O extermínio das empresas brasileiras
A Varig é mais uma das centenas de milhares de empresas brasileiras que
deixa de ser brasileira, ou deixa de existir, nos últimos 50 anos. Como
quase sempre, em mais um negócio forçado por "governos"
que fazem questão de dar os patrimônios do País a grupos
estrangeiros. A quantia do leilão foi R$ 52,8 milhões, e a
adquirente, uma certa VarigLog, única a apresentar proposta, leva a
Varig sem dívidas nem obrigações trabalhistas. O
preço cobre somente linha de crédito estendida pela VarigLog
à Varig.
A Deloitte, firma de auditoria norte-americana, tem sido a administradora
judicial da Varig, e a tal VarigLog é controlada por um fundo
norte-americano, sob cujo controle nasce outra Varig, com apenas dois mil
funcionários. Mais de 9 mil enfrentarão o desemprego.
A "antiga" Varig fica com só 50 empregados e herdará as
dívidas, estimadas em R$ 7,9 mil milhões. Segundo o advogado dos
Trabalhadores do Grupo Varig (TGV), não se sabe quem vai arcar com os
custos das demissões, estimados em R$ 176 milhões. Permanece
também em discussão a partilha, entre os credores, dos valores
que a Varig pode receber nas ações contra o governo federal e
governos estaduais, referentes ao congelamento de tarifas (R$ 4,7 mil
milhões) e a créditos de ICMS (R$ 1,2 mil milhões).
Ora, é evidente que, se o "Poder Público" deve à
Varig quantias da ordem dos mil milhões de reais, nada lhe custava
socorrer essa empresa nacional de setor estratégico, condicionando o
aporte a decisões da Assembléia-Geral da companhia,
suscetíveis de corrigir as falhas administrativas determinantes de
alguma parte de suas dificuldades.
Há indícios, há tempos, da participação de
companhias dos EUA no capital das que estão atuando nas rotas internas
do País, nas quais as tarifas vêm sendo aumentadas. Além
disso, as empresas "nacionais" perdem espaço nas linhas
internacionais.
Uma experiência pessoal
A quem se surpreenda com a incúria e irresponsabilidade do governo
federal, recordo que, desde 1954, quase não se faz outra coisa. A
macabra história começa com a instituição imediata,
após agosto de 1954, de vantagens e subsídios em favor de
investimentos diretos estrangeiros em nosso País.
Eu mesmo vivi uma experiência dessa realidade, quando fui chefe do Setor
Econômico da Embaixada do Brasil no México, durante a crise da
dívida externa. O México havia declarado moratória em
agosto de 1982. Indústrias brasileiras haviam exportado para o
México, como a Nardini, de São Paulo, do setor de
máquinas-ferramentas. Elas sofriam enorme aperto financeiro, por ter
exportado grande parte de sua produção, e as
prestações contratuais não estavam sendo pagas, por falta
de dólares. As dificuldades agravavam-se à medida que o tempo
passava.
Numa reunião da Embaixada, propus ao chefe da Missão que se
deixasse de tratar do assunto, em terceiro escalão, na Secretaria de
Comércio, onde um diplomata de nossa Embaixada ouvia sempre a mesma
conversa. Observei que o assunto era financeiro e que deveríamos falar
com o presidente do Banco Central do México, propondo-lhe a
reaplicação do Convênio de Créditos
Recíprocos, de 1968, no âmbito da Aladi.
[1]
Por esse Acordo, os bancos de comércio exterior de cada país
podiam pagar seus exportadores nas moedas nacionais respectivas, sendo os
saldos positivos ou negativos compensados a cada quadrimestre, bem como
saldadas ou financiadas as diferenças verificadas. A
aplicação do Acordo acabaria com a crise das empresas
brasileiras, evitaria que elas continuassem a demitir empregados e afastaria a
iminência da situação falimentar.
O embaixador concordou, e foi marcado encontro com o presidente do Banco de
México. Este acedeu e, para ter certeza que o Banco Central do Brasil
também aplicaria o Acordo, propôs que o entendimento fosse
formalizado: a Embaixada do Brasil passaria Nota Diplomática ao
Ministério das Relações Exteriores do México, e
este a responderia. Com isso, reiniciar-se-ia a aplicação do
Acordo, desativado há muitos anos.
Retornamos à embaixada, certos de que havíamos lavrado um tento e
contribuído, em favor dos interesses nacionais, para que empresas
brasileiras continuassem a produzir e a gerar empregos. Enviamos telegrama ao
Itamaraty, solicitando autorização para passar a Nota
Diplomática.
Esperamos em vão, por semanas, uma resposta. Fomos, depois, informados
de que o Banco Central (Bacen) manifestara informalmente seu desagrado com a
nossa iniciativa, alegando que o assunto era do Bacen. Este sequer realizava as
reuniões periódicas previstas com o Banco Central do
México.
