, isto é, adoptar uma estratégia semelhante de fortalecer os sistemas avançados de armas da Europa.

Por outras palavras, do que estamos a tratar é de um frágil relacionamento amor-ódio entre a Velha Europa e a América, em sistemas de defesa, na indústria petrolífera bem como nas esferas superiores da banca, das finanças e dos mercados de divisas. A questão importante é como este frágil relacionamento geopolítico evoluirá em termos de coligações e alianças nos próximos anos. A França e a Alemanha têm acordos de cooperação militar tanto com a Rússia como com a China. Companhias europeias de defesa estão a abastecer a China de armamento refinado. Finalmente, a Europa é encarada como um intruso pelos EUA, e um conflito militar entre super-potências ocidentais não pode ser descartado (Para mais pormenores, ver Michel Chossudovsky, The Anglo-American Axis, http://globalresearch.ca/articles/CHO303B.html )

Do cepticismo quanto às alegadas armas de destruição maciça (WMD) do Iraque à condenação aberta, nos meses que precederam a invasão de Março de 2003, a Velha Europa (na trilha da invasão) de um modo geral aceitou a legitimidade da ocupação militar americana do Iraque, apesar das matanças de civis, para não mencionar as orientações da administração Bush sobre tortura e assassínios políticos.

Numa ironia cruel, a nova corrida às armas EUA-UE tornou-se a avenida escolhida da União Europeia para estimular "relações amistosas" com a super-potência americana. Ao invés de se opor aos EUA, a Europa abraçou "a guerra ao terrorismo". Está a colaborar activamente com os EUA na prisão de presumidos terroristas. Vários países europeus estabeleceram leis anti-terroristas estilo Big Brother, o que constitui uma versão europeia "copy and paste" da legislação Homeland Security americana.

A opinião pública europeia agora é galvanizada para o apoio à "guerra ao terrorismo", a qual de um modo geral beneficia o complexo militar industrial europeu e as companhias petrolíferas. Por sua vez, a "guerra ao terrorismo" também proporciona uma instável legitimidade para a agenda de segurança da UE sob a Constituição Europeia. Esta última é encarada com cada vez maior descrença, como um pretexto para executar medidas de um estado policial, ao mesmo tempo que desmantela legislação do trabalho do estado providência europeu.

Por outro lado, os media europeus também se tornaram um parceiro na campanha de desinformação. O "inimigo externo" apresentado ad nauseam nas redes de TV, em ambos os lados do Atlântico, é Osama bin Laden e Abu Musab Al-Zarqawi. Por outras palavras, a campanha de propaganda serve como camuflagem útil da militarização em andamento de instituições civis, o que está a ocorrer simultaneamente na Europa e na América.

ARMAS E MANTEIGA: A MORTE DA ECONOMIA CIVIL

A proposta constituição da UE exige uma expansão maciça das despesas militares em todos os países membros, obviamente em detrimento da economia civil.

O limite de 3% nos défices anuais dos orçamentos da União Europeia implica que a expansão das despesas militares será acompanhada por uma redução maciça de todas as categorias de despesas civis, incluindo serviços sociais, infraestrutura pública, além do apoio governamental à agricultura e indústria. A este respeito, "a guerra ao terrorismo" serve — no contexto das reformas neoliberais — como pretexto. Ela constrói aceitação pública à imposição de medidas de austeridade que afectam programas civis, com base em que o dinheiro é necessário para potenciar a segurança nacional e a defesa da pátria.

O crescimento dos gastos militares na Europa está relacionado directamente com a acumulação militar americana. Quanto mais a América gasta com defesa, mais a Europa desejará gastar com o desenvolvimento da sua própria Força Europeia de Defesa. "Prossegui-la com paixão", pois é por uma boa e valiosa causa, combater os "terroristas islamicos" e defender a pátria.

O alargamento da UE está ligado directamente ao desenvolvimento e financiamento da indústria europeia de armas. A potência europeias dominantes necessitam desesperadamente das contribuições dos dez novos membros da UE para financiar a acumulação militar da UE. A este respeito, a Constituição Europeia requer "a adopção de uma estratégia de segurança para a Europa, acompanhada de compromissos financeiros sobre gastos militares". ( European Report, 03/Julho/2003). Por outras palavras, sob a Constituição Europeia, o alargamento da UE tende a enfraquecer a aliança militar Atlântica (NATO).

O retrocesso no emprego e nos programas sociais é o subproduto inevitável de ambos os projectos militares, o americano e o europeu, os quais canalizam vastas quantias de recursos financeiros do Estado para a economia de guerra, a expensas dos sectores civis.

O resultado são encerramento de fábricas e bancarrotas na economia civil e uma crescente maré de pobreza e desemprego por todo o mundo ocidental. Além disso, ao contrário da década de 1930, o desenvolvimento dinâmico da indústria de armas cria muito poucos empregos.

