Bolívia: em busca de um governo popular

por Bolpress / ALTERCOM

Manifestação em El Alto, 06/Junho/05. A renúncia de Carlos Mesa ou a demissão dos presidentes do Senado e da Câmara de Deputados, Hornando Vaca Diez e Mario Cossio, respectivamente, não garantem a pacificação do país e tão pouco a antecipação das eleições presidenciais, que só prolonga a agonia. Os sectores sociais mobilizados em quase todos os departamento da Bolívia desconfiam do simples movimento de fichas políticas, como sempre se fez, e depois de 20 anos de sucessivas derrotas frente aos governos de turno agora mantêm-se inflexíveis nas suas exigências principais: a nacionalização dos hidrocarbonetos e Assembleia Constituinte, que não são senão palavras-de-ordem pela transformação do sistema económico e a tomada do poder.

Nacionalización del gas, carajo. "Continuaremos a trabalhar para que nós, o povo sofrido, tenhamos participação no governo porque do contrário sempre vamos trabalhar para outros e isto deve mudar. O cabildo de ontem (segunda-feira) foi claro e pediu o governo popular. Não podemos estar de acordo em que Hornando Vaca Diez seja presidente, tão pouco Mario Cossío, seguramente restará em última instância Eduardo Rodríguez (presidente do Tribunal Supremo), ainda que a população em muitos casos também não esteja de acordo com isso. Então, não vai restar outro caminho senão que o próprio povo forme um governo popular, como se disse ontem no cabildo. Todos temos que unir-nos em torno de um fim, o de que algum dia temos que ser governo. Nem com as eleições nem com a renúncia de Carlos Mesa solucionam-se os problemas. Entretanto, se é que isto se dê, creio eu que todos os sectores vamos ter que nos unirmos e formar uma só força, porque do contrário estaríamos a trabalhar para os mesmos políticos, para os mesmos ladrões que há anos nos governam", opina Abel Mamani, líder da Federação de Juntas de Moradores (Fejuve) de El Alto, por agora a vanguarda da luta popular na Bolívia.

Com a Fejuve de El Alto à cabeça, em 2003 as massas insurrectas derrubaram o principal expoente do neoliberalismo na Bolívia, Gonzalo Sáchez de Lozada, o qual privatizou as empresas estratégicas. Em princípios de 2004, a pressão dos moradores de El Alto obrigou o governo a rescindir o contrato de fornecimento de água potável com a transnacional francesa Suez. Em meados de 2005, mais uma vez, os altenhos levantaram-se em pé de guerra, mas desta vez não estão dispostos a rifar a luta. Daí que a sua proposta seja não delegar o poder nos mesmos de sempre e sim exercê-lo directamente.

No cabildo realizado esta segunda-feira no centro de La Paz, uma mobilização poucas vezes vistas na história da Bolívia, proclamou-se a urgência de construir o novo governo de operários, camponeses e classes médias empobrecidas através de uma Assembleia Popular Nacional, retomando a experiência da Assembleia Popular dos anos 70 que foi truncada violentamente pela ditadura de Hugo Banzer e o Plano Condor. Os sindicatos asseguram que a proposta não é utópica pois a situação política mudou assim como a correlação de forças que se observa no plano internacional.

Todos os discursos que ouviram no multitudinário cabildo apontaram ao mesmo objectivo: "Não há solução nesta sociedade apodrecida (...) Os bolivianos têm que expulsar as transnacionais e recuperar as nossas riquezas naturais. Nós os trabalhadores estamos a orientar-nos para a tomada do poder político e económico do país e para a construir o governo de operários e camponeses", resumiu o dirigente dos professores de La Paz, Wilma Plata, que é militante do Partido Obrero Revolucionario (POR). Tradicionalmente, as palavras-de-ordem do POR costumam assustar, especialmente os sectores políticos reformistas como o MAS e outras fracções populares mais moderadas. Mas em meio à radicalidade geral, as propostas trotsquistas soam como razoáveis para as massas.

No cabildo aberto realizado ontem em La Paz, ao qual assistiram mineiros, camponeses, professores, moradores de El Alto, universitários, juntas escolares, trabalhadores da saúde, desempregados, normalistas e outros sectores, ratificou-se a decisão de lutar pela nacionalização dos hidrocarbonetos. Em Oruro, um cabildo aberto realizado aprovou a greve geral indefinida em todo o departamento e o bloqueio de todas as estradas que conduzem ao interior da República. Em Camiri, a capital petrolífera do país, a Assembleia do Povo Guaraní bloqueia desde ontem as principais estradas do Chaco. Nelly Romero, presidenta da APG, afirmou que a renúncia do Presidente não solução para a crise e sugeriu "que se vayan todos los políticos de una vez por todas".

Ainda que Vaca Díez e Cossío não tenham dado sinais de que seguirão os passos de Mesa, o presidente do Tribunal Supremo, Eduardo Rodríguez, terceiro na linha de sucessão constitucional, declarou que está disposto a assumir o comando do país só para cumprir uma tarefa fundamental: convocar eleições gerais o mais cedo possível.

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09/Jun/05