"No Brasil, a barbárie tem a cara de um processo de
reversão neocolonial"
por Plínio de Arruda Sampaio Jr
[*]
entrevistado por Patricia Fachin e Ricardo Machado
A absolvição da chapa [lista] Dilma-Temer das
acusações de abuso de poder econômico e político,
além de ter sido um "escárnio", demonstra que o
Judiciário foi "irremediavelmente contaminado pela crise
política", afirma o economista Plínio de Arruda Sampaio Jr..
Segundo ele, o que se assistiu no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) "foi um conluio entre PSDB, PMDB e PT para manter Temer na
presidência". O economista frisa que "as forças
políticas que se alinham em torno do objetivo de 'estancar a sangria'
são poderosas, congregam todos os espectros dos partidos da ordem,
possuem amplas ramificações no Judiciário e resistem com
desfaçatez e tenacidade à cruzada moralizadora que ameaça
suas posições no interior do aparelho de Estado". E
alfineta: "Quando os interesses comuns na preservação do
status quo ficam ameaçados, a guerra de foice entre petistas,
peemedebistas e tucanos pelo controle do aparelho de Estado é
suspensa" e "os partidos da ordem atuam como irmãos
siameses". Por enquanto, adverte, alguns personagens estão sendo
"blindados de qualquer investigação", como os bancos, o
sistema financeiro e o capital estrangeiro, e a "ramificação
da rede criminosa no sistema judiciário e na grande mídia
é negligenciada".
Na avaliação do economista, uma alternativa à crise
política seria a realização de eleições
diretas. Contudo, adverte, "a convocação de
eleições gerais também não é suficiente para
sanar a crise política. Não adianta nada trocar pessoas. Se as
regras do jogo não mudarem, sai um Eduardo Cunha e entra outro. É
o sistema político como um todo que precisa ser livre do controle
absoluto do capital".
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, o economista
também comenta a atual situação econômica do
país e pondera que, depois da contração de quase 4% em
2016 e da estagnação econômica atual, "não
há nada que permita imaginar que 2018 possa ser muito diferente. Depois
que Temer assumiu o governo, a taxa de desemprego aumentou para 14% e mais de
1,6 milhão engrossaram o exército de desempregados. O Brasil tem
14,2 milhões de desempregados, um contingente populacional equivalente
à força de trabalho conjunta da Argentina e do Uruguai".
Plínio de Arruda Sampaio Jr é professor do Instituto de Economia
da Universidade Estadual de Campinas IE/Unicamp. Possui mestrado em
Economia e doutorado em Economia Aplicada pela mesma instituição.
É autor de Capitalismo em crise: a natureza e dinâmica da crise
econômica mundial (São Paulo: Editora Sundermann, 2009) e Entre a
nação e a barbárie: os dilemas do capitalismo dependente
(Petrópolis: Vozes, 1990).
TEMER JÁ CAIU, MAS PODE DEMORAR PARA CHEGAR AO CHÃO
IHU On-Line
Como o senhor analisa a atual conjuntura política, com o revés da
cassação da chapa Dilma-Temer? Quais devem ser os impactos
políticos e econômicos desta decisão?
Plínio de Arruda Sampaio Jr
Temer já caiu, mas pode demorar para chegar ao chão. Depois da
Greve Geral do 28 de abril e da delação de Joesley, sua
autoridade política ruiu. Ele pode até encontrar força
parlamentar para não ser deposto, mas dificilmente governará da
maneira despótica como vinha fazendo. O presidente é um
morto-vivo. Passará todos os dias restantes de sua presidência
lutando desesperadamente para permanecer no cargo. Sabe que se for apeado do
poder será preso. A debilidade de Temer não diminui em nada o
caráter altamente nefasto de seu governo. Para que a plutocracia
não aproveite sua extrema vulnerabilidade para aprofundar as medidas
regressivas do ajuste neocolonial, é fundamental que o povo esteja
alerta e mobilizado. Se os trabalhadores saírem das ruas, a ofensiva
reacionária não será derrotada.
