Eleições no Brasil. Por que Lula?
por Marco Antônio Villela dos Santos
[*]
Muito antes da eleição de Lula à presidência
já vínhamos defendendo no CeCAC, baseados na análise dos
interesses de classe que se expressavam no PT, que Lula e o PT no governo
continuariam aplicando a mesma política do imperialismo iniciada por
Collor e continuada por FHC em seus dois mandatos.
Esta
posição, buscando analisar a conjuntura do ponto de vista do
materialismo dialético e a partir daí apontar os interesses
de classe que se expressam no PT, nos rendeu críticas na chamada
esquerda.
Mesmo entre aqueles que depois, aproximando-se da nossa crítica ao
governo Lula, não tenham reconhecido o acerto no fundamental de
nossas
posições; mesmo que esta análise, esta
avaliação
sobre o PT e o governo Lula venha se ampliando, tanto entre os que assumem
o marxismo-leninismo como entre setores socialistas e progressistas dos
mais
diversos matizes, mesmo entre setores da igreja.
Quando
dizemos que o PT representa os interesses das classes dominantes no geral,
e de alguns de seus setores em particular - hoje os setores mais
estreitamente
ligados ao imperialismo - , vale ressaltar que não queremos dizer
que
todos os seus militantes representem esses interesses. Centenas de
militantes
do PT combateram, sincera e valorosamente, dentro do partido as
posições
social-democratas para transformá-lo e construir o socialismo.
Discutindo a conjuntura da crise do imperialismo em nosso
último artigo
publicado neste sítio, afirmamos, tendo como referência
as posições de Lênin em "
A doença infantil do ‘esquerdismo’ no comunismo
":
"Como já dissemos, desde o governo Collor até Lula, este
lugar-tenente operário da classe dos capitalistas, nossas classes
dominantes e
seus gerentes embarcaram com deleite e, note-se bem, proveito, neste
processo.
Tanto Lula como Alckmin, que agora querem Geraldo, defendem a mesma
política
de submissão ao imperialismo e usarão todo o peso dos
Aparelhos
de Estado, repressivos e/ou ideológicos, para levá-la a
cabo.
A diferença para a classe dominante, para seus setores
hegemônicos, é a de que Lula tem se mostrado mais útil para
continuar
este processo. O nosso "operário" presidente pode recorrer
à imagem de "pai dos pobres", pai dos trabalhadores,
que construíram para ele, para, como bom pelego, amortecer a luta
de classes.
Portanto,
nesta conjuntura,
devemo-nos perguntar nos inspirando em Lênin: interessa à
classe operária participar das eleições burguesas?
É Lênin quem nos diz em 1920 que,
‘... poderíamos assegurar sem vacilar que o
parlamentarismo na Alemanha ainda não caducou politicamente, que a
participação
nas eleições parlamentares e na luta através da
tribuna parlamentar são obrigatórias para o partido do
proletariado
revolucionário, precisamente para educar os setores atrasados de
sua classe, precisamente para despertar e instruir a massa
aldeã...’
[
1
]
Uma questão fundamental que marca a diferença da conjuntura
em que travaram sua luta os comunistas na Alemanha e na Rússia na
época de Lênin e da conjuntura brasileira atual é que
aqui não há partido revolucionário do proletariado,
para, através de uma participação dirigida por uma
linha política/ideológica justa, despertar, educar,
instruir e organizar a classe operária, as classes dominadas, em meio
às eleições ou aos parlamentos burgueses. Portanto, mais
uma vez nos inspirando em Lênin - "... porque foi levado em conta,
acertadamente, a situação objetiva,..." [
1
]
- buscando fazer a análise concreta da situação
concreta, é justo não participar das eleições a
não ser denunciando-as.
Portanto, em nossa opinião, para a classe operária e para
as classes dominadas só resta - denunciando a farsa das
eleições,
a política e ideologia imperialistas, o "metalúrgico
presidente" e sua "oposição" -, combater,
e, no fogo da luta de classes, construir o seu partido. Como diz
Lênin: "o partido do proletariado revolucionário".
Mesmo assim, apesar de que esses quatro anos de governo comprovaram o
acerto de nossa análise, ainda há quem tente argüir com as
"vantagens comparativas" de Lula, coisas como, por exemplo: sua
origem operária ou seu "rol de amigos", etc, etc, etc.
