"Abrem-se janelas de oportunidades para a emergência do movimento
popular"
O Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB) saúda a
todos os partidos comunistas e operários presentes neste evento e
cumprimenta o partido anfritião, o Partido Comunista Português
(PCP), referência para todos os comunistas e trabalhadores do mundo em
função de sua histórica luta contra o capital.
O nosso XV Encontro dos partidos comunistas e operários se realiza em
meio a uma conjuntura internacional complexa tanto para o capital quanto para
os trabalhadores de todo o mundo. A crise econômica mundial vem
castigando o sistema capitalista há cerca de seis anos. Trata-se de uma
crise longa, profunda e devastadora que está colocando em xeque todo o
arcabouço da velha ordem capitalista construída no
pós-guerra.
Essa crise evidencia de maneira mais clara a ação articulada do
capital no sentido de avançar sobre as finanças do Estado, cortar
direitos e garantias dos trabalhadores e se apropriar do patrimônio
público. Do ponto de vista político, o capital vem impondo aos
povos governos diretamente geridos pelos representantes do capital, cujas
ações aprofundam a repressão contra os trabalhadores e
colocam mais limites à limitada democracia burguesa.
Estamos diante de um estado de guerra permanente contra os trabalhadores e os
povos do mundo, no qual o grande capital busca, de um lado, sair da crise
colocando todo o ônus na conta dos trabalhadores e, de outro, promover
uma guerra de rapina contra os países periféricos, especialmente
aqueles que dispõem de riquezas naturais não renováveis.
O aprofundamento da crise, as dificuldades em administrá-la e as lutas
dos trabalhadores e dos povos contra o capital tem tornado o imperialismo cada
vez mais agressivo. Além das invasões do Iraque e
Afeganistão, o imperialismo invadiu a Líbia, matou seu presidente
e se apossou das imensas riquezas de petróleo do País.
Ameaça invadir a Síria e o Irã, realiza ataques com
aviões não tripulados contra dezenas de países, violando
as leis internacionais e matando inocentes e desenvolve contínua
provocação contra a Cuba, Venezuela e Coréia do Norte.
Diante de um quadro dessa ordem, os trabalhadores vão tomando
consciência da conjuntura, num processo de aprendizagem mais
rápido que nos tempos de calmaria. Como em todas as crises capitalistas,
este é um momento em que o sistema como um todo vê aumentadas as
dificuldades para administrar sua hegemonia, fato que abre janelas de
oportunidades para a emergência do movimento popular, dos trabalhadores e
da população em geral. Aos poucos os trabalhadores vão
exercitando as ações de massas, as mobilizações, as
greves, vão reorganizando suas forças e a luta de classe se
intensifica.
Na primeira onda da crise, a resposta dos trabalhadores foi pouco expressiva,
uma vez que todos foram tomados de surpresa diante da crise. No entanto,
à medida em que os governos começaram a tomar medidas concretas
contra os salários, pensões, direitos e garantias, os
trabalhadores começaram a resistência contra os ajustes, com
mobilizações, manifestações de rua e greves gerais.
Essas manifestações foram se espalhando por todos os continentes,
da Europa ao Norte da África, da Índia à América
Latina, inclusive nos Estados Unidos.
Ressalte-se que na Europa ocorreu no final do ano passado um fenômeno
promissor: pela primeira vez na história, os trabalhadores conseguiram
realizar uma greve geral internacional, envolvendo 25 países,
atualizando dessa forma a palavra de ordem dos fundadores do marxismo, que
é proletários do mundo, uni-vos! Muito embora essas lutas ainda
tenham um caráter espontâneo, sem uma vanguarda
revolucionária para conduzir os trabalhadores no enfrentamento ao
capital, nem um programa anti-capitalista unificador, podemos dizer que
atualmente a luta de classe mudou de patamar e as fissuras abertas na velha
ordem imperialista abrem espaço para a emergência da luta popular.
