Capitalismo contemporâneo, imperialismo e agressividade
O imperialismo é um fenômeno identificado pelos clássicos
desde a segunda metade do século XIX e significou a passagem do
capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista e a emergência
de uma nova classe social, a oligarquia financeira
[1]
. Nessa nova fase do capitalismo, onde os trustes e cartéis passaram a
dominar as economias de cada País e, posteriormente, a economia mundial,
um conjunto de fenômenos novos vêem marcar esta fase do
desenvolvimento deste modo de produção, especialmente a partilha
econômica e territorial do mundo entre os principais centros
imperialistas, quando as potencias capitalistas ocuparam e passaram a colonizar
parte considerável da África, Ásia e América Latina.
Esse movimento do capital monopolista tinha como objetivo transformar essas
regiões em retaguarda especial do imperialismo, fonte de
matérias-primas, mercados para a venda de mercadorias, esferas de
aplicação do capital, fonte de rendimentos monetários,
espaços militares estratégicos e reserva de mão de obra
para as metrópoles. Com essa estratégia, as regiões
colonizadas se transformaram em pilares fundamentais para o desenvolvimento da
produção capitalista.
Com o domínio econômico e político do mundo, tornou-se mais
fácil ao grande capital monopolista hegemonizar o aparelho de Estado,
que passou a realizar sua política levando em conta fundamentalmente os
interesses dessa nova classe social. Em outras palavras, o Estado relevou a um
segundo plano os interesses gerais do capital para se transformar em
instrumento da oligarquia financeira e de seus monopólios.
Mas o desenvolvimento do capitalismo e a consolidação dos
monopólios não eliminou a concorrência, apenas a colocou em
novo patamar. Os monopólios continuaram a travar uma dura luta pela
partilha das esferas de influência. Essa luta por mercados e controle das
fontes de matérias primas se tornou a causa principal causa das guerras,
pois os monopólios pressionavam seus respectivos governos para aventuras
militares visando uma nova correlação de força na partilha
econômica do mundo. A primeira e a segunda guerra mundial foram em grande
parte fruto da ganância do capital monopolista.
Após a segunda guerra mundial e, especialmente a partir dos anos 60, com
a descolonização, o capital monopolista passou por
transformações extraordinárias, pois a própria
necessidade de expansão o impulsionou a uma nova relação
entre centro e periferia. A partir de então, as
corporações transnacionais, mediante a implantação
de filiais produtivas na periferia, começaram a extrair
generalizadamente o valor fora de suas fronteiras nacionais, ou seja, passaram
a produzir fisicamente nas regiões até então produtoras
de matérias primas, enquanto o sistema bancário também se
internacionalizava.
Esse fenômeno da mundialização da economia, conhecido como
globalização, transformou o capitalismo num sistema mundial
completo, constituindo-se assim uma nova fase do imperialismo, pois agora o
capital monopolista tornaria o planeta numa esfera única de
produção, financiamento e realização das
mercadorias, e a própria oligarquia financeira passaria a explorar
diretamente os trabalhadores do centro e da periferia. Com a
apropriação do valor fora das fronteiras nacionais a burguesia
imperialista tornou-se uma classe exploradora direta do proletariado mundial.
"Até o período anterior à globalização,
o capitalismo era completo apenas em relação a duas
variáveis da órbita da circulação o
comércio mundial e a exportação de capitais. Mas, ao
expandir a globalização para as esferas produtiva e financeira,
bem como para outros setores da vida social, o sistema unificou globalmente o
ciclo do capital, fechando assim um processo iniciado com a
revolução inglesa de 1640" (Costa, 2002).
Esta nova fase do imperialismo viria a ganhar contornos mais definitivos com a
ascensão dos governos Reagan e Tatcher, respectivamente nos Estados
Unidos e Inglaterra. Aproveitando-se da crise do keynesianismo, desenvolveram
uma ofensiva mundial no sentido de impor ao mundo a agenda neoliberal, que
rapidamente se transformou em política oficial nos países
centrais e, posteriormente, se espalhou para os outros países
capitalistas.
A nova agenda invertia os fundamentos típicos da regulação
keynesiana e em seu lugar colocava na ordem do dia o mercado como instrumento
regulador das novas relações econômicas e sociais, a
desregulamentação da economia, as privatizações das
empresas estatais, liberalização dos mercados e dos fluxos de
capitais, cortes nos gastos públicos e nos fundos
previdenciários, além de uma ofensiva contra direitos e garantias
dos trabalhadores.
Essas novas diretrizes produziram enorme impacto na dinâmica do
capitalismo: o setor mais parasitário do imperialismo passou a
hegemonizar as relações econômicas e políticas no
interior dos governos neoliberais e impor ao mundo o primado das
finanças globalizadas, estimuladas pela liberalização
financeira e irrestrita mobilidade dos capitais. A partir daí este setor
da oligarquia financeira subordinou todas as outras frações do
capital e impôs a lógica das finanças não só
para os negócios financeiros, mas também para as empresas
produtivas e para o Estado, cujas receitas orçamentárias foram
capturadas em grande parte por essa fração do capital.