Enquanto isso, na medida em que floresceu a economia de guerra ocidental, a relocalização da produção de bens manufacturados civis em países do Terceiro Mundo aumentou nos últimos anos a um ritmo dramático. A China, que constitui de longe o maior produtor de bens manufacturados civis, aumentou as suas exportações têxteis para os EUA em 80,2% em 2004, levando a uma onda de encerramentos de fábricas e perdas de empregos (WSJ, 11/Março/2005).

A economia global é caracterizada por uma relação bipolar. Os países ricos do ocidente produzem armas de destruição em massa, ao passo que os países pobres produzem bens de consumo manufacturados. Numa lógica enviesada, os países ricos usam os seus sistemas de armas avançados para ameaçar ou levar a guerra aos pobres países em desenvolvimento, os quais abastecem os mercados ocidentais com grandes quantidades de bens de consumo produzidos em montadoras com trabalho barato

Os EUA, em particular, conta com esta oferta de bens de consumo baratos para encerrar uma grande parte do seu sector manufactureiro, ao mesmo tempo que redirecciona recursos para longe da economia civil, para a produção de armas de destruição em massa. E estas últimas, numa amarga ironia, estão destinadas a serem usadas contra o país que fornece a América com uma grande fatia dos seus bens de consumo, a China.

17/Março/2005


Anexo
Rumsfeld pormenoriza as grandes alterações militares

por Greg Jaffe,
de The Wall Street Journal

O secretário da Defesa Donald Rumsfeld, num novo documento de planeamento, esboçou uma visão destinada a refazer forças armadas que estejam mais empenhadas em evitar ameaças antes de hostilidades e a servir o objectivo mais vasto de potenciar a influência americana por todo o mundo.

O documento prepara a agenda do sr. Rumsfeld para uma maciça revisão dos gastos de defesa e da estratégia principiada recentemente. Como o processo é conduzido apenas uma vez a cada quatro anos, a revisão representa a melhor oportunidade da administração Bush para reformular as forças armadas numa força capaz de cumprir os ambiciosos objectivos de segurança e política externa que o presidente Bush estabeleceu desde os ataques terroristas de 11/Set/2001. Isto está a ser conduzido por membros senior da assessoria do sr. Rumsfeld juntamente com oficiais senior de cada um do serviços armados.

Os objectivos do sr. Rumsfeld, expostos no documento, marcam um afastamento significativo de revisões recentes. Profundamente informado tanto pelos ataques terroristas de 11/Set/2001 como pela sangrenta luta militar no Iraque, o documento enfatiza problemas mais recentes, como o combate a terroristas e insurgentes, do que os desafios militares convencionais.

A abordagem do sr. Rumsfeld provavelmente desencadeará grandes mudanças nos sistemas de armas que o Pentágono compra, e mesmo mudanças mais fundamentais no treinamento e instalação de tropas americanas por todo o mundo, dizem oficiais da defesa que desempenharam um papel na feitura do documento ou estão envolvidos na sua revisão.

No documento, o sr. Rumsfeld diz ao militares para focarem quatro "problemas nucleares", nenhum deles envolvendo confrontações militares tradicionais. Diz-se aos serviços para desenvolverem forças que possam construir partenariados com Estados falhados para derrotar ameaças terroristas internas; defender a pátria, incluindo ofensivas relâmpago contra grupos terroristas que planeiam ataques; influenciar as escolhas de países numa encruzilhada estratégica, tais como a China e a Rússia; e impedir a aquisição de armas de destruição em massa por Estados hostis e grupos terroristas.

"A pergunta que estamos a formular é: Como impedir problemas de se tornarem crises e crises de se tornarem conflitos totais?" diz um oficial senior da defesa envolvido na redacção do guia.

No seu cerne, o documento é conduzido pela crença de que os EUA estão empenhados numa luta contínua global que se estende muito além de campos de batalha específicos, tais como o Iraque ou o Afeganistão. A visão é por umas forças armadas que sejam muito mais proactivas, focadas no mundo cambiante ao invés de apenas responder a conflitos tais como um ataque da Coreia do Norte à Coreia do Sul, e que assumam maior proeminência em países com os quais os EUA não estão em guerra.

O documento vem em breve ao processo de revisão, o qual é conduzido a pedido do Congresso. Cada um dos serviços militares já reuniu uma ampla equipe para montar planos para atacar as áreas de problemas chave identificadas pelo sr. Rumsfeld.

Uma vez completa, a revisão será enviada ao Congresso, provavelmente no princípio do próximo ano. O Congresso não tem voto sobre a revisão do secretário, a qual será utilizada pela administração para guiar as suas decisões sobre estratégia e gastos ao longo dos próximos vários ciclos orçamentais. É improvável que a revisão exija quaisquer grandes mudanças nos gastos globais de defesa, cujo crescimento está projectado até pelo menos 2009.