Estava claro que o Bacen era tão obediente às diretivas do FMI,
como era indiferente ao destino das empresas e dos trabalhadores brasileiros.
Ou participava conscientemente da política da destruição
das empresas de capital nacional?
Ainda hoje, mesmo para transferir modestas quantias a qualquer
beneficiário nos países vizinhos temos de fazer duas
operações de câmbio em cada transação:
não dispensam a intermediação do dólar.
Meta: exterminar empresas
A História. Eleito para o qüinqüênio 1956-1960,
graças aos votos do getulismo, o sr. Kubitschek, traindo-os, viajou,
antes de tomar posse, para atrair investimentos estrangeiros. No governo,
ofereceu colossais subsídios para, ademais, entregar de bandeja o
mercado nacional, para, entre outras, a indústria automotora sediada no
exterior.
O pretenso desenvolvimento redundou, na verdade, em desequilíbrios no
comércio exterior e em inflação crescente. Isso facilitou
o trabalho do Sr. Jânio Quadros de eleger-se fazendo
oposição. Com a estrutura de produção e mercados,
cada vez mais oligopolista e mais controlada por capitais estrangeiros, a crise
social não cessou de progredir.
Para isso contribuíram também:
1. a renúncia de Jânio no mesmo ano;
2. a posse condicionada e contestada de João Goulart;
3. o governo deste sob: a) instabilidade institucional (parlamentarismo e
depois a retomada do presidencialismo); b) polarização esquerda/
direita, fomentada pelos círculos oligárquicos do exterior, em
seu trabalho de longo prazo, hoje bem adiantado, de inviabilizar o Brasil como
Nação.
Em 1964 nova intervenção militar, impulsionada por: a) institutos
ideológicos bem financiados; b) a mídia, sempre movida a
pecúnia; c) agentes provocadores radicalizando
reivindicações até certo ponto apoiadas por Goulart; d)
lideranças militares trabalhadas por suas contrapartes norte-americanas.
Estas não refletiam as inclinações do Exército,
como se viu nos governos de Costa e Silva, de Médici e, em parte, no de
Geisel.
Mas, no primeiro dos governos militares realizou-se, a etapa inicial da
programada solução final (extermínio) das empresas de
capital nacional. A pretexto da taxa de inflação do 1º
trimestre de 1964, transcorrido em plena agitação social,
política e militar, o governo instalado em abril foi orientado pelos EUA
a nomear ministro do planejamento o notório Roberto Campos, com poderes
totais sobre a política econômica, coadjuvado por Otávio G.
de Bulhões, no ministério da Fazenda.
Que fizeram os administradores da política de extermínio das
empresas de capital nacional? O mesmo que se tornou crônico nos
últimos 25 anos, a saber:
1. reduzir os investimentos públicos, o que acarreta queda proporcional
dos investimentos privados: ambas reduções comprimem a demanda e,
em conseqüência, caem as vendas das empresas em regime de
concorrência, i.e., as de capital nacional;
2. restringir as emissões monetárias e a criação de
crédito, bem como elevar as taxas de juros. A correção
monetária foi instituída no Brasil por Campos/Bulhões.
Com sua dimensão mundial incomparavelmente maior que as nacionais, as
transnacionais (multinacionais) não precisam tomar empréstimos no
Brasil, porque dispõem de capital sobrando e têm acesso a
crédito no exterior a baixo custo.
Não precisam sequer pôr dinheiro algum para tornar-se donas de
ativos produtivos no Brasil. Os governos federal e muitos dos estaduais e dos
municipais lhes provêem subsídios, isenções e
créditos fiscais. Ademais, as transnacionais trazem para o Brasil bens
de capital e tecnologia pagos no exterior, mercê de vários anos de
vendas em mercados estrangeiros. Por exemplo, as máquinas e equipamentos
são substituídos hoje a cada quatro anos, por exemplo, na
indústria automobilística. Assim, o que ingressa no Brasil
é sucata no país de origem, a custo zero para a transnacional.
Já o empresário nacional tem que importar os bens de capital ou
desenvolvê-los aqui, e investir nas tecnologias. Isso exige dinheiro e
crédito, pois decorrem muitos anos entre os investimentos e a
produção. Aí está como os empresários
nacionais são constrangidos a fechar suas portas ou a vender suas firmas
em condições desfavoráveis. Eles são confrontados
com: a) vendas reduzidas (mercado em retração), o que esgota seus
recursos de capital para seguir operando; b) condições de
crédito proibitivas, turbinados por taxas de juros astronômicas;
c) a carga dos impostos.