O que se viu no julgamento do TSE foi um conluio entre PSDB, PMDB e PT para
manter Temer na presidência. O PSDB que impetrou o pedido de
anulação da Chapa [Lista] Dilma-Temer, já não tinha
o menor interesse na sua deposição e mobilizava sua artilharia
nas altas esferas do judiciário para salvar a pele do presidente. O
advogado do PT, ignorando a consigna "Fora Temer", desdobrava-se pelo
"Fica Temer". As forças políticas que se alinham em
torno do objetivo de "estancar a sangria" são poderosas,
congregam todos os espectros dos partidos da ordem, possuem amplas
ramificações no Judiciário, e resistem com
desfaçatez e tenacidade à cruzada moralizadora que ameaça
suas posições no interior do aparelho de Estado. Quando os
interesses comuns na preservação do status quo ficam
ameaçados, a guerra de foice entre petistas, peemedebistas e tucanos
pelo controle do aparelho de Estado é suspensa. No momento de viabilizar
a anistia da corrupção, impulsionar o ajuste neoliberal e evitar
instabilidades políticas que possam acirrar a luta de classes, os
partidos da ordem atuam como irmãos siameses.
Ignorando as provas cabais de financiamento ilícito da Chapa
Dilma-Temer, a decisão do TSE aprofundou a crise política e
aumentou a descrença nas instituições. A
exposição detalhada das relações promíscuas
entre empresários e políticos reforçou o sentimento de que
"todos os políticos são corruptos". A incoerência
e a falta de compostura do PT e do PSDB no episódio agravaram a
desmoralização dos partidos políticos. A
racionalização da corrupção como um "mal
necessário" da vida política, em rede nacional de
televisão, reafirmou a convicção de que a justiça
brasileira é completamente arbitrária. Obedecendo ao ditame de
que "para os amigos tudo, para os inimigos, a lei", Gilmar Mendes
enterrou o TSE. A metástase da crise política chegou
definitivamente ao Judiciário.
O CONGRESSO NACIONAL É O SUSTENTÁCULO DA REPÚBLICA DOS
DELINQUENTES
IHU On-Line
No Congresso, o senhor vê alguma possibilidade de que os pedidos de
impeachment contra Temer prosperem?
Plínio de Arruda Sampaio Jr
O Congresso Nacional é o sustentáculo da
República dos Delinquentes
. Todos os partidos da ordem, inclusive o partido da presidente deposta,
trabalham com afinco para "estancar a sangria". Os parlamentares
só se colocarão contra Temer se forem acuados por uma
rebelião popular. Enquanto não se sentirem ameaçados,
defenderão com unhas e dentes seu chefe no Planalto e resistirão
desavergonhadamente à ofensiva da operação "Fora
Todos" liderada pelo Ministério Público Federal e pela Rede
Globo.
IHU On-Line
O mercado financeiro deu um voto de "confiança" a Temer mesmo
diante de todos os escândalos políticos. O atual presidente
continua sendo a opção do mercado porque ainda é a
tábua de salvação para garantir as reformas?
Plínio de Arruda Sampaio Jr
O mercado financeiro pisa em ovos. É impossível montar as
gigantescas redes de corrupção desvendadas pelo Ministério
Público sem a participação ativa de bancos. A
relação da alta finança com Temer e Meirelles é
íntima e delicada. Não há dúvida de que o
agravamento da crise política e o progressivo enfraquecimento de Temer
comprometem sua capacidade de comandar a guerra aberta contra os trabalhadores
a essência do ajuste neoliberal. No entanto, o
"mercado", termo utilizado para camuflar os imperativos do grande
capital, não tem muita alternativa. Enquanto não encontrar
alguém capaz de continuar o trabalho sujo (iniciado, diga-se de
passagem, por Dilma), a plutocracia ficará encalacrada com Temer.
IHU On-Line
Como avalia as tentativas do governo em tentar retomar o crescimento
econômico? Elas têm se mostrado uma estratégia
política, econômica e social insuficiente?
Plínio de Arruda Sampaio Jr
Após décadas de especialização regressiva na
divisão internacional do trabalho, o crescimento da economia brasileira
depende basicamente da recuperação das vendas externas. Como o
comércio internacional continua patinando, não há como
esperar uma retomada do crescimento. Factoides de que o pior já passou
não atuam sobre a realidade. Num ambiente de grande incerteza, a
redução das taxas de juros não é suficiente para
incentivar o aumento da demanda agregada. Se a massa salarial diminui, a falta
de confiança em relação ao futuro paralisa as
decisões de investimentos e a política de austeridade fiscal
contrai os gastos públicos, não há como esperar uma
recuperação do crescimento.
