A guerra no Rio de Janeiro
A farsa e a geopolítica do crime
por José Claudio S. Alves
[*]
Nós que sabemos que o "inimigo é outro", não
podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante
no Rio querem nos empurrar.
Achar que as várias operações criminosas que vem se
abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias, fazem
parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças publicas de
segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar
que nem mesmo a ficção do
Tropa de Elite 2
[1]
consegue sustentar tal versão.
O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no
Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos cinco anos.
De um lado, milícias, aliadas a uma das facções
criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à
perda da hegemonia.
Exemplifico. Em Vigário Geral, a polícia sempre atuou matando
membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a
invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há
quatro anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se
pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o líder da
facção hegemônica foi assassinado pela milícia.
Hoje, a milícia aluga as duas favelas para a facção
criminosa hegemônica.
Processos semelhantes a estes foram ocorrendo em várias favelas. Sabemos
que as milícias não interromperam o tráfico de drogas,
apenas o incluíram na lista dos seus negócios juntamente com gato
net, transporte clandestino, distribuição de terras, venda de
bujões de gás, venda de voto e venda de
"segurança".
Sabemos igualmente que as UPPs
[2]
não terminaram com o tráfico e sim com os conflitos. O
tráfico passa a ser operado por outros grupos: milicianos,
facção hegemônica ou mesmo a facção que agora
tenta impedir sua derrocada, dependendo dos acordos.
Estes acordos passam por miríades de variáveis: grupos
políticos hegemônicos na comunidade, acordos com
associações de moradores, voto, montante de dinheiro destinado ao
aparato que ocupa militarmente, etc.
Assim, ao invés de imitarmos a população estadunidense que
deu apoio às tropas que invadiram o Iraque contra o inimigo Sadam
Husein, e depois, viu a farsa da inexistência de nenhum dos motivos que
levaram Bush a fazer tal atrocidade, devemos nos perguntar: qual é a
verdadeira guerra que está ocorrendo?
UMA GUERRA PELA HEGEMONIA DO CRIME
Ela é simplesmente uma guerra pela hegemonia no cenário
geopolítico do crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
As ações ocorrem no eixo ferroviário Central do Brasil e
Leopoldina, expressão da compressão de uma das
facções criminosas para fora da Zona Sul, que vem sendo saneada,
ao menos na imagem, para as Olimpíadas.
Justificar massacres, como o de 2007, nas vésperas dos Jogos Pan
Americanos, no complexo do Alemão, no qual ficou comprovada, pelo laudo
da equipe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República, a existência de várias execuções
sumárias é apenas uma cortina de fumaça que nos faz
sustentar uma guerra ao terror em nome de um terror maior ainda, porque oculto
e hegemônico.
Ônibus e carros queimados, com pouquíssimas vítimas,
são expressões simbólicas do desagrado da
facção que perde sua hegemonia buscando um novo acordo, que
permita sua sobrevivência, afinal, eles não querem destruir a
relação com o mercado que o sustenta.
A farsa da operação de guerra e seus inevitáveis mortos,
muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a
hegemonia do crime no tabuleiro geopolítico do Grande Rio, serve apenas
para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual
à paz e ausência de crime, sem perceber que a
hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos,
muitos diretamente envolvidos com o aparato policial, como a CPI
[3]
das Milícias provou, perpetua nossa eterna desgraça: a de
acreditar que o mal são os outros.
Deixamos de fazer assim as velhas e relevantes perguntas: qual é a atual
política de segurança do Rio de Janeiro, que convive com
milicianos, facções criminosas hegemônicas e áreas
pacificadas que permanecem operando o crime? Quem são os nomes por
trás de toda esta cortina de fumaça, que faturam alto com
bilhões gerados pelo tráfico, roubo, outras formas de crime,
controles milicianos de áreas, venda de votos e
pacificações para as Olimpíadas? Quem está por
trás da produção midiática, suportando as tropas da
execução sumária de pobres em favelas distantes da Zona
Sul? Até quando seremos tratados como estadunidenses suportando a tropa
do bem na farsa de uma guerra, na qual já estamos há tanto tempo,
que nos faz esquecer que ela tem outra finalidade e não a hegemonia no
controle do mercado do crime no Rio de Janeiro?
Mas não se preocupem. Quando restar o Iraque arrasado sempre
surgirá o mercado financeiro, as empreiteiras e os grupos
imobiliários a vender condomínios seguros nos Pontos Maravilha da
cidade.
Sempre sobrará a massa arrebanhada pela lógica da guerra ao
terror, reduzida a baixos níveis de escolaridade e de renda que, somadas
à classe média em desespero, elegerão seus algozes e o
aplaudirão no desfile de 7 de setembro, quando o caveirão
[4]
e o Bope passarem.
28/Novembro/2010
1. Segunda versão do filme
Tropa de elite.
Ver
O veneno da mensagem em Tropa de Elite 1 e 2
2. UPPs: As chamadas Unidades de Polícia Pacificadora
3. CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito
4. Caveirão: alcunha de viatura blindada utilizada pela Polícia
Militar do Rio de Janeiro
Ver também:
Repúdio ao revide violento das forças de segurança pública no Rio de Janeiro, e às violações aos direitos humanos que vêm sendo cometidas
Ocupação militar das comunidades desencadeou ataques
La "guerra" brasileña
A crise no Rio e o pastiche midiático
[*]
Sociólogo da UFRRJ
O original encontra-se em
pcb.org.br/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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