Dívida externa e extermínio
A crescente predominância do capital estrangeiro nas empresas produtivas
do País levou o País à crise da dívida externa. No
final dos anos 70, os créditos obtidos no exterior já eram
destinados à rolagem da dívida e, não mais, à
infra-estrutura siderúrgica e hidroelétrica, como na 1ª
metade do decênio.
A dívida externa cresceu em razão de as transnacionais
subfaturarem as exportações e superfaturarem as
importações, além de pagarem despesas em favor das
matrizes, tais como: juros (lucros disfarçados); royalties por uso de
marcas; assistência técnica; suposta transferência de
tecnologia; comissões, etc. Transferem, assim, para o exterior os ganhos
de sua subsidiária no Brasil e, com o mesmo golpe, ficam sem imposto de
renda nem CSSL
[2]
a pagar.
O quadro agravou-se com a abrupta e arbitrária elevação da
taxa de juros nos EUA, em agosto de 1979, o que tornou ainda mais gravosas as
reestruturações de dívidas, nas quais se pagavam
comissões extorsivas. Daí os apertos fiscal e monetário,
cujo resultado foi a míngua dos investimentos, a partir de 1980, fazendo
deteriorar continuadamente as condições sociais e
econômicas.
Desde então, a miséria não parou de avolumar-se. Ainda
mais, a partir de 1983 com a aceitação das
condições dos bancos na "reestruturação"
da dívida, em que, ademais, Delfin Neto, os agraciou com a
estatização da dívida privada. De mal a pior, deu-se em
1988 o estelionato que introduziu clandestinamente na
Constituição o dispositivo que privilegia o "serviço
da dívida" no orçamento federal.
Privatizações: as maiores negociatas
A política econômica do Brasil (?) tornou-se o instrumento
implacável da destruição das empresas nacionais.
Não admira, pois, a desestruturação econômica e
política, a qual possibilitou, nos anos 90, as maiores negociatas de
toda a história da Humanidade: as privatizações.
Patrimônios incalculáveis das estatais foram passados,
grátis, a grupos econômicos estrangeiros.
Estes receberam os fantásticos acervos das estatais por muito menos que
os preços mínimos dos leilões, subavaliados por empresas
de consultoria dos EUA. O que ultrapassou o preço mínimo foi
devolvido por meio de créditos fiscais.
O valor mínimo era, em geral, inferior ao dinheiro em caixa e aos
recebíveis a curto prazo. Eram aceitas moedas podres, i.e.,
títulos de validade questionada, que os grupos financeiros compravam no
mercado a menos de 1/10 do valor de face. No leilão valiam 100% do valor
de face. Bancos oficiais, como o BNDES, propiciavam crédito a juros
favorecidos, em favor das transnacionais. As empresas eram entregues sem
encargos financeiros ou trabalhistas, para o que a União Federal torrou
centenas de milhares de milhões de reais. Para quê? Para entregar
os fabulosos patrimônios das estatais, ademais de presenteá-las
com inimagináveis benefícios e subsídios.
Acabou? Ainda não. Os fundos de pensão das estatais entraram com
a maior parte do ínfimo capital empregado nas aquisições,
mas sem ficar com o controle das empresas. Esses fundos são o
lócus de manipulações para toda sorte de negociatas, sob
gestores da confiança do partido único, que ora se denomina PSDB,
ora PT, ou seus aliados.
Há mais. Há os planos de "estabilização",
como o "Collor" e outros que o seguiram. Há a abertura
comercial indiscriminada e o câmbio flutuante, joguete da
especulação financeira.
Notas
1- Refere-se à Associação Latino-Americana de
Integração (Aladi), instituída pelo Tratado de
Montevidéu, em 12 de agosto de 1980, reunindo doze países, para
fortalecer o processo de integração econômica, "de
forma gradual e progressiva" de um mercado comum latino-americano,
iniciado em 1960 pela Associação Latino-Americana de Livre
Comércio (Alalc).
2- Imposto, embora venha com o nome de Contribuição Social Sobre o
Lucro Líquido (CSSL), instituída pela Lei nº 7.689/1988.
Aplicam-se à CSLL as mesmas normas de apuração e de
pagamento estabelecidas para o imposto de renda das pessoas jurídicas,
mantidas a base de cálculo e as alíquotas previstas na
legislação em vigor (Lei nº 8.981, de 1995, art. 57).
[*]
Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, autor de
Globalização versus Desenvolvimento.
Ed. Escrituras, S. Paulo, s.d., 236 pgs., ISBN 85-7531-162-X.
Foi Professor da Universidade de Brasília, diplomata de
carreira, consultor legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do
Senado Federal, na área de Economia, aprovado em primeiro lugar em ambos
os
concursos.
benayon@terra.com.br
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O original encontra-se em
http://www.anovademocracia.com.br/31/03.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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