A China e o equilíbrio do terror financeiro
por Alejandro Nadal
Durante o apogeu da guerra fria, a doutrina da destruição
mútua assegurada era fundamental: os Estados Unidos e a União
Soviética mantinham seus arsenais em estado de alerta permanente e ambas
as super-potências sabiam que não podiam pretender aniquilar todas
as armas nucleares da outra num ataque surpresa. O arsenal sobrevivente seria
suficiente para infligir danos intoleráveis ao atacante. A garantia da
destruição mútua assegurada tinha em inglês a
sugestiva sigla de MAD
(mutual assured destruction).
Como indica o acrónimo, era baseada numa loucura.
Hoje uma estrutura parecida rege o destino da economia mundial. Os Estados
Unidos e a China estão atados por um dilema semelhante ao
equilíbrio do terror nuclear, mas desta vez aplicado às
finanças internacionais: o primeiro é o maior devedor do mundo,
ao passo que o segundo é o seu credor mais importante.
O défice estado-unidense em conta corrente aumenta a cada mês em
velocidade vertiginosa. Isso faz com que cresçam os temores quanto ao
valor do dólar ou, para sermos mais precisos, sobre a
duração da calma antes da tormenta. Com efeito, um
cenário no qual se produza a fuga frente ao dólar e todo o mundo
queira trocá-los por outro tipo de activos ou divisas não
é impensável. Nesse contexto, surge a grande pergunta: estaria
a China interessada em detonar esse processo?
A China tem reservas de 1,2 mil milhões de dólares. Desse
montante, aproximadamente 900 mi milhões encontram-se numa mistura de
títulos e bónus do Tesouro dos EUA. Qualquer movimento no
sentido de se desfazer desta massa de recursos denominados em dólares
provocaria a derrubada da divisa verde, uma alta nas taxas de juros no Estados
Unidos e provocaria uma recessão severa nesse país. A
própria estabilidade da economia mundial estaria em jogo.
Na semana passada funcionários do governo chinês utilizaram a
metáfora da "opção nuclear" ao insinuar que o
seu país poderia utilizar suas reservas em bónus do Tesouro
estado-unidense como arma de negociação, em resposta à
imposição de sanções comerciais por parte de
Washington.
A ameaça foi recebida com mal estar nos Estados Unidos. Mas
também com incredulidade por se considerar que se a China provocasse a
derrubada do dólar sofreria perdas enormes uma vez que 70 por cento das
suas reservas estão em activos denominados em dólares. Pior
ainda, afectaria negativamente a economia estado-unidense e isso não lhe
convém porque esse país está entre os seus principais
clientes.
Mas os EUA continuam obcecados com a ideia de que o incremento do seu
défice comercial com a China é devido à
sub-avaliação do renminbi (que embaratece mais as
exportações chinesas). Todos os políticos da Casa Branca,
desde Bush até Obama e Hillary, repetem esta ideia: haverá que
impor sanções comerciais aos chineses se não tratarem de
reavaliar o renminbi a fim de eliminar esta fonte desleal de competitividade.
Esta colocação ignora que nos últimos dois anos o renminbi
valorizou-se uns 10 por cento contra o dólar, mas isso não travou
o incremento no superávite comercial chinês, que em Junho
último atingiu os 27 mil milhões de dólares.
Nesta era de volatilidade, reestruturação de mercados de
crédito e intervenções da autoridades monetárias
para acalmar borbulhas especulativas, ressurge o medo de uma crise financeira
global. O equilíbrio do terror que liga a China e os Estados Unidos
é a peça chave do tecido económico internacional e o
nervosismo dos credores (detentores de dólares) aumenta.
Na economia planetária os seus agentes sabem que estão contados
(se é que já não se acabaram) os dias em que o
dólar estado-unidense era a moeda de reserva internacional por
excelência. Mas ainda se mantém uma situação na
qual a maior parte das reservas dos bancos centrais está denominada
nessa divisa.
Paradoxalmente, na medida em que a China conserva uma parte significativa das
suas reservas em dólares, contribui para manter o papel dessa divisa
como moeda de referência à escala mundial. Mas se o
equilíbrio do terror repousa num paradoxo, isso torna-o especialmente
instável. A presença do euro vem complicar as coisas, porque o
jogo entre três aumenta a probabilidade de desestabilização
do balanço do terror e nos aproxima de um cenário de conflito
aberto.
A China poderia iniciar uma mudança gradual na composição
das suas reservas, digamos com 40 por cento em dólares, outros 40 por
cento em euros, e uns 20 por cento em yenes. Isto levaria a uma
apreciação do renminbi, que é o que Washington diz
procurar. Também estaria mais de acordo com a
diversificação geográfica do comércio chinês.
Mas, ainda que isso pudesse permitir escapar ao dilema da
destruição mútua assegurada, a ironia é que
Washington não vê com bons olhos esta solução porque
contribui para minar o papel do dólar a nível mundial. Os
Estados Unidos insistem em jogar o tudo ou nada. Não é boa
estratégia.
22/Agosto/2007
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2007/08/22/index.php?section=opinion&article=024a1eco
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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