Possíveis razões para a oposição de direita ao
governo Lula
por Renato Nucci Junior
[*]
Existe um consenso entre as forças políticas de esquerda (PCB,
PSOL e PSTU) e entre os setores mais conscientes da classe trabalhadora, de que
o governo Lula é uma continuidade, em termos de política
econômica e de alterações no papel do Estado brasileiro, do
ideário neoliberal implantando com eficiência a partir do governo
de Fernando Henrique Cardoso.
Nestes quase cinco anos de mandato, Lula e a direção
majoritária petista seguiram exemplarmente a mesma
orientação econômica inaugurada no governo FHC. Esta se
baseia em uma política macroeconômica que mantêm altas taxas
de juros e em um absoluto rigor fiscal que reduz os investimentos e gastos em
áreas sociais e na infra-estrutura, privilegiando o pagamento das
dívidas externas e internas.
Uma outra característica que notabiliza o governo Lula é o seu
empenho em finalizar o ciclo de reformas neoliberais iniciadas por Fernando
Henrique, cujo governo foi incapaz de concluir. Tais reformas de cunho
neoliberal têm como alvos os direitos trabalhistas, a previdência
dos trabalhadores da iniciativa privada com uma reforma que
dificultará ainda mais a aposentadoria e diminuirá o pagamento de
benefícios e pensões e a transferência
administrativa de aparelhos públicos como hospitais para
fundações privadas.
É óbvio que a lista de concessões ao capital é
muito grande. Como nossa intenção é ilustrativa,
não descreveremos aqui a enorme lista de concessões feitas pelo
governo Lula ao capital, nos restringindo aos seus aspectos mais expressivos.
OS HERÓIS DE LULA
A medida de tantas concessões dadas à classe dominante brasileira
pode ser vista de várias maneiras. Destacamos, aqui, os sucessivos
recordes de lucros batidos pelos bancos, graças a uma política
econômica que garante aos parasitas do sistema financeiro uma das maiores
taxas de juros do mundo. O agronegócio, versão atualizada de
nossa condição originalmente agro-exportadora, que recolocou o
Brasil no cenário mundial como um grande produtor de
comoditties
agrícolas como a carne, a soja, o açúcar e o etanol, que
favoreceu os grandes latifundiários e proprietários rurais. O
agronegócio, aliás, será beneficiado com o acordo entre
Brasil e Estados Unidos que prevê a produção, por parte dos
usineiros
[NR 1]
, definidos por Lula como "heróis nacionais", de grande
produção de etanol para atender o mercado consumidor
norte-americano. O projeto é tão ambicioso que estão
previstos grandes investimentos dos usineiros nacionais em países
centro-americanos, incluindo nações caribenhas como o Haiti,
ocupado militarmente pelo Brasil, cuja produção atenderia o
mercado interno dos Estados Unidos. Os industriais, por sua vez, conhecem
grandes aumentos de produtividade que se ancoram em um relativo crescimento do
mercado interno e garantidos pela manutenção do achatamento
salarial. E, para finalizar nossos trágicos exemplos, a
manutenção da política de juros altos destina centenas de
milhares de milhões de reais do orçamento a cerca de 20 mil
famílias da classe dominante que controlam os negócios de
títulos públicos.
Mas diante de tão largos benefícios recebidos por parte do
governo Lula, como explicar a persistente oposição de setores
burgueses ao governo petista? Como explicar a existência de uma
oposição política e social articulada em torno de setores
do PSDB e do DEM
[NR 2]
que não lhe dão trégua? O próprio Lula, intrigado
com as críticas feitas contra seu governo por parte dos setores
oposicionistas de direita, manifestou-se dizendo que
"Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar
aplaudindo, posso garantir que foram os que ganharam muito dinheiro neste
país, no meu governo. Aliás, a parte mais pobre é que
deveria estar mais zangada, porque ela teve menos do que eles tiveram. É
só ver quanto ganham os banqueiros, os empresários, e vamos
continuar fazendo política sem discriminação
[1]
. Se a indignação de Lula está correta, afinal, com o seu
governo os ricos estão ganhando muito dinheiro no país
"sem discriminação",
por que alguns de seus representantes mais puros persistem na
oposição contundente à sua administração?
