Brasil: Tenebrosas transações
por César Benjamin
O Banco Central (BC) vem realizando operações heterodoxas e
desnecessárias que resultam em prejuízos reiterados de milhares
de milhões de reais repassados ao Tesouro Nacional. É o chamado
"swap" cambial. A tecnicalidade dos procedimentos e a blindagem nos
meios de comunicação têm garantido a impunidade.
Economistas e jornalistas, implacáveis com qualquer aumento nos gastos
públicos, ignoram a suspeitíssima sangria.
Na linguagem do sistema financeiro, agentes privados fazem uma
operação de "swap" quando trocam ativos com diferentes
rentabilidades e prazos de vencimento. Problema deles. O "swap"
cambial é uma aposta nas variações das taxas de
câmbio e de juros: ganha quem acerta no comportamento futuro dessas duas
variáveis.
É uma operação puramente especulativa: um lado ganha
exatamente o que o outro perde. No Brasil, porém e só no
Brasil
, quem oferece o negócio é o BC. É, pois, problema
nosso.
Estranha operação. Pois o próprio BC, numa ponta, fixa a
taxa básica de juros; na outra, como gestor das reservas cambiais,
interfere decisivamente na taxa de câmbio. É como se, em um jogo
qualquer, um dos clubes pudesse escalar também o juiz. Os especuladores
aceitam uma aposta contra um adversário que controla as regras do jogo.
Incrivelmente, ganham!
Essas operações foram introduzidas por Armínio Fraga,
então presidente do BC, em pleno curso da campanha eleitoral de 2002.
Com a crescente possibilidade de vitória de Lula, temia-se uma corrida
para o dólar.
Fraga decidiu inaugurar uma operação heterodoxa em que o BC
arbitraria suas perdas, garantindo aos especuladores o reembolso de
prejuízos com a desvalorização do real, de modo a
induzi-los a permanecer na moeda nacional. Lançou
operações de "swap" em que o BC ganharia se houvesse
valorização do real, cabendo aos especuladores a
posição oposta.
Quando a pressão dos credores internos paralisou o refinanciamento da
dívida pública a partir de maio daquele ano, a
cotação do dólar disparou, como se previa, subindo de R$
2,50 em abril para R$ 3,63 em novembro. Quem tinha contratos de
"swap" cambial ganhou com essa diferença, dando um
prejuízo de R$ 10,9 mil milhões [4,27 mil milhões]
ao Banco Central.
Nos dois primeiros meses do governo Lula, o prejuízo com essas
operações foi de R$ 4,6 mil milhões [1,8 mil
mihões]. Porém, as condições mudaram. A
rápida recuperação da balança comercial e dos
saldos externos induziu à valorização do real. Como os
contratos de "swap" cambial haviam sido estabelecidos no regime
anterior, quando o real se desvalorizava, os especuladores começaram a
perder.
Já sob o comando de Henrique Meirelles, o BC alterou gentilmente as
condições dos contratos, oferecendo o chamado "swap"
reverso. O BC e os especuladores trocaram de posição, e o BC
recomeçou a perder. Estamos diante do único caso, no mundo, em
que um banco central aposta contra a sua própria moeda.
Operações de "swap" realizadas por bancos centrais
são uma heterodoxia brasileira. Já não existem mais,
há muito tempo, os motivos alegados por Fraga para justificar a
invenção, mas ela continua a existir e a fazer
milionários. Em 2006 e 2007, nessas operações, o BC
repassou aos especuladores R$ 14,3 mil milhões. De janeiro a maio de
2008, já havia entregue mais R$ 4 mil milhões [1,57 mil
milhões]. As perdas são crescentes, pois as taxas de juros
voltaram a subir e o real continua a se valorizar.
Na contabilidade do Banco Central, esses resultados têm sido escondidos
no meio de números que tratam da contração ou
expansão da base monetária, de um modo que ninguém
consegue entendê-los.
A política atual do BC só aumenta essas doações.
Com o pretexto, agora, de conter a inflação. O papel dos juros no
controle da inflação é controverso, para dizer o menos. E
a valorização continuada do real, como todos sabem, é o
suicídio do país em médio prazo. Quem ganha, com certeza,
são os apostadores no "swap".
Recapitulemos: o BC propõe uma aposta viciada, em que ele mesmo pode
manipular as variáveis decisivas.
Os especuladores aceitam. E o BC perde a aposta! Joga porque quer -pois isso
nada tem a ver com política monetária- e perde porque quer.
O prejuízo cerca de R$ 18 mil milhões [7,06 mil
milhões] em pouco mais de dois anos é repassado ao Tesouro
Nacional.
Nos jornais, sob aplausos dos defensores da responsabilidade fiscal, os
dirigentes do BC criticam o aumento dos gastos públicos e solicitam um
superávit primário maior. Precisam de mais recursos, retirados da
sociedade, para cobrir as bondades que fazem à turma da
especulação.
Se diretores de bancos centrais dos Estados Unidos ou da Europa, formalmente
independentes, agissem assim, sairiam algemados dos seus escritórios, no
mínimo, por gestão temerária. Aqui, provavelmente nada
acontecerá.
Sabíamos, há muito tempo, que o Banco Central brasileiro
está acima dos Poderes da República. Agora sabemos que
também está acima da lei. O Ministério Público
deveria agir.
[*]
Editor da
Editora Contraponto
e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), autor de
"Bom Combate"
(Contraponto, 2006) e colunista do caderno Dinheiro da
Folha de São Paulo.
O original encontra-se na
Folha de São Paulo,
03/Julho/2008 e em
www.socialismo.org.br/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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