Num mundo globalizado em que a velocidade das informações circula
de maneira extraordinária, as lutas e mobilizações em um
determinado país também funcionam pedagogicamente para outras
regiões, apesar da grande manipulação realizada pelos
meios de comunicação. Mesmo assim, não podem mais esconder
as manifestações populares e isso influencia a psicologia das
massas para a luta as pessoas vão perdendo o medo e despertando
energias para as ações coletivas.
Numa conjuntura dessa ordem, achamos fundamental realizarmos o combate
não só contra o capitalismo e o imperialismo, mas também
ao reformismo. Aliás, os reformistas, mais do que nunca, são
grandes inimigos da revolução socialista, pois iludem os
trabalhadores e os desmobilizam, facilitando o trabalho do capital. Em cada
país, as classes dominantes forjam um bipartidarismo conveniente em que
as divergências, cada vez menores, se dão no campo da
administração do capital.
Cada vez mais também faz menos sentido a "escolha" de aliados
no campo imperialista e mesmo entre seus coadjuvantes emergentes. Nós
entendemos que não há um imperialismo do "bem" e um
imperialismo do "mal". A diferença é apenas na forma,
não no conteúdo. Isto não significa subestimar as
contradições que vicejam entre eles, mas entender que têm
objetivos idênticos.
Não podemos conciliar também com ilusões de
transição ao socialismo por vias fundamentalmente institucionais,
através de maiorias parlamentares e de ocupação de
espaços institucionais. A luta de massas, em todas as suas formas,
adaptada às diferentes realidades locais, é e continuará
sendo a única arma de que dispõe o proletariado para a conquista
do poder.
Temos avaliado também que o atual modelo de encontros de partidos
comunistas e operários vêm cumprindo importante papel de
resistência, mas precisa se adaptar às complexas necessidades da
conjuntura mundial, com suas perspectivas sombrias no curto prazo e suas
possibilidades de acirramento da luta de classes, com a emergência das
lutas operárias. Pensamos que é preciso romper com o
"encontrismo" em que, ao final dos eventos, nossos partidos formulam
um documento genérico e decidem a sede do próximo encontro e se
despedem até o ano seguinte.
Para potencializar o protagonismo dos partidos comunistas e do proletariado no
âmbito mundial, é necessária e urgente a
constituição de uma coordenação política
que, sem funcionar como uma nova internacional, tenha a tarefa de organizar
campanhas mundiais e regionais de solidariedade, contribuir para o debate de
ideias, socializar informações sobre as lutas dos povos.
Mas, para além da indispensável articulação dos
comunistas, parece-nos importante a formação de uma frente
mundial mais ampla, de caráter anti-imperialista, onde cabem
forças políticas e individualidades progressistas, que se
identifiquem com as lutas em defesa da autodeterminação dos
povos, da paz entre eles, da preservação do meio ambiente, das
riquezas nacionais, dos direitos trabalhistas, sociais e políticos;
contra as guerras imperialistas e a fascistização das sociedades.
Em resumo, as lutas em defesa da humanidade.
Deixamos claro que o nosso Partido valoriza todas as formas de luta. Não
podemos cair no oportunismo de fazer vistas grossas ao direito dos povos
à rebelião e à resistência armada. Em muitos casos,
esta é a única forma para fazer frente à violência
do capital e de superá-lo. Os povos só podem contar com sua
própria força.
Por isso, saudamos nossos irmãos colombianos que, nas cidades e nas
montanhas, resistem, através de variadas formas de luta, contra o estado
terrorista de seu país. Entendemos que não há
solução militar para o conflito colombiano. Nesse sentido,
saudamos os diálogos que têm como objetivo buscar uma
solução política para o conflito. Este diálogo
só foi possível pelo surgimento e desenvolvimento da Marcha
Patriótica, um combativo e amplo movimento de massas colombiano.