Os efeitos do ajuste ortodoxo sobre o crescimento são incertos e
demorados. No curto prazo, as medidas que compõem o receituário
neoliberal buscam apenas atenuar o impacto da crise sobre as empresas,
recompondo a rentabilidade do capital pela diminuição dos gastos
com salário e tributos; abrindo oportunidades de negócios para o
capital excedente pela privatização dos serviços
públicos, isto é, transferindo patrimônio público
para as empresas; e permitindo que a riqueza privada tenha possibilidade de se
valorizar ficticiamente na dívida pública, pela garantia de sua
sustentabilidade intertemporal, ou seja, pela sacralização do
ajuste fiscal permanente. Os efeitos de longo prazo do ajuste ortodoxo sobre o
crescimento dependem de um conjunto de fatores altamente indeterminados que
condicionarão a posição da economia brasileira na nova
divisão internacional do trabalho. Entre o curto e o longo prazo, o
país fica no limbo, à espera de dias melhores, amargando uma
longa estagnação.
IHU On-Line
Tem sido possível garantir a manutenção da empregabilidade
e mesmo a abertura de novos postos de trabalho no contexto? Como avalia a
situação da empregabilidade no país no atual momento?
Plínio de Arruda Sampaio Jr
Para quem vive do próprio trabalho e depende de políticas
públicas, o ajuste neoliberal é um inferno. É, portanto,
fundamental iludir a opinião pública de que o pior já
passou ou está prestes a passar. Há dez anos o Fundo
Monetário Internacional FMI repete que a crise mundial
terminará no próximo semestre. Daí a importância do
controle absoluto sobre os meios de comunicação. Se os
trabalhadores tivessem acesso a uma visão crítica da realidade,
jamais aceitariam as mentiras que são ditas para justificar uma
política econômica completamente comprometida com os
negócios do grande capital.
SE OS TRABALHADORES TIVESSEM ACESSO A UMA VISÃO CRÍTICA DA
REALIDADE, JAMAIS ACEITARIAM AS MENTIRAS QUE SÃO DITAS PARA JUSTIFICAR
UMA POLÍTICA ECONÔMICA COMPLETAMENTE COMPROMETIDA COM OS
NEGÓCIOS DO GRANDE CAPITAL
Quem acreditou na estória de que a chegada de Temer resolveria a crise,
caiu do cavalo. Depois de sofrer uma contração de quase 4% em
2016, a economia brasileira encontra-se estagnada. Em 2017, o desempenho do PIB
deve ficar entre -0,5 e 0,5%. Não há nada que permita imaginar
que 2018 possa ser muito diferente. A situação do mercado de
trabalho é dramática. Depois que Temer assumiu o governo, a taxa
de desemprego aumentou para 14% e mais de 1,6 milhão engrossaram o
exército de desempregados.
O Brasil tem 14,2 milhões de desempregados, um contingente populacional
equivalente à força de trabalho conjunta da Argentina e do
Uruguai. Para além das flutuações esporádicas,
não há nada que indique uma reversão do quadro de profunda
prostração do mercado de trabalho. O emprego reage às
flutuações do nível de atividade com defasagem. Logo,
mesmo que o crescimento volte com alguma intensidade no futuro, demorará
muito tempo para que a economia brasileira consiga absorver as pessoas que
foram jogadas no desemprego. Na crise de 1980, a absorção dos
desempregados demorou praticamente uma década.
IHU On-Line
Como o senhor analisa o atual Congresso Nacional, que está imerso em
escândalos de corrupção, com 167 deputados e 28 senadores
financiados pela JBS? Qual a legitimidade desse Congresso para aprovar as
reformas trabalhistas ou quaisquer outras pautas, até mesmo a
cassação de pares?
Plínio de Arruda Sampaio Jr
As investigações judiciais comprovaram o que todos sabiam. A
corrupção é um elemento estrutural do padrão de
acumulação e dominação do capitalismo brasileiro.