Ancorados pelas tecnologias da informação cada vez mais
desenvolvidas, pela generalização dos computadores e da internet,
o pólo financeiro do capital imperialista transformou o mundo num imenso
cassino especulativo, no qual os novos produtos financeiros foram sendo criados
numa velocidade proporcional à criatividade do sistema liberalizado, num
frenesi especulativo que se retroalimentava como numa dança de
doidivanas.
Nessa nova lógica, a captura da renda mundial deveria encilhar todos os
setores da economia, que agora passariam a operar a partir da lógica das
finanças. Assim, as empresas consolidaram a reestruturação
produtiva, com produção sem gordura, círculos de controle
de qualidade, qualidade total, restrição à atividade
sindical, tudo isso para ampliar as taxas de lucro e aumentar a
distribuição de dividendos para os acionistas, ávidos por
lucros semelhantes aos da órbita financeira.
Os Estados também caíram na malha da apropriação
financeira, em função do endividamento realizado a taxas de juros
elevadas. Dessa forma, foram obrigados a comprometer parcelas cada vez maiores
dos orçamentos para pagar os serviços da dívida. Como
esses serviços exigiam cada vez mais recursos, os Estados cortaram os
gastos públicos, salários de funcionários e verbas sociais
para atender o apetite voz do pólo financeiro do imperialismo.
Imperialismo, crise e guerra
Essa conjuntura em que as finanças hegemonizaram a dinâmica da
nova fase do imperialismo criou uma enorme desproporção entre o
setor real da economia, aquele que produz e gera valor, e a órbita
financeira, que não cria riqueza nova. Para se ter uma idéia,
antes da crise sistêmica global que emergiu com a queda do Lehmann
Brothers, o volume de recursos que circulava na órbita financeira era
mais de 10 vezes maior que a produção mundial, fato que por si
só já prenunciava uma crise de grandes proporções,
uma vez que uma situação dessa ordem não poderia se
sustentar por muito tempo, afinal a produção do mais-valor era
deveras insuficiente para remunerar os lucros do setor financeiro.
Ao mesmo tempo em que avançava sobre os arcabouços do Estado do
Bem Estar Social, o patrimônio público e os direitos e garantias
dos trabalhadores, o imperialismo incrementava sua política agressiva,
buscando combinar aceleradamente uma recuperação das taxas de
lucro na área produtiva, a apropriação da renda mundial
pelas finanças e o fortalecimento do complexo industrial militar,
conjuntura que foi facilitada pelo colapso da União Soviética.
Assim, Reagan invadiu Granada, o Panamá, onde depôs e prendeu o
presidente local e insuflou guerras regionais como na Nicarágua. A
política guerreira continuou nas outras administrações,
independentemente se democratas ou republicanas, uma vez que o desenvolvimento
do complexo industrial militar é condição
imprescindível para a manutenção do imperialismo. A
escalada guerreira continuou com a invasão ao Iraque, sob o pretexto de
que Saddan Hussein possuía armas de destruição em massa, o
que depois se verificou que era uma falsidade. Na verdade, o que os Estados
Unidos objetivavam era se apossar das imensas jazidas de petróleo
daquele país.
Vale ressaltar que o imperialismo está tão dependente da
indústria armamentista que, sem a produção de armas,
não só o complexo industrial militar iria à
falência, mas o próprio sistema imperialista entraria em colapso,
uma vez que parcela expressiva de sua indústria está ligada
à cadeia de produção das armas. Isso demonstra
também o nível de degeneração a que chegou o
imperialismo contemporâneo: só consegue continuar respirando se
mantiver e desenvolver a indústria da morte.
Mas o acontecimento que proporcionou as condições objetivas para
um salto de qualidade na agressividade imperialista dos Estados Unidos foi o
ataque às torres gêmeas. Este atentado foi o mote que o governo
Bush encontrou para institucionalizar e desenvolver novas facetas de sua
política guerreira, agora sob o pretexto de combate ao terrorismo. Na
verdade, com a chamada política antiterrorista o imperialismo
militarizou a política e impôs ao mundo uma agenda de luta
antiterrorista que se desdobrou não apenas na invasão ao
Afeganistão, mas também na violação ao direito
internacional, à soberania dos países, a construção
de exércitos privados para realizar o trabalho sujo nas guerras contra
povos e organizações contrárias à política
norte-americana no mundo.
O mundo tomou conhecimento estarrecido das torturas nas prisões de Abu
Ghriab e de Guantánamo, dos seqüestros e assassinatos de
líderes contrários à política norte-americana e das
prisões clandestinas ao redor do mundo. Ao contrário do que se
poderia imaginar, o governo norte-americano justificava essas
ações como parte da luta anti-terrorista, necessário para
a proteção de seus cidadãos. O então
vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, afirmou sem cerimônia em
entrevista aos meios de comunicação que os métodos
utilizados para obter informações (as mais bárbaras
torturas) livraram o povo norte-americano de vários atentados.
