Manifesto contra mudanças no Código Florestal Brasileiro
Movimentos sociais, sindicais e entidades ambientalistas, além de
personalidades e intelectuais, divulgam nesta sexta-feira (2/7) um manifesto em
defesa do meio ambiente e da produção de alimentos e
contrário às mudanças propostas para Código
Florestal brasileiro, que devem ser votadas na semana que vem na Câmara
dos Deputados.
O documento assinado por personalidades como Leonardo Boff e D. Pedro
Casaldáliga e entidades como a CUT e a Via Campesina aponta que o
relatório deve atender apenas aos interesses dos ruralistas, pela
ausência de um debate amplo sobre o tema.
"Podemos afirmar que o texto do Projeto de Lei é
insatisfatório, privilegiando exclusivamente os desejos dos
latifundiários. Dentre os principais pontos críticos do PL,
podemos citar: anistia completa a quem desmatou (em detrimento dos que
cumpriram a Lei); a abolição da Reserva Legal para agricultura
familiar (nunca reivindicado pelos agricultores/as visto que produzem alimentos
para todo o país sem a necessidade de destruição do
entorno) possibilidade de compensação desta Reserva fora da
região ou da bacia hidrográfica; a transferência do
arbítrio ambiental para os Estados e Municípios, para citar
algumas", destacam os signatários.
Abaixo, a íntegra do documento.
Em defesa do meio ambiente brasileiro e da produção de alimentos
saudáveis:
Não ao substitutivo do código florestal!
O Código Florestal (Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965)
está baseado em uma série de princípios que respondem
às principais preocupações no que tange ao uso
sustentável do meio ambiente.
Apesar disso, entidades populares, agrárias, sindicais e ambientalistas,
admitem a concreta necessidade de aperfeiçoamento do Código
criando regulamentações que possibilitem atender às
especificidades da agricultura familiar e camponesa, reconhecidamente
provedoras da maior parte dos alimentos produzidos no país.
É essencial a implementação de uma série de
políticas públicas de fomento, crédito, assistência
técnica, agro industrialização,
comercialização, dentre outras, que garantirão o uso
sustentável das áreas de reserva legal e proteção
permanente. O Censo Agropecuário de 2006 não deixa dúvidas
quanto à capacidade de maior cobertura florestal e
preservação do meio ambiente nas produções da
agricultura familiar e camponesa, o que só reforça a necessidade
de regulamentação específica.
Essas políticas públicas vinham sendo construídas entre os
movimentos e o Governo Federal a partir do primeiro semestre de 2009, desde
então os movimentos aguardam a efetivação dos Decretos
Reguladores para a AF que nos diferenciam do agronegócio.
Foi criada na Câmara dos Deputados uma Comissão Especial, para
analisar o Projeto de Lei nº. 1876/99 e outras propostas de
mudanças no Código Florestal e na Legislação
Ambiental brasileira. No dia 09 de junho de 2010, o Dep. Federal Aldo Rebelo
(PCdoB/SP) apresentou à referida Comissão um relatório que
continha uma proposta de substituição do Código Florestal.
Podemos afirmar que o texto do Projeto de Lei é insatisfatório,
privilegiando exclusivamente os desejos dos latifundiários. Dentre os
principais pontos críticos do PL, podemos citar: anistia completa a quem
desmatou (em detrimento dos que cumpriram a Lei); a abolição da
Reserva Legal para agricultura familiar (nunca reivindicado pelos
agricultores/as visto que produzem alimentos para todo o país sem a
necessidade de destruição do entorno) possibilidade de
compensação desta Reserva fora da região ou da bacia
hidrográfica; a transferência do arbítrio ambiental para os
Estados e Municípios, para citar algumas.
Estas mudanças, no entanto, são muito distintas das propostas no
Projeto de Lei (PL). Nos cabe atentar para o fato de que segundo
cálculos de entidades da área ambiental, a
aplicação delas resultará na emissão entre 25 a 30
mil milhões de toneladas de gás carbônico só na
Amazônia. Isso ampliaria em torno de seis vezes a redução
estimada de emissões por desmatamento que o Brasil estabeleceu como meta
durante a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima (COP 15) em Copenhague, em dezembro de 2009 e
transformada em Lei (Política Nacional de Mudança do Clima)
12.187/2009.