Quanto à sua origem operária há de se perguntar, sem
precisar ir
muito longe, Lech Walesa também não era operário? Quanto
ao diz-me com quem andas..., esse também não é um bom
critério para julgar o Governo Lula que, ao que parece, mais atrapalhou
do que ajudou o governo de Hugo Chavez, o governo de Fidel Castro e o povo de
Cuba.
Aliás, não é à toa que o PT nunca tenha definido o
"socialismo"
que defendia. Defender todas as formas de socialismo e nenhuma forma,
defender uma coisa informe é uma maneira de não defender coisa
nenhuma.
Na prática, significa diluir e negar o socialismo defendido por
Marx, Engels, Lênin e demais marxistas.
Um dado interessante da conjuntura é o revelador artigo de Mino Carta,
de 11 de outubro, com a autoridade de um jornalista que esteve com Lula
desde a primeira hora no sindicato, em São Bernardo, e o defendeu em
suas eleições e agora na reeleição. Trata-se do
artigo/editorial
"Por que Lula, segundo capítulo"
, para a
Carta Capital,
prestigiada revista brasileira, da qual Mino Carta é diretor de
redação.
Mino Carta começa dizendo que o governo, na questão da
política econômica o que para nós é a
questão central ,
"... ajoelhou-se aos pés do Deus Mercado, submisso aos dogmas
neoliberais, e descurou da produção."
Portanto, que Lula, o PT e seu governo, como fizeram sempre os governos
anteriores desde Tomé de Sousa, aplicaram a política determinada
pela metrópole, hoje
"os dogmas neoliberais".
Avaliando o conjunto do governo diz que:
"O governo Lula ficou bastante aquém das esperanças dos
eleitores
de 2002 e de
Carta Capital,
e das
necessidades do país. Pouco se fez para combater o desequilibro social,
questão primeira na pauta dos problemas, embora o povo tenha percebido
leves progressos,...".
Uma significativa "queixa" sua, ao que nos parece, é a de
que, apesar de ter se ajoelhado
"aos pés do Deus Mercado",
de ser submisso
"aos dogmas neoliberais",
de ter aplicado, portanto, a política do imperialismo, seguindo Collor e
Fernando
Henrique, pouco fazendo, como eles,
"... para combater o desequilibro social, questão primeira na pauta
dos
problemas,..."
o governo Lula não tenha conseguido seduzir o conjunto
"... dos ricos nativos."
Nas palavras do jornalista:
"Nem por isso Lula seduziu porção conspícua dos ricos
nativos".
Não é que Lula tenha deixado de seduzir a classe dominante, os
banqueiros internacionais e George W. Bush. O "problema" é
que uma
"
porção conspícua dos ricos nativos
" não se deixou seduzir por ele; talvez aristocratas, quem sabe,
não aceitem um operário para capataz de seus negócios, como
avaliam alguns lulistas.
Porém, o que mais parece revoltar Mino Carta, o "
ponto dolorido
",
é o da corrupção que grassa no governo Lula e no PT
"
... depois de ter desfraldado seu comportamento ético por mais de duas
décadas, ...
" como afirma o articulista. Para concluir com uma frase lapidar: "
O PT pareceu tão hipócrita quanto
os demais partidos, além de incompetente na gestão do poder
e de suas próprias conveniências, navegou entre a trapalhada
e o golpe sujo
".
Então, vejamos:
se "
O PT pareceu tão hipócrita quanto os demais partidos
",
se, além do mais, ainda é "
incompetente na gestão do poder e de suas próprias
conveniências
" em razão do que seu governo "
navegou entre a trapalhada e o golpe sujo
",
se naquilo que Mino Carta considera a "
... questão primeira na pauta dos problemas,...
", "
o desequilíbrio social
", "
pouco se fez
",
se na política econômica o governo Lula "
ajoelhou-se aos pés do Deus Mercado
" e foi submisso "
... aos dogmas neoliberais,...
",
por que, então, votar novamente em Lula?
Mino Carta responde dizendo ainda que sua "
conclusão não é animadora
". Depois de se queixar de que o povo "
...tape os olhos diante da evidência
" da "
gravidade da situação
" do Brasil, todos a nos "
... satisfazer com o gol de seu time.