A resposta a esta questão é fundamental. Sem isso, fica
difícil compreender as movimentações de setores da classe
dominante brasileira, apoiadas nas frações mais conservadoras e
reacionárias da pequena-burguesia e da classe média. A
expressão social dessa oposição ao governo Lula resultou
na criação do movimento "Cansei", cujo nome pomposo
é Movimento Cívico Pelo Direito dos Brasileiros, puxada pela
seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por
figuras da pequena-burguesia e da alta burguesia de São Paulo, ligadas
ao candidato tucano
[NR 3]
à presidência da República nas eleições de
2006, Geraldo Alckmin.
Creio que inquirir sobre as origens dessa movimentação de setores
da classe dominante e da pequena-burguesia é fundamental para os
revolucionários brasileiros. Em primeiro lugar porque identificar os
motivos que embalam a oposição de direita pode apontar para uma
tentativa de setores da burguesia brasileira em buscar um novo arranjo e uma
acomodação de interesses, imperceptíveis aos olhos do
grande público. Um segundo motivo é o de desmontar o discurso da
base governista, que para mascarar o conteúdo conservador e regressivo
do governo Lula, sugere que a oposição de direita através
do movimento "Cansei", pretendem criar um ambiente propício a
um golpe de Estado, como reação a um governo de caráter
supostamente popular que estaria ferindo seus interesses. Por fim, é
necessário identificar como se movimenta e como pensa as
frações mais conservadoras e reacionárias da
pequena-burguesia e da classe média brasileira, visando seu isolamento.
Iniciando nossa empreitada,
é importante notar como a nova onda de escândalos de
corrupção que envolveu a construtora Gautama e o senador por
Alagoas Renan Calheiros (PMDB-AL), tenham surgido logo após a
divulgação do Plano de Aceleração do Crescimento, o
PAC. O Plano, cujos investimentos são de cerca de 500 mil milhões
de reais principalmente em obras de infra-estrutura, é apontado pelo
governo e por seus aliados como uma alavanca que impulsionará um novo
ciclo de crescimento econômico. Ainda que existam muitas dúvidas
sobre a sua viabilidade, bem como sua real capacidade em mobilizar o volume de
recursos pretendido, o fato é que o PAC fará com que o Estado
brasileiro disponibilize uma soma fabulosa de dinheiro público.
Para melhor compreender onde quero chegar, é importante uma breve pausa
para algumas considerações de ordem teórica. É
preciso considerar que a burguesia não é um bloco
monolítico, detentora dos mesmos interesses políticos e
materiais. Em seu interior existem diversos setores que se articulam tanto em
torno de formas próprias de acumulação industrial,
comercial, agrária e bancária-financeira como de
interesses vinculados a frações internas destes mesmos setores.
Como no capitalismo monopolista o Estado é uma peça fundamental
para a acumulação de capital, seu controle político
é essencial para que ditos setores e frações da burguesia,
possam obter maiores favores e vantagens em detrimento de outros. Se o poder
é a materialização e a expressão, no plano da
política, dos interesses de uma classe social, o controle do Estado
é fundamental para que isto se efetive. É claro que este
domínio não é puramente coercitivo, mas mescla doses
variáveis de coerção e de consenso, ou seja, é
preciso que haja uma aceitação passiva da
dominação.