De acordo com o substitutivo, a responsabilidade de
regulamentação ambiental passará para os estados. É
fundamental entendermos que os biomas e rios não estão restritos
aos limites de um ou dois estados, portanto, não é
possível pensar em leis estaduais distintas capazes de garantir a
preservação dos mesmos. Por outro lado, esta
estadualização representa, na prática, uma
flexibilização da legislação, pois segundo o
próprio texto, há a possibilidade de redução das
áreas de Preservação Permanentes em até a metade se
o estado assim o entender.
O Projeto acaba por anistiar todos os produtores rurais que cometeram crimes
ambientais até 22 de julho de 2008. Os que descumpriram o Código
Florestal terão cinco (5) anos para se ajustar à nova
legislação, sendo que não poderão ser multados
neste período de moratória e ficam também cancelados
embargos e termos de compromisso assinados por produtores rurais por derrubadas
ilegais. A recuperação dessas áreas deverá ser
feita no longínquo prazo de 30 anos. Surpreendentemente, o Projeto
premia a quem descumpriu a legislação.
O Projeto desobriga a manutenção de Reserva Legal para
propriedades até quatro (4) módulos fiscais, as quais representam
em torno de 90% dos imóveis rurais no Brasil. Essa isenção
significa, por exemplo, que imóveis de até 400 hectares podem ser
totalmente desmatados na Amazônia já que cada módulo
fiscal tem 100 hectares na região , o que poderá
representar o desmatamento de aproximadamente 85 milhões de hectares. A
Constituição Federal estabeleceu a Reserva Legal a partir do
princípio de que florestas, o meio ambiente e o patrimônio
genético são interesses difusos, pertencentes ao mesmo tempo a
todos e a cada cidadão brasileiro indistintamente. É essencial
ter claro que nenhum movimento social do campo apresentou como proposta a
abolição da RL, sempre discutindo sobre a redução
de seu tamanho (percentagem da área total, principalmente na
Amazônia) ou sobre formas sustentáveis de exploração
e sistemas simplificados de autorização para essa atividade.
Ainda sobre a Reserva Legal, o texto estabelece que, nos casos em que a mesma
deve ser mantida, a compensação poderá ser feita fora da
região ou bacia hidrográfica. É necessário que
estabeleçamos um critério para a recomposição da
área impedindo que a supressão de vegetação nativa
possa ser compensada, por exemplo, por monoculturas de eucaliptos, pinus, ou
qualquer outra espécie, descaracterizando o bioma e empobrecendo a
biodiversidade.
O Projeto de Lei traz ainda a isenção em respeitar o
mínimo florestal por propriedade, destruindo a possibilidade de
desapropriação daquelas propriedades que não cumprem a sua
função ambiental ou sócio-ambiental, conforme preceitua a
Constituição Federal em seu art. 186, II.
Em um momento onde toda a humanidade está consciente da crise ambiental
planetária e lutando por mudanças concretas na postura dos
países, onde o próprio Brasil assume uma posição de
defesa do desenvolvimento sustentável, é inadmissível que
retrocedamos em um assunto de responsabilidade global, como a sustentabilidade
ambiental.
O relatório apresentado pelo deputado Aldo Rebelo contradiz com sua
história de engajamento e dedicação às
questões de interesse da sociedade brasileira. Ao defender um falso
nacionalismo, o senhor deputado entrega as florestas brasileiras aos
latifundiários e à expansão desenfreada do
agronegócio.
Sua postura em defesa do agronegócio é percebida a partir do
termo adotado no relatório: Produtor Rural. Essa, mais uma tentativa de
desconstrução do conceito de agricultura familiar ou campesina,
acumulado pelos movimentos e que trás consigo uma enorme luta
política dos agricultores e agricultoras familiares.
Por tudo isso, nós, organizações sociais abaixo-assinadas,
exigimos que os assuntos abordados venham a ser amplamente discutidos com o
conjunto da sociedade. E cobramos o adiamento da votação
até que este necessário debate ocorra e que o relatório do
deputado absorva as alterações mencionadas no corpo do texto.