", afirma que:
"
Os donos do poder sempre apostaram na resignação do povo, que
chamavam de cordialidade. Mas no abismo a separar ricos de pobres, onde
já
medram a violência urbana, a guerra do tráfico, o PCC, a
fúria
que mata mais de 50 mil brasileiros a cada ano, a raiva armazenada centenas
de anos a fio tem todas as condições de explodir, algum dia,
de uma hora para outra
".
Portanto, se o governo Lula é uma continuação dos governos
Collor
e FHC, um pouco mais incompetente, fruto de sua inexperiência em
golpe
sujo e trapalhadas, por que votar em Lula?
Mino Carta justifica o voto em Lula: "
Apesar de todas as decepções,
o presidente é ainda a melhor opção. Somente ele, na
situação, vale como mediador
". É "
o mais qualificado mediador
". Leia-se, o mais capaz de segurar a luta de classes, ou como diz
Lênin, o "
lugar-tenente operário da classe dos capitalistas
". Mino Carta afirma:
"
... neste Brasil a risco, por razões que todos conhecemos embora tantos
finjam ignorá-las, neste Brasil de desigualdades
insuportáveis,
Lula é, nas circunstâncias, o mais qualificado mediador entre
a minoria abastada, ou quase, e a maioria estacionada entre a pobreza e a
miséria absoluta.
"
Nisto concordamos com Mino Carta mesmo que por outras razões. As classes
dominantes brasileiras e o imperialismo necessitam de Lula na
presidência
para continuar aplicando a política econômica e social que
lhes
interessa, intensificando a exploração e a
dominação
das classes dominadas, tentando anestesiá-las, fazendo tudo para
naturalizar
a miséria e a exploração, para abafar a
resistência
e a luta popular. E, à disposição, não
há
melhor candidato para cumprir este papel, de bombeiro da luta de classes,
do que Lula, o "presidente operário", o
"nordestino pai dos pobres".
Gostaríamos de ressaltar, como afirmamos no Boletim do CeCAC de setembro
de 2003, que:
"
As classes dominantes por toda a história da luta de classes,
desde o início do século passado quando não foi mais
possível impedir a organização da classe
operária,
trabalham com a tática de sua divisão. Divisão na
luta política e sindical, estimulando a criação para isto
dos 'partidos' social-democratas, tática através da qual a
burguesia tenta anular a construção e atuação
das organizações proletárias, pregando uma ideologia
simples, subproduto da ideologia burguesa destinada às classes
dominadas, uma ideologia pequeno-burguesa reformista apresentada no caso do
Brasil
sob tintura radical.
No Brasil foi o PT, concretamente, o instrumento da burguesia para
alcançar
este objetivo. Dividir a classe operária, afastá-la de sua
teoria e de seu partido, não só levando o principal do
movimento
sindical para uma política de colaboração de
classes,
como obstaculizando a construção do partido que expresse os
reais interesses do proletariado.
Toda esta conjuntura cobra dos setores progressistas e democráticos do
país redobrar sua atenção na análise da
situação concreta.
Mas é bom lembrar que há casos na História, em que as
classes dominantes, os "
donos do poder
", com toda aparente calmaria e "domesticação das
massas", foram
"surpreendidas" pela revolução, pela explosão
da "
raiva armazenada centenas de anos a fio
".
Assim,
nesta conjuntura,
com o objetivo de contribuir para elevar o nível de consciência e
organização da classe operária e das classes dominadas,
dentro de uma perspectiva revolucionária de longo prazo, apontamos:
"
... é justo não participar das eleições a
não ser denunciando-as", ou seja, "para a classe
operária
e para as classes dominadas só resta denunciando a farsa
das
eleições,
a política e ideologia imperialistas, o ‘metalúrgico
presidente’ e sua ‘oposição’ ,
resistir, combater, e, no fogo da luta de classes, construir o seu partido. Como
diz Lênin: ‘o partido do proletariado revolucionário’.
"
Nota:
1
.
LÊNIN, V.I.
A doença infantil do "esquerdismo" no comunismo
. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1960 [
topo
]
O
Correio da Cidadania
em sua edição 522 traz
editorial
e alguns artigos e entrevistas que, partindo de outras
posições
teóricas e políticas, contribuem para o debate sobre o
2º turno das eleições.
22/outubro/2006
[*]
Economista, responsável pelo CeCAC.
O original encontra-se em
www.cecac.org.br/MATERIAS/eleicoes_por_que_lula_2006.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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