As delações dos altos executivos do capital são
didáticas. O capital é o elo dominante da relação
criminosa. Os partidos são comprados pelos empresários. Os
políticos funcionam com despachantes de interesses privados nos
aparelhos de Estado. Sem a relação promíscua do capital
com o Estado, a burguesia brasileira não duraria um dia.
Não deve causar estranheza que o verdadeiro objetivo da
operação "pega ladrão" em curso, por mais
paradoxal que possa parecer, não seja erradicar a
corrupção. Os paladinos da moralização
Janot, Moro, Teori Zavascki e Fachin não vão à raiz
do problema. As investigações são seletivas. O sistema
financeiro é blindado de qualquer investigação e, no
entanto, é impossível a lavagem de dinheiro sem a cumplicidade
explícita dos bancos. O capital estrangeiro é poupado de qualquer
investigação. A ramificação da rede criminosa no
sistema judiciário e na grande mídia é negligenciada.
Políticos corruptos e empresários corruptores recebem tratamento
diferenciado. Os primeiros são presos e achincalhados. Os segundos
as grandes empresas que se beneficiam do assalto ao Estado
safam-se da cruzada moralizante, às vezes um pouco chamuscados, mas sem
maiores reveses. Com a benção do Ministério Público
e do Supremo Tribunal Federal, os acordos de delação livram os
burgueses; e os acordos de leniência isentam o capital. No final, sob a
aparência de uma faxina geral, permanece tudo como dantes. A engrenagem
do roubo não é abalada. As relações
promíscuas entre o grande capital e o Estado permanecem
incólumes. A operação "Fora Todos" apenas
prepara o caminho para uma "modernização" dos esquemas
de intermediação espúria dos interesses do capital nos
aparelhos de Estado, adaptando-os às novas exigências do
padrão de acumulação.
O verdadeiro objetivo da operação Fora Todos é colocar o
poder político na defensiva a fim de abrir espaço para o
avanço acelerado da ofensiva do capital. Desmoralizada, "a
política" não tem como conter a ofensiva do capital contra o
trabalho e assume integralmente uma agenda de desmonte da Nação
que jamais seria aprovada pelas urnas. Nesse contexto, a autoridade do
parlamento para modificar a Constituição é nula. As
Emendas Constitucionais aprovadas nos últimos anos, muitas delas, em
manobras parlamentares espúrias, na calada da noite, não passaram
pelo crivo da vontade popular e devem ser todas revogadas com a máxima
urgência.
IHU On-Line
Qual sua leitura da esquerda na atual conjuntura política? Ela tem
conseguido oferecer algum tipo de resposta ou saída da crise à
esquerda? Ainda nesse sentido, que futuro vislumbra para a esquerda brasileira?
Plínio de Arruda Sampaio Jr
A tarefa da esquerda socialista é enfrentar a barbárie
capitalista. Para tanto, precisa colocar na ordem do dia a necessidade de
transformações que ataquem as causas estruturais dos problemas
responsáveis pelas mazelas do povo. Elas são conhecidas: a
perpetuação da segregação social, a continuidade de
dependência externa e as taras do capital. A tarefa da esquerda é
fazer a revolução brasileira. O primeiro passo é afirmar a
necessidade histórica de uma ruptura radical com a ordem global. Sem o
fim da Lei de Responsabilidade Fiscal, é impossível imaginar
políticas públicas. Sem centralizar o câmbio, é
impossível defender a economia brasileira dos ataques desestabilizadores
do capital internacional. Sem subordinar a gestão da moeda a uma
política de recuperação da economia nacional, é
impossível combater o rentismo.
A MISÉRIA DO POSSIBILISMO
Sem ousadia e radicalidade, a esquerda esteriliza-se e corre o risco de se
transformar em linha auxiliar da esquerda da ordem. A miséria do
possível é uma armadilha que circunscreve as alternativas da
sociedade à possibilidade de graduar o ritmo e a intensidade da marcha
para a barbárie. Se não houver uma luz no fim do túnel que
aponte uma saída civilizada para o grande impasse histórico que
ameaça a sociedade brasileira, abre-se a brecha para que qualquer
aventureiro acenda um fósforo e se apresente como salvador da
pátria. A esquerda socialista tem uma grande responsabilidade
histórica. É a invisibilidade de uma saída civilizada que
alimenta o crescimento da barbárie. É a esterilidade da esquerda
que alimenta o crescimento da ultradireita.