ENTIDADES
CUT Central Única dos Trabalhadores
FETRAF Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Familiar
Via Campesina
CPT Comissão Pastoral da Terra
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MMC Movimento das Mulheres Camponesas
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MST Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra
ABEEF Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia
Florestal
CIMI Conselho Indigenísta Missionário
FEAB Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil
MCP - Movimento Camponês Popular
UNICAFES União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e
Economia Solidária
PCB Partido Comunista Brasileiro
ABRA Associação Brasileira de Reforma Agrária
ABA Associação Brasileira de Agroecologia
Associação dos Geógrafos Brasileiros
Terras de Direitos
INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos
ABONG Associação Brasileira de Organizações
Não-Governamentais
Amigos da Terra Brasil
ABRAMPA Associação Bra
MMM - Marcha Mundial de Mulheres
SOF - Sempreviva Organização Feminista
Sileira Do Ministério Público do Meio Ambiente
IBAP Instituto Brasileiro de Advocacia Pública
REDLAR Red Latinoamericana de Acción Contra las Represas y Por
Los Rios, Sus Comunidades y el Água
Fundação Padre José Koopmans
PROTER Programa da Terra
IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
APTA Associação de Programas em Tecnologias Alternativas
AFES Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade
CAIS - Centro de Assessoria e Apoio e Iniciativas Sociais
Centro De Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola
CEDEFES - Centro de Documentação Elóy Ferreira da Silva
CEPIS Centro de Educação Popular do Instituto Sedes
Sapientiae
CNASI Confederação Nacional de Associações
dos Servidores do INCRA
Comitê Metropolitano Do Movimento Xingu Vivo
Dignitatis
FASE Solidariedade e Educação
Instituto Madeira Vivo
ONG Reporter Brasil
Assessoar
Instituto O Direito por um Planeta Verde
Rede Brasileira de Ecossocialistas
GTA - Grupo de Trabalho Amazônico
Associação Alternativa Terrazul
Rede Alternatives Internacional
Entidade Nacional dos Estudantes de Biologia
Associação de Mulheres Arraras do Pantanal
CEDHRO Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Região Oeste da
Grande São Paulo
IAMAS - Instituto Amazônia Solidária e Sustentável
IMCA Instituto Morro da Cutia de Agroecologia
MSU Movimento dos Sem Universidade
Fórum Estadual de Defesa dos Direitos das Crianças e do
Adolescente/SP
Fórum Brasileiro de Economia Solidária
Fórum De Mulheres do Espírito Santo
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Fórum Carajás
FAMOPES - Federação das Associações de Moradores e
Movimentos Populares do Espírito Santo
MNLM/RJ Movimento Nacional de Luta Pela Moradia/RJ
Justiça Global
Observatório Negro
Plataforma Dhesca
REDE FAOR Fórum Amazônia Oriental
Rede de Agroecologia do Maranhão
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Rede Deserto Verde
Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais
AMEDI Ambiente e Educação Interativa
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares no Ceará
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Instituto Giramundo Mutuando
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul
SAPI Sociedade dos Amigos do Parque de Itaúnas (ES)
Tribunal Popular: O Estado Brasileiro No Banco Dos Réus
Ekip Naturama
Etnioka
Toxisphera Associação De Saúde Ambiental
PERSONALIDADES E INTELECTUAIS
Leonardo Boff Teólogo e Escritor
Dom Pedro Casaldáliga Bispo Emérito ee São
Félix do Araguaia
Bernardo Mançano Fernandes Cátedra Unesco de
Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial
José Arbex Junior Jornalista e Coordenador da
Associação dos Amigos da Escola Florestan Fernandes
Carlos Walter Porto-Gonçalves Professor da Universidade Federal
Fluminense
Horácio Martins de Carvalho Professor e Militante Social
Ladislau Dowbor Professor da Universidade da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
Luiz Carlos Pinheiro Machado Ex-Presidente da Embrapa e Professor da
Universidade Federal De Santa Catarina
Miguel Carter Professor da American University, Washigton/EUA
Sérgio Sauer - Relator do Direito Humano à Terra,
Território e Água da Plataforma Dhesca
Marijane Lisboa Relatora do Direito Humano ao Meio Ambiente da
Plataforma Dhesca
Rubens Nodari Professor da Universidade Federal de Santa Catarina
Paulo Kageyama Professor da Universidade ESALQ/USP
Virgínia Fontes Professora da Fiocruz e da Universidade Federal
Fluminense
Iran Barbosa Deputado Estadual PT/SE
João Alfredo Telles Melo Vereador de Fortaleza/PSOL e Ex-Deputado
Federal
Ver também:
A coragem moral de Aldo Rebelo
O original encontra-se em
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Este manifesto encontra-se em
http://resistir.info/
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