Obituário de um povo
Ao que tudo indica, o que ainda resta de povo brasileiro independente
morrerá nos dias 14 e 15 de maio próximos. Como um povo sem
independência não passa de gado pacífico e, para não
deixar tudo para a última hora, começo a preparar o seu
obituário. Depois do nome do falecido, "Povo Brasileiro
Independente", vem a mensagem fúnebre:
"Com muita tristeza, cumpre-nos o infeliz dever de comunicar a passagem do
povo brasileiro independente. Doloridamente, informamos que o enfermo vinha,
há anos, sofrendo de doença drenadora da sua energia vital. No
passado, a doença era conhecida como 'entreguismo' e, hoje, é
mais reconhecida como 'neoliberalismo' acoplado a 'globalização'.
Nela, as veias da sociedade estão abertas e conectadas a sanguessugas
externas, que drenam as riquezas naturais e os lucros obtidos no
país".
"Este povo descende de índios guerreiros, brasileiros
originários, que tinham o pecado de serem atrasados tecnologicamente.
Suas terras foram invadidas, há 513 anos, por usurpadores europeus e
brancos. Estes, sem escrúpulos para dominar, mataram os que não
aceitavam serem escravos, não importando se eram praticamente todos.
Não contentes, trouxeram povos da África para trabalhar à
força e, assim, se fartarem com este capitalismo cruel. Posteriormente,
outros imigrantes, forçados por guerras e pela fome de outras terras,
aqui desembarcaram para contribuir com sua força de trabalho para a
então incipiente transferência de mais valias. Então, esta
mescla de povos de diversas origens compõe o brasileiro, que tem sido
secularmente explorado por locais e estrangeiros. Durante sua existência,
o brasileiro tem tido períodos de conquista de graus de
independência e, infelizmente, outros de perda".
"Com a chegada da modernidade, a sofisticação e a
desfaçatez do sistema de exploração atingiram seus auges.
Foi criado um arcabouço jurídico e institucional dissimulado, em
que a principal drenagem de sangue do paciente se dá para o exterior.
Entretanto, graças à sofisticação, não
existem mais grilhões, pelourinhos e açoites, para se terem
súditos servis, bastando somente existir canais de mídia, que
desinformam e criam alienados facilmente manipuláveis. Ajudam a
manipulação, também, os políticos, representantes
dos usurpadores, que administram o sistema, permitindo o sangue do moribundo se
esvair. A escravidão atual se estabelece pela negação
à instrução e à informação correta,
que permitiriam existir a cidadania".
"O pouco que restava do povo brasileiro independente deu seu último
suspiro nos dias 14 e 15 de maio de 2013, quando aconteceu a décima
primeira rodada de leilões de blocos do território nacional para
exploração de petróleo, a maior doação de
patrimônio público a grupos estrangeiros já promovida pelo
governo brasileiro, desde nossa independência. Não foram
incluídos os anos como colônia, porque não se sabe o valor
exato do ouro roubado por Portugal. Estima-se que o super-lucro, acima de um
lucro normal, das empresas estrangeiras com esta rodada será de US$ 675
mil milhões, a serem realizados em 25 anos, valor que nenhum governante
poderia doar, mesmo havendo a pequena compensação para nosso
povo, que são os royalties".
"O cortejo fúnebre será observado em cada petroleiro que
encostar em uma plataforma, na nossa costa, e zarpar com seu casco cheio do
nosso petróleo indo para algum lugar no exterior, durante 25 anos. Ele
deixará aqui a falta de recursos para educação,
saúde, saneamento, habitação, transporte, ciência e
tecnologia, meio ambiente e tudo mais que irá representar um baixo
IDH".
Este obituário está pronto. Temo pelo pior que pode acontecer nos
dias fatídicos 14 e 15. Mas ainda tenho grande esperança que a
presidente Dilma irá reconhecer os danos contundentes desta entrega e
irá cancelá-la. Alerto a presidente que o presidente da Shell
não lhe disse, na recente audiência concedida, que, se ganhar
blocos, não irá comprar plataformas no Brasil, não
encomendará desenvolvimentos aqui e, como consequência,
gerará muito poucos empregos no país, levará toda a
produção do nosso petróleo para o exterior, não
construirá refinarias e oleodutos aqui, e não venderá o
petróleo para a Petrobras. Enfim, não ajudará o
abastecimento do Brasil, nem o desenvolvimento brasileiro. Contudo,
pagará os 10% de royalties, e só não pagará mais
impostos porque a lei Kandir o impede.
É interessante notar o mundo fictício de ênfases
tendenciosas, criado pela mídia. Sobre o mensalão, foram dadas as
mais variadas cifras como prejuízo infligido à
nação, dependendo da fonte da informação. Mas
nenhuma delas, por pesquisa na internet, suplantou o valor de R$ 100
milhões. Pois bem, ouvimos sobre este caso durante uns três meses,
todos os dias, cobertura jornalística farta. Este valor é cerca
de 13.000 vezes menor que o atual roubo do petróleo e, no entanto, a
mídia divulga praticamente nada sobre esta rodada.
Aproveito para dar um recado aos representantes das petroleiras estrangeiras. A
revogação das concessões desta 11ª rodada, se ela
ocorrer, em ano futuro, é algo possível, com a
alegação verdadeira de que o povo não foi consultado sobre
a realização da rodada e, se fosse esclarecido e indagado, teria
negado sua realização. O contra-argumento, que os contratos de
concessão são atos jurídicos perfeitos e, por isso, devem
ser respeitados, poderá não prevalecer, à medida que o
sistema escolhido para expressar a vontade popular foi imperfeito.
07/Maio/2013
Ver também:
Halliburton administra o banco de dados do petróleo brasileiro
, 05/Ago/08
Governo Lula dá prenda de Natal ao capital imperialista
, 25/Dez/08
Brasil leiloa outra vez o seu petróleo
, 22/Out/05
Agência Petroleira de Notícias
Associação dos Engenheiros da Petrobrás
[*]
Conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro.
O original encontra-se em
http://paulometri.blogspot.com.br/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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