Mas é provável que desencadeie algumas desagradáveis batalhas políticas, e potencialmente coloca desafios a empreiteiros da defesa. Os problemas centrais esboçados na revisão do sr. Rumsfeld, por exemplo, não parecem favorecer os jactos F/A-22, fabricados pela Lockheed Martin Corp., os quais são a principal prioridade da Força Aérea. "Penso ser provável ver a Força Aérea pressionar duramente a preservação do F-22", disse Loren Thompson, oficial chefe de operações no Lexington Institute e consultor de vários dos serviços militares. "Infelizmente, você não pode descobrir um bocado de justificações para mais F/A-22s nos conjuntos de problemas que se pede aos serviços para examinar".

Neste momento, a revisão está a espicaçar os serviços a questionar a necessidade de sistemas de armas caros, como caças a jacto de alcance curto, destroyers navais e tanques que são utilizados primariamente em conflitos convencionais. "Uma grande questão é exactamente quanto é suficiente para vencer os combates convencionais do futuro, e de onde podemos desviar alguns recursos para alguns destes problemas menos tradicionais", disse uma pessoa envolvida na elaboração do guia.

O Wall Street Journal reviu um sumário do documento e falou com vários dos oficiais que para ele contribuíram.

O sr. Rumsfeld tem feito da transformação das forças armadas uma prioridade desde que a administração Bush tomou o poder. Mas em anos recentes aquele impulso ficou obscurecido pelas guerras no Afeganistão e no Iraque. No interior do Pentágono, a revisão geralmente é vista como o último grande impulso do sr. Rumsfeld para instilar as suas visões. Muitas pessoas bem informadas especulam que ele abandonará [o cargo] no princípio do próximo ano quando a revisão estiver completada; ele rejeitou repetidamente todas estas especulações e recusou-se a comentar acerca dos seus planos.

O guia do sr. Rumsfeld pressiona os serviços a repensarem o modo como combatem guerras de guerrilha e insurgências. Ao invés de tentar suprimir uma insurgência com grandes formações convencionais no terreno, o guia classificado urge as forças armadas a sugerirem menos soluções doutrinárias que incluam o envio de equipes mais pequenas de soldados culturalmente hábeis para treinar e tutear forças indígenas.

Os EUA procurariam instalar estas tropas muito mais antecipadamente num conflito em perspectiva do que tem feito tradicionalmente para ajudar as forças armadas de governos cambaleantes a enfrentarem guerrilhas antes de uma insurgência ser capaz de ganhar raízes de obter apoio popular. Oficiais dizem que o plano encara muitas de tais equipes a operarem por todo o mundo.

Isto representa um desafio para umas forças armadas já tensas pelas guerras no Iraque e no Afeganistão. Actualmente não há suficientes soldados e Marines especialmente treinados para fazer com que esta estratégia funcione.

Na última década, as forças armadas americanas escusaram-se a ajudar aliados a combaterem ameaças internas com a preocupação de que a forças americanas ficariam atoladas em conflitos internos infindáveis. Ao invés disso, as forças armadas focaram-se em ajudas aliados a repelirem agressões transfronteiriças vendendo-lhes sistemas de armas mais avançados.

Mas o novo plano encara o envolvimento americano mais activo, assemelhando-se a recentes missões de ajuda militar a lugares como o Niger e o Chad, para onde os EUA estão a despachar equipes de tropas terrestres para treinar militares locais em tácticas básicas de contra-insurgência. Futuras missões de treinamento, entretanto, provavelmente seriam conduzidas numa escala muito mais vastas, disse um oficial da defesa.

Dos serviços das forças armadas, o Marines Corps é o que está agora a mover-se mais rapidamente para preencher o fosso e procura transferir alguns recursos das missões tradicionais de assalto anfíbio para novas unidades concebidas especificamente para trabalhar com forças estrangeiras. Para apoiar estas tropas, os oficiais estão à procura de tudo, desde a aquisição de sistemas baratos de vigilância aérea a canhoneiras voadoras que possam ser utilizadas em confusos combates urbanos para ajudar tropas no solo. Um "sonho de capacidade" pode ser uma canhoneira AC-130 que pudesse circular uma área a uma altitude relativamente baixa até que fosse necessária, e então despejar uma linha de fogo, disse um oficial da defesa.

A alteração recorda a situação no fim do século XX, quando Marines combateram uma série de pequenas guerras na América Central e foram frequentemente referidos como os "soldados do Departamento de Estado".

Ao mesmo tempo que as forças armadas americanas se reequipam para tratar ameaças insurgentes de baixa tecnologia, também procura dissuadir potências ascendentes, como a China, de desafiar o domínio militar americano. Embora sistemas de armas concebidos para combater guerrilhas tendam a ser razoavelmente baratos e de baixa tecnologia, a revisão torna claro que para dissuadir aqueles países de tentarem competir os militares americanos devem reter o seu domínio em áreas chave de alta tecnologia, tais como tecnologia de invisibilidade ao radar, armamento de precisão e sistemas de vigilância tripulados e não tripulados.

11/Março/2005
Copyright the WSJ, 2005. The complete version of this article is available in the print edition

O original encontra-se em http://globalresearch.ca/articles/CHO503A.html .

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
29/Mar/05