Atuação das Forças Armadas em presídios apaga
incêndio com gasolina
A recente decisão do Governo Temer de destacar as Forças Armadas
(FFAA) para atuar nos presídios não é apenas
inconstitucional, é apagar incêndio com gasolina que por sinal
já está custando quase R$ 5 [1,48] o litro. A
competência das FFAA serve para a defesa da pátria e para a
garantia dos poderes constitucionais. O exército serve para
manutenção da lei e da ordem e não para fazer varredura em
presídios procurando celulares e armas. Isso, a polícia é
competente para fazer com um detector de metais e uma capacitação
mínima. Não é razoável a polícia militar
retirar os presos das celas e deslocá-los internamente, para que o
Exército entre nas celas vazias, e passe um pente fino procurando
instrumentos cortantes, armas, telefones celulares
Trata-se de mais um tapar o sol com peneira do governo ilegítimo de
Michel Temer, nada além disso. O Governo anunciou o repasse de R$ 150
milhões [ 44,3 milhões] para instalar bloqueadores de
celulares e R$ 80 milhões [23,6 milhões] para aparelhos de
raio-X. Seremos todos sacrificados com o congelamento de gastos na saúde
e educação nos próximos 20 anos, mas o Governo já
repassou R$ 1,2 mil milhões [354,4 milhões] para construir
novos presídios. Estamos diante de uma repetição
histórica conhecida: o caos fabricado (nas prisões entre
facções) e um exército de salvadores para fingir que o
problema será solucionado gastando mais dinheiro público,
inclusive em prisões terceirizadas. Foi exatamente assim durante a
ditadura militar e nada disso resolveu o problema da violência e do
tráfico.
A lógica de encarcerar pessoas até hoje não resolveu nada,
pelo contrário, já temos quase 700 mil presos (maioria pobre,
negra e jovem). Mais de 40% cumprindo prisão provisória, sem
julgamento. Em outros países esse número não ultrapassa
10%. No Brasil prender gente, construir e privatizar presídio dá
dinheiro e, por isso, somos a 4ª maior população
carcerária do mundo. Daí vem o presidente Temer dizer,
após o massacre no presídio de Manaus, que não houve
responsabilidade objetiva dos agentes estatais porque o presídio
é terceirizado.
O recado está dado: quem não aceitar as condições
sub-humanas de aposentadoria com 50 anos no mínimo de
contribuição, não ficar quietinho pagando quase R$ 5
[1,48] para uma passagem de metrô, ficará sem emprego. E
quem fica sem emprego, se for jovem, negro e pobre, será preso ou morto
pelo tráfico e pela polícia, dentro ou fora das prisões.
Estamos em uma encruzilhada: o Governo vende um Plano de Segurança que
é mais do mesmo, sem novidades para enfrentar o poder paralelo das
facções dentro e fora dos presídios. A pergunta é:
Quem manda nessas facções? A quem interessa não resolver o
tráfico de armas e drogas fora das prisões, nas fronteiras,
portos, aeroportos, ferrovias e rodovias? Porque não se investigam as
movimentações bancárias?
É impossível não pensar em um acordo tácito das
facções com o Poder Público, um poder formado por
governadores, juízes, senadores que convivem harmoniosamente com o
empresariado em seus jatinhos particulares
[1]
tomando vinhos e uísques caros em suas casas no Leblon e na Lagoa
[2]
.
Esse acordo não pode falhar, as facções criminosas exercem
um poder territorial para fazer as vezes do Estado com a permissão dos
governantes e dos empresários. O Governo dará tudo que pode para
a iniciativa privada, a exemplo do que fez com alguns presídios. Depois,
o próprio governo, transferirá verbas de fundos nacionais
(compostas pelo suor dos trabalhadores) às prisões privatizadas
ou não, tudo isso mediante propostas de emendas à
constituição, as famosas PECs
[3]
. E assim será, as pessoas estarão sujeitas a um modelo maquiado
pelas FFAA, as facções seguirão pagando pedágio
[4]
em troca de controle de território e as pessoas que acordam às
5h da manhã e desembarcam na [ferrovia] Central do Brasil
continuarão acreditando que o melhor a ser feito é não
questionar o modelo, sob pena de servir de modelo nas prisões.
23/Janeiro/2017
[1] Há poucos dias morreu um ministro do Supremo Tribunal Federal num
acidente com um jacto privado de um capitalista seu amigo.
[2] Bairros ricos no Rio de Janeiro.
[3] Proposta de Emenda Constitucional.
[4] Portagem.
Ver também:
Governo quer omitir toda crítica ao sistema penitenciário, diz ex-membro do Conselho
"O Judiciário vem se consolidando como uma ilha conservadora", diz professora da Universidade de Brasília
[*]
Advogada, mestre e ex-presidente da
Comissão da Verdade do Rio de Janeiro
. Atualmente é coordenadora de relações externas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O original encontra-se em
www.brasildefato.com.br/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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