A reeleição e a política econômica
Dá-se como praticamente certa a vitória do presidente Lula no
primeiro turno
[1]
. Algumas projeções podem ser feitas. Assoma um
grupo de questões. É visível a menor
contribuição do PT para esta reeleição.
Aliás, este partido provavelmente deve minguar. Uma fração
expressiva deu origem a uma candidatura e pelo menos outro partido. Quadros que
estiveram historicamente ao lado do presidente estão descartados.
Há uma clara migração do voto da fração
politizada de classe média para outras candidaturas. Em contrapartida, o
presidente viu crescer sua aprovação nas frações
populares e menos favorecidas de nosso corpo social. Neste mesmo
exercício, o Programa Bolsa Família
[2]
deverá gastar pouco menos de R$ 8 mil milhões
[3]
. Onze milhões de famílias assistidas estarão votando em
Lula.
Tudo se passa como se, eleitoralmente, os R$ 8 mil milhões
neutralizassem a mais espantosa concentração de renda e riqueza
do planeta
[4]
, praticada pelo governo brasileiro. Este ano, os juros de dívida
pública serão superiores a R$ 160 mil milhões.
O Brasil continua praticando a mais repugnante taxa de juros real e permitindo
que o caixa das empresas seja aplicado como "poupança
financeira". O professor Marcio Pochmann, da Unicamp
[5]
, mostra que 70% destes mil milhões vão para apenas 20 mil
famílias. O Brasil neoliberal de FHC e de Lula é o paraíso
do rentismo. Simultaneamente, nossos bancos são campeões de
crescimento.
Apesar de a economia estar estagnada, os lucros reais vêm quebrando
recorde ano após ano. O presidente da Febraban
[6]
afirma sua grande satisfação com o atual governo. Diz que Lula
fez tudo que os banqueiros queriam. Contudo, os muito ricos principais
beneficiários da política de juros talvez ainda assim
preferissem Alckmin.
[7]
A aposta eleitoral de Lula teve êxito. Ao assinar a Carta aos
Brasileiros, abrindo mão das convicções de seu passado
histórico, fez a escolha certa. Deve estar se sentindo como um
herói que cresce nas tempestades. Ganhando no primeiro turno,
robustecerá suas convicções. Ao encostar a cabeça
no travesseiro, pensará quão genial foi em suas
intuições: servir aos muito ricos e distribuir migalhas
aos muito pobres. Hoje, certamente anda convencido de sua imunidade a qualquer
escândalo. Ao abandonar sua postura crítica à
política econômica neoliberal e ao praticar uma
rotação nas alianças conseguiu, com sua
preocupação popular, conquistar a reeleição.
Delfim Netto
[8]
, membro recente do PMDB, aparece como o novo (?) conselheiro da plutocracia e
provável inspirador da política econômica do segundo
mandato. Tanto a Fiesp
[9]
quanto a Febraban estão preparando sugestões para o segundo
governo Lula. O PMDB das capitanias hereditárias será o
braço político-partidário para consolidar a nova
gestão. Recomenda Delfim a continuidade da política de elevados
superávits primários
[10]
. Considera a carga tributária extremamente elevada e recomenda conter
e comprimir adicionalmente os gastos públicos federais.
Esta é, para Delfim, a fórmula de redução de juros
reais, e o caminho para baixar o patamar da dívida pública.
Após o Plano Real a dívida pública líquida, que era
33% do PIB no início dos anos 1990, cresceu para 50%. O imenso
superávit primário fiscal e sua correlata
degradação da infra-estrutura e das políticas
públicas não inverteu a tendência ascensional. Na
última década em que o Brasil permanece praticamente
estagnado o gasto público tem oscilado um ponto para cima e um
ponto para baixo em torno de 17% do PIB. Lula aceita a blindagem do gasto
público
financeiro. Durante todo o primeiro mandato aceitou, passivamente, a
santificação da taxa de juros. O Doutor Meirelles
[11]
foi a figura ascendente.
A crença e o interesse na intocabilidade dos juros conduz Delfim,
Febraban e Fiesp a preconizar o corte do gasto não-financeiro. Somente
é possível reduzi-lo às custas de uma escalada na
deterioração das condições de
educação, saúde e segurança; da
desqualificação definitiva do servidor público; da passiva
observação dos leitos de rodovia se converterem em puro buraco
etc.
Subsidiariamente, esta linha propõe uma reforma previdenciária
que imponha perdas dinâmicas para os aposentados e pensionistas. O
presidente Lula não ouvirá as vozes que se contrapõem
à política econômica recessiva e pró-rentistas.
Continuará ouvindo as vozes que lhe ditaram o conteúdo da Carta
aos Brasileiros. Apesar de servir os rentistas, considera-se autor de uma
redistribuição (?) da renda nacional. Afinal, no seu primeiro
mandato que ampliou substantivamente o Bolsa Família, estimulou o
mini-crédito, concedeu incentivo rural, e deu continuidade à
política de elevação do salário mínimo.
A aprovação pelo voto lhe confirmará que esteve no caminho
certo. Continuará desconhecendo os avisos anti-Febraban. Não
será surpresa se o Doutor Meirelles vier ser o futuro ministro da
Fazenda, para executar a política de endurecimento fiscal e sinalizar,
de forma inequívoca, a continuidade do paraíso rentista. O juro
alto no Brasil é a atração para o investimento estrangeiro
e a forma pela qual Lula poderá continuar a servir aos muito ricos e
criar algumas novas benesses para os muito pobres. A economia continuará
medíocre e o desemprego em expansão. À juventude
restará um sonho: emigrar.
30/Agosto/2006
Notas de resistir.info
1- A primeira volta dass eleições presidenciais brasileiras será em 3 de
Outubro próximo.
2- Programa assistencialista que distribui migalhas à
população marginalizada.
3- 1 = R$ 2,73
4- O Coeficiente de Gini do Brasil é comparável ao da Serra Leoa,
na África
5- Universidade Estadual de Campinas
6- Federação Brasileira de Bancos
7- Membro da Opus Dei que é o candidato à presidência
apoiado pelo ex-presidente F. H. Cardoso.
8- Ministro das Finanças no tempo da ditadura militar. É
considerado o autor do chamado "Milagre brasileiro", que arruinou o
país.
9- Federação das Indústrias do Estado de S. Paulo
10- Superávite primário = (Total da
arrecadação fiscal) - (Despesas correntes e de capital das
autarquias municipais, estaduais, federal e empresas estatais). O FMI exigiu
ao Brasil que o superávite primário não excedesse 3,75% do
PIB, de modo a que sobrasse bastante para pagar o serviço da
dívida externa aos credores da Wall Street. O governo Lula esmerou-se
no cumprimento desta exigência e foi além do limite que lhe fora
fixado.
11- É o gerente da Wall Street no Brasil. Ocupa o cargo de governador do banco
central.
[*]
Economista, professor e ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social no
primeiro mandato do governo Lula.
O original encontra-se em
www.valoronline.com.br
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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