A lebre que pretendo levantar,
como se diz popularmente, é se o que embala a oposição de
direita ao governo Lula não está a refletir, com o anúncio
do PAC, uma disputa interna no seio da burguesia brasileira. Disputa que
não pretende, me apresso a esclarecer, uma radical mudança de
rumo em matéria macroeconômica e no caráter do Estado
brasileiro, mas uma tentativa de acomodar certos interesses de setores da
classe dominante que não estão sendo contemplados pelo governo
Lula. Sua primeira forma de expressão deu-se com a disputa eleitoral de
2006 que opôs Lula e Geraldo Alckmin. O PAC não estaria expondo
uma segunda forma de disputa no interior da classe dominante brasileira pelo
acesso ao imenso volume de recursos públicos destinados ao investimento
em obras de infra-estrutura? Não estaria o governo Lula, a partir de uma
política neodesenvolvimentista, patrocinando uma alteração
na composição dos setores dominantes da burguesia brasileira, em
detrimento daqueles que controlaram o Estado desde a década passada?
Essa composição, constituída por setores burocratizados do
movimento sindical cutista e por uma burocracia partidária ávida
por cargos, não estaria a costurar uma aliança com setores da
burguesia brasileira que vão do agronegócio, passando pela
indústria e chegando até os bancos e fundos de pensões,
que deslocou do controle do Estado, setores empresariais vinculados ao PSDB e
ao DEM?
São questões que admito, muito humildemente, não ser capaz
de responder. Porém, sinalizam certas movimentações que
pode estar se passando no interior da classe dominante brasileira, e que servem
para embalar a oposição de direita ao governo Lula. Uma
oposição que no caso do PSDB, não conta com o respaldo de
setores internos do próprio partido, beneficiados pelos investimentos
previstos no PAC, além de outras razões. É o caso de
Aécio Neves em Minas Gerais, cortejado por Lula para ser seu sucessor
nas eleições presidenciais de 2010; é também o caso
de Tasso Jereissati no Ceará, cujas obras de transposição
do São Francisco atende aos interesses da elite local daquele estado; e
mesmo em alguns aspectos José Serra em São Paulo, que
mantém uma relação amigável com o governo Lula.
Nenhum deles faz uma oposição como a levada a cabo por outros
setores do tucanato ligados principalmente a Geraldo Alckmin.
A AGENDA ESCONDIDA
O que torna o reconhecimento destas movimentações difícil
e quase imperceptível, sendo mais fácil carimbá-las como
uma luta pelo poder ou manifestação da elite contra um governo
que estaria a defender os interesses populares, é que a forma pela qual
ela se expressa é vazada em um discurso moral oportunista. Ele se resume
a atacar por um viés conservador os efeitos mais superficiais dos
problemas sociais. Como na política burguesa a luta pelo poder é
um vale tudo, a tática adotada pela oposição é a de
atacar quem dirige o governo, a partir de suas contradições e
dificuldades em resolver os problemas mais imediatos vividos pela
população, em seu conjunto ou por parcelas dela. A
oposição não pode expor as razões do porque ela
é oposição, abrindo o jogo sobre os seus reais interesses
e objetivos. Ela precisa ocultá-los sob o manto dos discursos
moralistas, ou pegar carona
[NR 4]
em manifestações sobre temas difusos que sensibilizem a
opinião pública. Jamais ela manifestará seus reais
interesses e objetivos, pois o que ela necessita é construir uma base
social que lhe apóie. E para isso ela tem de se apresentar ao grande
público como a guardiã dos seus interesses e detentora de
virtudes morais imaculadas. Sem assumir essa postura, as
oposições nos regimes democráticos burgueses, não
conseguem se postular como porta-vozes dos descontentes, nem tampouco criam uma
base social que os legitimem em futuras contendas políticas e
eleitorais.
Creio que o que assistimos no atual contexto político, é o uso
pela oposição de direita dessa tática. Ela busca o
desgaste da imagem do governo frente à opinião pública. A
farta munição para isso é encontrada nas recentes
denúncias de corrupção, na incapacidade do governo em
resolver o problema da segurança pública e, agora, na
incompetência em resolver a crise aérea agravada pelo acidente com
o avião da TAM em São Paulo no último mês de julho.