O ensandecimento chegou a tal ponto que o secretário de Justiça
dos Estados Unidos não só justificou abertamente a tortura como
buscou fórmulas para legalizá-la. Todas essas ações
eram de conhecimento do ex-presidente Bush, que inclusive assinava
resoluções secretas para que os agentes pegos em flagrante
não fossem punidos judicialmente. Por essas medidas se pode avaliar o
nível de degeneração moral a que chegou o imperialismo:
não se tratava de ações isoladas de funcionários
estressados no teatro de operações, mas de ordens da
própria cúpula imperialista que nesta fase do capitalismo perdeu
qualquer referência em relação à humanidade.
Quem imaginava que o imperialismo iria reduzir sua máquina militar com a
queda da União Soviética se enganou. O imperialismo está
muito mais agressivo atualmente que no passado e possui hoje a mais poderosa e
sofisticada máquina militar que o planeta já teve conhecimento.
Porta-aviões gigantescos, submarinos atômicos, aviões
invisíveis, bombas guiadas a laser, superbombardeiros, frota de
aviões não tripulados (drones), helicópteros sofisticados,
tanques de última geração, além de mais de 500
bases militares espalhadas pelo mundo e um aparato de espionagem maior do que
as pessoas que vivem hoje em Washington. Tudo isso para sustentar a
política do grande capital.
No entanto, a crise sistêmica mundial veio adicionar mais um ingrediente
fundamental para a política agressiva do imperialismo. Desesperado
diante da dramática situação econômica, da
recessão, do desemprego crônico e dos protestos que estão
ocorrendo pelo mundo contra a os ajustes determinados pelo capital, o governo
norte-americano vem realizando provocações contínuas
contra o Irã, a Coréia do Norte e, recentemente, conseguiu
envolver vários países da União Européia em sua
aventura militar na Líbia, onde destruíram fisicamente o
País, mataram seus principais dirigentes e agora começam a se
apossar das imensas jazidas de petróleo locais, sob o olhar complacente
dos títeres que colocaram no poder.
Agora os Estados Unidos se voltam para Síria. O cenário foi
montado para que a história se repetisse, mas a resistência do
exército sírio, que desalojou os mercenários de
várias regiões do País, derrotou essa primeira ofensiva
imperialista. Derrotado o campo de batalha, os Estados Unidos tentaram legalizr
a invasão, mas a Rússia e a China vetaram uma
resolução do Conselho de Segurança da ONU que abria
espaço para a intervenção no País. Agora, estamos
na iminência de uma invasão da Síria, sob o pretexto
bizarro de que o governo teria lançado armas químicas contra a
população, quanto se sabe que este episódio foi montado
pela CIA para justificar a agressão. Desesperado, sem apoio
internacional que esperava, o imperialismo pode realizar a
intervenção a qualquer momento, mas as consequências podem
ser dramáticas, tanto para o povo sírio, quanto para o Oriente
Médio e para o próprio imperialismo, inclusive com o
aprofundamento da crise sistêmica global no interior dos Estados Unidos.
Como a política guerreira já é uma necessidade do
imperialismo para desenvolver suas forças produtivas, nas épocas
de crises profundas como a que estamos presenciando agora, a fúria
belicista do imperialismo se torna ainda maior. Por isso, pode-se esperar tudo
nesta conjuntura, pois o imperialismo está ferido e vai querer sair da
crise de qualquer forma, nem que para isso coloque em xeque a existência
da própria espécie humana. Para a humanidade, resta uma
saída que vai significar sua própria sobrevivência:
derrotar o imperialismo, superar o capitalismo e construir uma outra
sociabilidade sobre os escombros desta velha ordem.
Bibliografia consultada
Bukharine, N. O imperialismo e a economia mundial. Coimbra: Centelha, 1976.
Costa, E. A globalização e o capitalismo contemporâneo.
(São Paulo: Expressão Popular, 2009)
--------------- Imperialismo. São Paulo: Global Editora, 1986.
Lênin, V. Imperialismo fase superior do capitalismo. Lisboa: Avante, 1976.
Luxemburg, R. A acumulação do capital. São Paulo: Abril
Cultural,
1984.
Hilferding, R. O capital Financeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1985
Hobson, J. A. A evolução do capitalismo. São Paulo: abril
cultural, 1985
[1]
Para uma melhor compreensão dos clássicos do imperialismo,
consultar: Hobson, A Evolução do capitalismo (Nova Cultural,
1983); Hilferding, O capital financeiro (Nova Cultural, 1938); Lênin,
Imperialismo, fase superior do Capitalismo (Avante, 1984); Rosa de Luxemburg, A
acumulação do Capital (Nova Cultural, 1983);e Bukharin, O
imperialismo e a economia mundial (Centelha, 1976). Para uma versão mais
popular, consultar Edmilson Costa, Imperialismo (Global, 1989).
[*]
Doutorado em Economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É
autor de
Imperialismo
(Global Editora, 1987),
A política salarial no Brasil
(Boitempo Editorial, 1987),
Um projeto para o Brasil
(Tecno-Científica, 1988),
A globalização e o capitalismo contemporâneo
(Expressão Popular, 2009) e
A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil
(no prelo), além de ter ensaios publicados no Brasil e exterior.
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