Réquiem ao PT
por Plinio de Arruda Sampaio Jr.
[*]
Decididamente, não. Mas o processo de acomodação do PT
às exigências da ordem não ocorreu sem fortes embates
dentro do partido. Decididos a chegar ao governo a qualquer custo, os atuais
dirigentes do partido esmagaram todos os que se colocaram diante de seu
caminho. A vitória do pragmatismo desfigurou o partido. As carreiras
individuais sobrepuseram-se ao projeto coletivo. A organização
do povo, que constituía a essência da vida partidária, foi
abandonada, e o PT virou uma simples máquina eleitoral, com todos os
vícios da política burguesa.
Essa guinada à direita é ainda mais grave se lembrarmos que o
partido foi forjado nas lutas contra a opressão política e a
exploração econômica, tornando-se um importante instrumento
do povo brasileiro na sua caminhada pela construção de uma
sociedade justa e democrática.
Impulsionado por sua aguerrida militância, o PT cresceu e se consolidou
como a principal força política do Brasil, tornando-se o grande
portador do sentimento anticapitalista que brota das terríveis
contradições de uma sociedade em crise permanente. É
inaceitável, portanto, que no seu governo não haja o menor
vestígio de transformação social.
Seguindo à risca as recomendações do FMI, o governo Lula
aprofundou o neoliberalismo, transformando o Brasil num paraíso dos
grandes negócios. Sob a consigna "tudo pelo capital, tudo para o
capital", aos endinheirados o governo oferece vantagens tangíveis:
megasuperávits primários, populismo cambial, juros
estratosféricos, arrocho salarial, reforma da Previdência,
gigantescos saldos comerciais, Lei de Falências, independência do
Banco Central, Prouni, Parceria Público-Privada, liberdade para os
transgênicos, cumplicidade com os "contratos espúrios"
que sangram o erário e espoliam a população,
opção preferencial pelo
agrobusiness,
reforma trabalhista.
Convertido à filosofia do Banco Mundial, o governo do PT abandonou toda
veleidade de combater as desigualdades e eliminar a pobreza. Aderindo à
lógica das políticas compensatórias, que atuam sobre os
efeitos dos problemas sociais e não sobre as suas causas, contenta-se em
minorar, dentro das limitadas possibilidades orçamentárias, o
sofrimento do povo. Sob a palavra de ordem "tenham paciência e
confiem em mim", aos descamisados Lula faz promessas vãs. Sem
qualquer fundamento, ressuscita o "mito do crescimento" -- há
muito desmascarado por Celso Furtado e Florestan Fernandes. Com uma
mão, retira direitos sociais, e, com a outra, distribui fortuitamente as
migalhas da arrecadação fiscal, anunciando um punhado de
programas sociais esquálidos, mal definidos e desarticulados (Bolsa
Família, Fome Zero, Programa de Crédito Fundiário
(ex-Banco da Terra), Prouni, Farmácia Popular, etc).
A política externa, apresentada como a frente mais ousada da
administração petista, mal dissimula sua subserviência aos
cânones da ordem global. Nos fóruns internacionais, Lula faz
bravata e cobra coerência neoliberal aos países ricos. Nos
bastidores da diplomacia, em troca de um eventual assento no Conselho de
Segurança da ONU, negocia o envio de tropas ao Haiti para cumprir o
triste papel de gendarme do intervencionismo norte-americano.
A chegada de Lula ao Planalto iniciou o último ato do desmonte. Em nome
de uma suposta "razão petista de Estado", começou um
vale-tudo: alianças políticas espúrias,
massificação das filiações, acordos eleitorais com
oligarquias retrógradas e corruptas, campanhas eleitorais
milionárias, atropelos ao estatuto do partido, censura e expurgos de
parlamentares, cooptação e intimidação dos
militantes, absoluta subordinação do partido aos interesses do
Planalto. Enfim, o PT completa seus 25 anos vivendo uma grave crise de
degeneração política e moral.
A ruptura com a tradição de luta em defesa dos trabalhadores
obrigou a direção a sufocar o debate democrático.
É inútil continuar lutando nas instâncias do partido. O PT
é irrecuperável. O tempo do PT acabou, mas o das
transformações sociais não. A retomada das lutas
populares é mais necessária do que nunca, pois, ao
contrário do que diz a propaganda oficial, nada foi feito para enfrentar
os problemas responsáveis pelas mazelas do povo. Na realidade, o Brasil
entra na terceira década de estagnação econômica e
grave crise social.
Estar livre das amarras do PT é condição necessária
para combater o ilusionismo lulista e derrotar a ofensiva neoliberal que
acelera o processo de reversão neocolonial e faz avançar a
barbárie. Estar fora do PT é condição
necessária para começarmos, em franco debate com todas as
forças comprometidas com a mudança social, a árdua tarefa
de reorganizar a esquerda brasileira.
[*]
47 anos, doutor em teoria econômica,
professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). É um dos organizadores do manifesto
Momento de Ruptura
, que conclama a militância petista a abandonar o partido.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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