Bolívia: em busca de um governo popular
por Bolpress / ALTERCOM
A renúncia de Carlos Mesa ou a demissão dos presidentes do Senado
e da Câmara de Deputados, Hornando Vaca Diez e Mario Cossio,
respectivamente, não garantem a pacificação do país
e tão pouco a antecipação das eleições
presidenciais, que só prolonga a agonia. Os sectores sociais
mobilizados em quase todos os departamento da Bolívia desconfiam do
simples movimento de fichas políticas, como sempre se fez, e depois de
20 anos de sucessivas derrotas frente aos governos de turno agora
mantêm-se inflexíveis nas suas exigências principais: a
nacionalização dos hidrocarbonetos e Assembleia Constituinte, que
não são senão palavras-de-ordem pela
transformação do sistema económico e a tomada do poder.
"Continuaremos a trabalhar para que nós, o povo sofrido, tenhamos
participação no governo porque do contrário sempre vamos
trabalhar para outros e isto deve mudar. O cabildo de ontem (segunda-feira)
foi claro e pediu o governo popular. Não podemos estar de acordo em que
Hornando Vaca Diez seja presidente, tão pouco Mario Cossío,
seguramente restará em última instância Eduardo
Rodríguez (presidente do Tribunal Supremo), ainda que a
população em muitos casos também não esteja de
acordo com isso. Então, não vai restar outro caminho
senão que o próprio povo forme um governo popular, como se disse
ontem no cabildo. Todos temos que unir-nos em torno de um fim, o de que algum
dia temos que ser governo. Nem com as eleições nem com a
renúncia de Carlos Mesa solucionam-se os problemas. Entretanto, se
é que isto se dê, creio eu que todos os sectores vamos ter que nos
unirmos e formar uma só força, porque do contrário
estaríamos a trabalhar para os mesmos políticos, para os mesmos
ladrões que há anos nos governam", opina Abel Mamani,
líder da Federação de Juntas de Moradores (Fejuve) de El
Alto, por agora a vanguarda da luta popular na Bolívia.
Com a Fejuve de El Alto à cabeça, em 2003 as massas insurrectas
derrubaram o principal expoente do neoliberalismo na Bolívia, Gonzalo
Sáchez de Lozada, o qual privatizou as empresas estratégicas. Em
princípios de 2004, a pressão dos moradores de El Alto obrigou o
governo a rescindir o contrato de fornecimento de água potável
com a transnacional francesa Suez. Em meados de 2005, mais uma vez, os
altenhos levantaram-se em pé de guerra, mas desta vez não
estão dispostos a rifar a luta. Daí que a sua proposta seja
não delegar o poder nos mesmos de sempre e sim exercê-lo
directamente.
No cabildo realizado esta segunda-feira no centro de La Paz, uma
mobilização poucas vezes vistas na história da
Bolívia, proclamou-se a urgência de construir o novo governo de
operários, camponeses e classes médias empobrecidas
através de uma Assembleia Popular Nacional, retomando a
experiência da Assembleia Popular dos anos 70 que foi truncada
violentamente pela ditadura de Hugo Banzer e o Plano Condor. Os sindicatos
asseguram que a proposta não é utópica pois a
situação política mudou assim como a
correlação de forças que se observa no plano internacional.
Todos os discursos que ouviram no multitudinário cabildo apontaram ao
mesmo objectivo: "Não há solução nesta
sociedade apodrecida (...) Os bolivianos têm que expulsar as
transnacionais e recuperar as nossas riquezas naturais. Nós os
trabalhadores estamos a orientar-nos para a tomada do poder político e
económico do país e para a construir o governo de
operários e camponeses", resumiu o dirigente dos professores de La
Paz, Wilma Plata, que é militante do Partido Obrero Revolucionario
(POR). Tradicionalmente, as palavras-de-ordem do POR costumam assustar,
especialmente os sectores políticos reformistas como o MAS e outras
fracções populares mais moderadas. Mas em meio à
radicalidade geral, as propostas trotsquistas soam como razoáveis para
as massas.
No cabildo aberto realizado ontem em La Paz, ao qual assistiram mineiros,
camponeses, professores, moradores de El Alto, universitários, juntas
escolares, trabalhadores da saúde, desempregados, normalistas e outros
sectores, ratificou-se a decisão de lutar pela
nacionalização dos hidrocarbonetos. Em Oruro, um cabildo aberto
realizado aprovou a greve geral indefinida em todo o departamento e o bloqueio
de todas as estradas que conduzem ao interior da República. Em Camiri,
a capital petrolífera do país, a Assembleia do Povo
Guaraní bloqueia desde ontem as principais estradas do Chaco. Nelly
Romero, presidenta da APG, afirmou que a renúncia do Presidente
não solução para a crise e sugeriu
"que se vayan todos los políticos de una vez por todas".
Ainda que Vaca Díez e Cossío não tenham dado sinais de que
seguirão os passos de Mesa, o presidente do Tribunal Supremo, Eduardo
Rodríguez, terceiro na linha de sucessão constitucional, declarou
que está disposto a assumir o comando do país só para
cumprir uma tarefa fundamental: convocar eleições gerais o mais
cedo possível.
O original encontra-se em
www.altercom.org.
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