As considerações acima nos remetem a pensar em outras
possibilidades que sustentam a oposição de direita a Lula. A
primeira delas, cuja senha foi dada pelo jornal
Folha de São Paulo
em sua edição de 12/08/2007, está na disputa eleitoral
para a prefeitura paulistana do ano que vem. A pesquisa publicada pelo jornal
indica que Geraldo Alckmin (PSDB) leva vantagem na preferência do
eleitorado frente a Marta Suplicy (PT). Não seria as
manifestações da oposição de direita através
do movimento "Cansei", uma forma de desgastar indiretamente a
candidata petista, por uma antecipação da campanha eleitoral?
Outra questão a ser pensada é se o que a oposição
de direita está fazendo não seria uma luta para reconquistar sua
tradicional base social de apoio, pela adoção de uma
tática de desgaste e de deslegitimação do governo Lula
através do movimento "Cansei". Para melhor compreender esse
argumento, é preciso reconhecer a capacidade do governo Lula em formar
uma aliança pluriclassista em torno de um projeto neodesenvolvimentista
expressado através do PAC, que agrupa setores da burocracia sindical
cutista e do próprio Partido dos Trabalhadores, com setores da classe
dominante. Para ilustrar meu argumento, tomo como exemplo o acordo do etanol
entre Brasil e Estados Unidos, que beneficiará amplamente os usineiros
de São Paulo, onde se localizam as maiores usinas do mundo. Ela
não passou por uma articulação feita a partir do governo
do estado de São Paulo, dirigido por José Serra do PSDB, mas pelo
próprio governo federal. Lula tem se empenhado em vender o projeto de
produção do etanol como alternativa de desenvolvimento nacional,
visitando países da América Latina para que estes aceitem os
investimentos dos usineiros brasileiros para a produção de
biocombustíveis voltados ao atendimento do mercado norte-americano. Em
outras palavras, o governo Lula se tornou um defensor e representante dos
interesses do agronegócio, fato já clarificado nas
eleições presidenciais de 2006, quando recebeu o apoio de Blairo
Maggi, governador do estado de Mato Grosso e um dos maiores produtores
individuais de soja do mundo. Por tais motivos, não pretendem os setores
do PSDB e do DEM, a partir de um discurso moralista e de uma postura de
guardiões dos interesses públicos, resgatar a base social de
apoio que ele perdeu para o governo petista?
São questões para as quais, repetimos mais uma vez, ainda
não temos respostas claras e conclusivas, mas que precisam ser tomadas
em conta para uma análise que não se restrinja a uma breve
apreciação da oposição de direita, como se tratando
de uma pura e simples luta pelo poder.
Creio que essas
considerações bastam para tornar a tese governista de que a
oposição de direita está preparando um golpe de Estado,
completamente absurda. Cabe reconhecer, porém, que a tese golpista
é habilmente manuseada pela base governista. Antes de tudo porque os
setores da pequena-burguesia e da classe média, mobilizados pelo
movimento "Cansei", não apenas propugnam o "Fora
Lula!" e uma saída golpista, reclamando a volta dos militares ao
poder, mas pela defesa de bandeiras conservadoras e retrógradas, como a
redução da maioridade penal, a crítica contundente aos
movimentos de direitos humanos, o ataque às organizações e
manifestações populares que rompem com os estreitos limites do
marco legal burguês e, pasmem, até mesmo a separação
de algumas unidades da federação, como São Paulo e os
estados do sul Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul
do resto do país.
SUB-IMPERIALISMO BRASILEIRO
Como reforço ao meu argumento sobre o absurdo da tese golpista,
apresento dois fatos. O primeiro é a visita de Lula, acompanhado por uma
comitiva de 50 empresários, a países da América Central. O
objetivo é o de ampliar os mercados para os produtos brasileiros,
além de fechar acordos que permitam o investimento em alguns
países centro-americanos de usinas que produzam etanol destinado ao
mercado norte-americano, já que estas nações possuem
acordos de livre comércio com os Estados Unidos. Ora, como poderia a
burguesia brasileira estar armando um golpe contra Lula, se sua política
comercial atende aos interesses do agronegócio?