IHU On-Line
Como o senhor vê a possibilidade de realização de
eleições diretas? Até que ponto isso seria possível?
OS PALADINOS DA MORALIZAÇÃO JANOT, MORO, TEORI ZAVASCKI E
FACHIN NÃO VÃO À RAIZ DO PROBLEMA
Plínio de Arruda Sampaio Jr
A eleição direta é um pleito legítimo. Sem o crivo
do voto, o poder é ditatorial. A imposição de uma agenda
de contrarreformas espúrias que vai na contramão da vontade da
cidadania caracteriza uma situação de violência
inaceitável que convoca a população à
desobediência civil. Eleições diretas é, portanto,
uma necessidade real. Contudo, ela não pode ficar restrita à
eleição de presidente, pois é todo o Congresso que
está apodrecido.
Contudo, a convocação de eleições gerais
também não é suficiente para sanar a crise
política. Não adianta nada trocar pessoas. Se as regras do jogo
não mudarem, sai um Eduardo Cunha e entra outro. É o sistema
político como um todo que precisa ser livre do controle absoluto do
capital. É isso que as delações deixam cristalino (mas que
o Judiciário não tira as consequências). Portanto, a
solução da crise política passa por uma
refundação do sistema político. Para não ser um
aberto embuste, a democracia pressupõe: plena liberdade de
organização política, proibição de
financiamento empresarial aos partidos, rígidos tetos de gastos nas
campanhas eleitorais, revogação de mandatos eletivos que violarem
os compromissos com os eleitores, ampla democratização dos meios
de comunicação a fim de libertar o debate público da
ditadura do grande capital, o que implica a imediata revogação da
concessão da Rede Globo, SBT etc. Evidentemente, uma mudança
dessa envergadura não seria possível sem uma ruptura profunda com
o status quo, o que só seria possível no contexto de uma
verdadeira revolução democrática.
IHU On-Line
Por ocasião das investigações da Lava Jato e depois
durante o processo de retirada de Dilma Rousseff do Planalto, muito se falou
que esses fatos indicavam um "fortalecimento das
instituições" nacionais. Todavia, a cada dia que passa, a
frase de Jucá "É preciso um grande acordo, com o Supremo,
com tudo" tem parecido mais trágica e verdadeira. Nesse contexto,
para onde estão indo nossas instituições?
Plínio de Arruda Sampaio Jr
A Nova República está ruindo. A radiografia da
corrupção pelo Ministério Público e sua
espetacularização pelos grandes meios de
comunicação trucidaram o sistema político brasileiro e
todas as suas instituições. A decisão do TSE de inocentar
a chapa Dilma-Temer foi um escárnio. O Judiciário foi
irremediavelmente contaminado pela crise política.
A crise que abala a República expressa a exaustão da democracia
de cooptação cristalizada no pacto político que
institucionalizou a democracia restrita implantada em 1964. Assim como a crise
de 1929 destruiu a República Velha, a crise de 2015 está
destruindo a Nova República. O fim do reinado do café acabou com
a supremacia da oligarquia cafeeira. A crise terminal do processo de
industrialização por substituição de
importações exige um novo padrão de
dominação. Em última instância, a causa da crise
política reside na absoluta incompatibilidade entre as promessas de um
capitalismo com um patamar mínimo de civilidade expressas na
Constituição de 1988 e a dura realidade de uma sociedade em
reversão neocolonial.
A resposta reacionária à crise econômica aprofunda e
acelera o movimento de rebaixamento do patamar mínimo de civilidade
conquistado a duras penas no último século. Assim como a
política social não cabe no regime de austeridade imposto pelas
grandes finanças e os direitos trabalhistas não cabem nos
cálculos de rentabilidade dos empresários, o padrão de
dominação baseado na democracia de cooptação
não cabe nos planos de ajuste ortodoxo e no padrão de
acumulação baseado na produção de
commodities
para o mercado internacional.