Saudamos os povos que hoje enfrentam as mais duras batalhas. Saudamos os
trabalhadores gregos, portugueses, espanhóis, que já se levantam
em greves nacionais e mobilizações e os demais trabalhadores da
Europa, que enfrentam terríveis planos do capital para tentar superar a
crise. Saudamos o povo palestino, em sua saga duradoura e dolorosa no
enfrentamento ao sionismo que o sufoca e reprime, ocupa seu território,
derruba suas casas, prende seus melhores filhos e impede seu direito a um
Estado soberano.
Saudamos nossa querida Cuba Socialista em sua luta contra o cruel bloqueio
ianque. Saudamos nossos Cinco Heróis. Saudamos os processos de
mudanças na América do Sul (Venezuela, Bolívia e Equador),
neste momento decisivo, uma encruzilhada entre o avanço dos processos ou
sua derrota.
No entanto, estamos muito preocupados com o verdadeiro cerco militar que o
imperialismo promove na América Latina. A reativação da IV
Frota norte-americana, com um poderio bélico maior do que a soma de
todas as forças armadas dos países latino-americanos, traz
ameaças à soberania e à paz na região. O
estabelecimento de dezenas de bases militares dos EUA na região inquieta
os latino-americanos. A considerar ainda a construção de um
aeroporto militar ianque no Paraguai, que possibilita o controle da
tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai) e onde se assenta a
maior reserva mundial de água doce, o Aquífero Guarani.
Mas não é só o imperialismo estadunidense que cerca a
América Latina. A OTAN construiu, em 1986, na Ilha Soledad do
Arquipélago das Malvinas, a grande base militar de Mount Pleasant, que
dispõe de aeroporto e porto naval, onde atracam submarinos
atômicos e foram construídos silos para armazenar armas nucleares
e instalações para aquartelar milhares de efetivos militares.
Essa fortaleza contraria expressamente, a Resolução 41 da ONU,
que considera o Atlântico Sul zona de paz e cooperação,
isenta de armamentos e engenhos nucleares.
A ocupação militar imperialista no Atlântico Sul permite o
controle das rotas marítimas que unem a América do Sul à
África e sua conexão com o continente da Antártica e com
os países do Pacífico, através do Estreito de
Magalhães. Além disso, permite o controle dos inúmeros
recursos naturais da plataforma continental da América do Sul. É
assim que a América Latina está cercada por terra e por mar pelas
forças militares imperialistas, com a omissão da grande maioria
dos governos locais.
O governo do capital e as lutas sociais
Com relação ao nosso País, gostariamos de enfatizar que
temos um governo que se apresenta internacionalmente como progressista, mas
objetivamente trabalha para o capital, deixando para o povo apenas algumas
migalhas da política de compensação social. No Brasil,
nunca os banqueiros, as empreiteiras, o agronegócio e os
monopólios tiveram tanto lucro. A política econômica e a
política externa do estado brasileiro estão a serviço do
projeto de fazer do Brasil uma grande potência capitalista internacional,
nos marcos do imperialismo. As empresas multinacionais de origem brasileira,
alavancadas por financiamentos públicos, já dominam alguns
mercados em outros países, notadamente na América Latina.
Hoje, o governo brasileiro é o organizador da transferência da
maior parte da renda e da riqueza produzida pelo país para as classes
dominantes, através do pagamento dos juros e do sistema
tributário altamente regressivo. Cerca de 50% do orçamento se
destina a pagar os juros e a amortização da dívida interna
e externa, para satisfação dos rentistas e dos grandes
monopólios nacionais e internacionais.
A crise mundial também chegou ao Brasil. Ainda sem a profundidade que
ocorre nos países centrais, a crise econômica, social e
política é uma realidade em nosso País. A economia vem
registrando um crescimento baixo, apesar das privatizações
generalizadas realizadas pelo governo Dilma, disfarçadas sob a
denominação de concessões público-privadas. Agora
mesmo, estão entregando ao capital privado a maior jazida de
petróleo do País num ato de verdadeira lesa-pátria contra
os interesses da população brasileira.