Outro exemplo: se o governo Lula fosse tão pernicioso aos interesses da
burguesia brasileira, fazendo com que esta buscasse derrocá-lo por meio
de um golpe de Estado, como explicar as polpudas contribuições
financeiras recebidas para a sua campanha presidencial em 2006? Como a
burguesia poderia apoiar com o que ela tem de mais precioso, seu dinheiro, um
candidato que estaria supostamente ferindo seus interesses? De acordo com
informações declaradas pelo próprio PT ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), o partido recebeu R$ 43,2 milhões em
doações para a campanha eleitoral de 2006, enquanto seu principal
adversário, o PSDB, angariou "apenas" R$ 14,64 milhões.
[2]
Se analisarmos os apoios financeiros dados por setor econômico, a
campanha de Lula em 2006 foi beneficiada pelas contribuições dos
empresários da construção civil, de frações
do setor de telecomunicações, dos usineiros,
frações ligadas ao agronegócio como os produtores de suco
de laranja e os bancos.
[3]
A tese golpista, portanto, não se sustenta. No entanto, ela adquire
consistência dado o caráter das manifestações
promovidas pelo movimento "Cansei", que conta entre seus
organizadores com figuras ligadas ao tucano Geraldo Alckmin do PSDB. Por sua
composição social, bandeiras reivindicatórias, sua
oposição às experiências de governos populares e
socialistas na América Latina
[4]
, seu forte preconceito de classe pela origem social de Lula, enfim, por seu
caráter reacionário e conservador, temos a impressão,
estimulada pela base governista, de que setores da elite brasileira estariam
reagindo aos supostos avanços progressistas patrocinados pelo governo. A
conseqüência disso para quem faz uma oposição de
esquerda e socialista, é não só um reforço à
blindagem política de Lula, elevando seus índices de
popularidade, como cria dificuldades para uma crítica de esquerda e
progressista ao seu governo.
Quanto à caracterização do movimento "Cansei",
creio que é preciso fazer uma análise séria de seu
ideário, para além das chacotas e das críticas
desqualificadas que o tratam como um movimento de uma elite entediada com seu
padrão de vida nababesco. Ele expressa o descontentamento de setores
reacionários e conservadores da pequena-burguesia e da classe
média brasileira em relação a certas questões que
atinge diretamente o seu cotidiano. Em primeiro lugar, está a
questão da corrupção quase endêmica do Estado
brasileiro. Outra questão que a atinge é o problema da
violência urbana para o qual exigem medidas duras como a
redução da maioridade penal e a aplicação de penas
mais duras contra os criminosos, além de apoiarem ações
policiais violentas como as que tiveram efeito no Complexo do Alemão, no
Rio de Janeiro. Por fim, a crise aérea, exposta de maneira contundente
com o acidente do avião da Gol que caiu no Mato Grosso em agosto de 2006
e refletida nos constantes atrasos e cancelamentos de vôos por todo o
país, tirou-a definitivamente do sério. Porém, ainda
faltava a gota d'água, e esta se deu com o trágico acidente com o
avião da TAM, em julho passado. O mundo cor de rosa da classe
média brasileira tingiu-se de vermelho sangue, expondo não apenas
sua insegurança individual quando tem seu carro ou sua casa assaltada,
mas uma insegurança que pode atingi-la coletivamente.
É neste ambiente de insatisfação e de insegurança
coletiva vivida pela classe média e pela pequena burguesia, bem como em
sua crítica moralista à corrupção e à
incompetência do governo Lula em resolver a crise aérea e o
problema da segurança pública, que os setores oposicionistas de
direita buscam e estimulam o aparecimento de uma base social que lhes dê
apoio. É em tal contexto que ela desenvolve sua política de
desgaste do governo Lula pelas possíveis razões que procurei
indicar ao longo deste texto.