A crise da Nova República comporta duas soluções. A
resposta do capital requer o estreitamento ainda maior da já bem
rebaixada democracia brasileira, o que pressupõe a
liquidação da Constituição de 1988. É o
vetor que está prevalecendo. É uma solução para a
crise de poder que aponta para um perigoso recrudescimento do autoritarismo e
da violência política. A alternativa, a resposta do trabalho,
passa pelo caminho inverso, uma ampliação radical do
espaço democrático, o que supõe a busca de uma
solução para a crise econômica que não leve ao
aprofundamento da inserção subalterna na ordem global.
IHU On-Line
Tanto o Brasil quanto a América Latina têm pautado grande parte de
suas políticas públicas a partir de um paradigma
desenvolvimentista ou neodesenvolvimentista. Esse modelo não chegou aos
seus limites? Que alternativas emergem e podem resgatar a cidadania das
populações mais vulnerabilizadas?
É A HORA E A VEZ DE COLOCAR A REVOLUÇÃO BRASILEIRA NA
ORDEM DO DIA
Plínio de Arruda Sampaio Jr
Existe muita confusão sobre o que significa desenvolvimento. Entendido
como a luta dos povos que vivem na periferia do capitalismo para submeter a
acumulação de capital aos desígnios da sociedade nacional,
estabelecendo um patamar mínimo de civilidade para a vida social
o entendimento de nossos grandes intérpretes, Caio Prado Jr, Florestan
Fernandes, Celso Furtado , o desenvolvimentismo terminou no Brasil em
1964, quando a burguesia derrotou as reformas de base e consolidou o
capitalismo como um capitalismo dependente. A partir daí, a economia
brasileira tornou-se território livre para tenebrosas
transações. De lá para cá, o Brasil teve
períodos breves de alto crescimento, como o chamado
"milagre econômico"; alguns momentos de crescimento
razoável, como o efêmero "neodesenvolvimentismo" de
Lula; prolongadas fases de estagnação, como os oito anos de FHC;
e momentos de recessão aguda, como a década de 1980, e a que se
vislumbra agora, com a crise instalada em 2015. Até a crise da
dívida externa e os planos de ajuste liberais, os negócios do
capital vieram acompanhados de avanço na industrialização
por substituição de importações. Depois do ajuste
ortodoxo comandado pelo FMI e da inserção na ordem global, a
acumulação de capital veio acompanhada de um processo
irreversível de desindustrialização que comprometeu
irremediavelmente as bases materiais da economia nacional. Enfim, pelo menos
desde 1964, a utopia do desenvolvimento nacional não está mais
inscrita no campo de possibilidades da sociedade brasileira.
O chamado neodesenvolvimentismo é, portanto, uma grande farsa. A
integração da economia mundial impulsionada pela
globalização dos negócios solapou as bases objetivas e
subjetivas de um desenvolvimento capitalista nacional. A modesta prosperidade
material dos anos Lula foi condicionada por um ciclo de crescimento puxado pelo
boom do comércio internacional. Quando o boom acabou, a economia
despencou e o caráter subdesenvolvido e dependente da economia
brasileira veio rapidamente à tona.
Nos marcos da ordem global, o capitalismo de nosso tempo, é simplesmente
impossível resgatar um processo civilizador. Dentro da ordem burguesa,
não há luz no fim do túnel. A crise estrutural do capital
coloca no horizonte o recrudescimento da barbárie capitalista. No
Brasil, a barbárie tem a cara de um processo de reversão
neocolonial que está nos levando ao século XIX. Qualquer
solução civilizada para os problemas que infernizam a vida dos
brasileiros passa por profundas mudanças estruturais. É a hora e
a vez de colocar a revolução brasileira na ordem do dia. Essa
é a conversa séria capaz de abrir novos horizontes para a
sociedade brasileira.
IHU On-Line
Deseja acrescentar algo?
Plínio de Arruda Sampaio Jr
Agradeço a rara oportunidade de apresentar uma visão da realidade
que contraria o senso comum e que se contrapõe aos interesses mercantis
que controlam ditatorialmente o debate público.
27/Junho/2017
[*]
Economista, Professor da Universidade Estadual de Campinas.
O original encontra-se em
www.ihu.unisinos.br/...
e em
https://pcb.org.br/portal2/14880
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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