Do ponto de vista social, a situação não é das
melhores: a população convive diariamente com o caos urbano,
representado por um sistema de transporte caótico, que faz os
trabalhadores perderem cerca de quatro horas para ir e vir do trabalho. O setor
de saúde foi privatizado e o que resta de saúde pública
é tão indigna que não merece esse nome: as pessoas
são obrigadas a ficar dias em filas nos postos de saúde e os
doentes são jogados em macas pelo chão de praticamente todos os
hospitais públicos. A falta de moradia faz com que 25 milhões de
pessoas vivam em favelas e habitações precárias, sem
infraestrutura e saneamento básico, com esgoto a céu aberto, sem
água encanada e coleta de lixo.
Foi contra esse estado de coisas que milhões de brasileiros se
manifestaram nas ruas de mais de 600 cidades do País em junho deste ano.
Essas manifestações foram resultado de um acúmulo de
problemas sociais, econômicos e políticos que se vinham gestando
por longos anos no interior da sociedade e foi exatamente essa
situação que alimentou a fúria dos manifestantes.
Milhões de jovens e trabalhadores despertaram com
indignação para a luta e foram às ruas demonstrar sua
insatisfação contra a ordem dominante e o governo social-liberal
do Partido dos Trabalhadores.
Em nosso entendimento, as manifestações de junho iniciaram um
novo ciclo de lutas sociais e políticas no Brasil. Podemos dizer que
agora as massas estão completando a sua experiência com o governo
do PT e buscam novas alternativas para resolver seus problemas concretos. Se
torna cada vez mais claro para as massas que o PT governa para o capital
monopolista nacional e internacional, para os banqueiros e o agronegócio
e que suas organizações de massa, como a Central Única dos
Trabalhadores, foram cooptadas pelo governo e não cumprem mais nenhum
papel na mobilização dos trabalhadores, tanto que essa
instituição não teve qualquer relevância nas
mobilizações de junho.
Com as manifestações, uma geração inteira se
integra de forma ativa à luta de classes em todo o País. As
manifestações também demonstraram uma enorme crise de
representatividade no Brasil. O aparato institucional, representado pelo
Executivo, Legislativo e Judiciário não é reconhecido pela
populaçãon como sua representação, em
função da falta de resposta às
reivindicações populares e da truculência com que o Estado
e as forças policiais tratam a população mais pobre e os
trabalhadores. Os partidos políticos burgueses, em sua grande maioria,
estão também desmoralizados pela corrupção, pelas
negociatas e pelas promessas não cumpridas.
O Partido Comunista Brasileiro entende que as manifestações de
junho representaram uma extraordinária jornada de lutas do povo
brasileiro. Estamos apenas no início de um ascenso das lutas sociais,
cujo desdobramento não é ainda possível vislumbrar. Temos
consciência que a luta apenas começou. A população
brasileira perdeu o medo e a passividade e começou a aprender que a luta
nas ruas gera conquistas e representa uma força gigantesca Uma segunda
onda da luta social poderá vir em breve e nós estamos trabalhando
duro para que nessa jornada, a esquerda revolucionária tenha um papel
protagonista.
Viva a luta internacional dos trabalhadores!
Partido Comunista Brasileiro (PCB)
[*]
Membro da Comissão Política do Comité Central do PCB. Autor de
A Crise Mundial, a Globalização e o Brasil,
Instituto Caio Prado Júnior, São Paulo, 2013, 286 p., ISBN
978-85-66538-02-1.
Resistir.info dispõe de alguns exemplares deste livro. Para encomendá-lo
transfira 15 euros para o NIB 003601689910004600741
e a seguir informe nome/morada para o email resistir[arroba]resistir.info.
Intervenção efectuada no 15º Encontro de Partidos Comunistas e
Operários, realizado em Lisboa, Novembro/2013.
O original encontra-se em
docs.google.com/...
Este discurso encontra-se em
http://resistir.info/
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