A partir de tudo isso, qual o papel dos revolucionários frente à
oposição de direita e ao movimento "Cansei"? Antes de
tudo, é preciso refutar a tese oportunista de que se prepara um golpe de
Estado contra Lula. O texto procurou demonstrar que Lula não será
deposto, pois seu governo atende perfeitamente os interesses da classe
dominante brasileira. As manifestações organizadas pelo movimento
"Cansei" são expressões residuais de setores
reacionários e conservadores da pequena-burguesia e da classe
média brasileira, especialmente a paulistana, de fôlego curto e de
pouco alcance social. Seu caráter e conteúdo de classe
explicitamente retrógrado impedem que ele adquira apoio das classes
populares, que sabiamente desconfiam de manifestações cujos
participantes vão a elas com seus carros de luxo e levando ao colo seus
cãezinhos de estimação. Porém, são
habilmente utilizadas pela oposição de direita, conforme vimos.
Mas, para refutar a tese golpista, é preciso empreender um duro ataque
pelos setores mais conscientes da classe trabalhadora brasileira, às
manifestações sociais da oposição de direita. E
isto deve ser feito não apenas por seu caráter conservador, mas
porque atrapalha a oposição de esquerda. Em suma, penso que a
posição dos revolucionários deva ser, refutar a tese
golpista e recusar a oposição social de direita.
Por fim, às forças políticas de esquerda, comunistas e
socialistas revolucionários, cabe a tarefa de colocar a classe
trabalhadora em movimento contra a nova onda de reformas de cunho neoliberal.
É só na luta pela manutenção e
ampliação de seus direitos que os trabalhadores aprenderão
o quanto o governo Lula é prejudicial aos seus interesses. E é
também só por meio da luta que os trabalhadores e as
forças políticas de esquerda serão capazes de fazer uma
oposição de esquerda ao governo Lula, construindo um projeto de
sociedade capaz de nos tirar da barbárie capitalista rumo a uma
sociedade verdadeiramente democrática e igualitária: a sociedade
socialista.
Campinas, agosto de 2007.
Notas
1- "Pobre é que deveria zangar; rico já ganhou muito, diz
Lula",
Folha de São Paulo,
01/08/2007.
2-
"Empreiteira e banco foram os maiores doadores do PT",
Folha de São Paulo,
17/05/2007.
3- "Interesses setoriais orientam financiamento de campanha",
Folha de São Paulo,
20/08/2006.
4- Em um panfleto apócrifo que convocava as pessoas a se manifestarem
pedindo o Fora Lula!, estava estampada, além das fotos de José
Dirceu e Delúbio Soares, acusados de envolvimento no escândalo do
mensalão, imagens de Lula abraçado aos presidentes Hugo
Chávez da Venezuela, Evo Morales da Bolívia e Fidel Castro de
Cuba.
Notas de resistir.info
[NR 1] No Brasil chamam-se de "usineiros" aos proprietários de
fábricas de açucar de cana, que habitualmente também
são donos de vastos latifúndios com canaviais. Os trabalhadores
empregados nesses canaviais vivem em condições atrozes.
[NR 2} DEM: Refere-se aos "Democratas", sigla actual do ex-PFL
(Partido da Frente Liberal) que reune os sectores mais conservadores e
retrógrados da classe dominante brasileira. Sua base social são
os latifundiários e sectores ligados ao agronecócio.
[NR 3] Chamam-se "tucanos" aos membros do PSDB, partido do
ex-presidente F. H. Cardoso
[NR 4] "pegar carona": apanhar boleia.
[*]
Militante do movimento sindical e popular de Campinas, estado de São
Paulo, Brasil e dirigente estadual do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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