Porque Bush quer confrontar a Coreia do Norte
O teste nuclear da Coreia do Norte e as sanções das
Nações Unidas levaram ao seu ponto mais baixo as
relações entre os EUA e a Coreia do Norte desde que o presidente
Bush tomou posse do seu cargo. No entanto, ainda há menos de um ano que
por pouco tempo se alimentaram esperanças de uma resolução
diplomática do diferendo nuclear. Nas conversações a seis
de 19 de Setembro de 2005, foi assinada uma declaração de
princípios sobre desarmamento nuclear pelos EUA e pela República
Popular Democrática da Coreia (RPDC, o nome formal da Coreia do Norte).
A administração Bush porém encarou a sua assinatura deste
acordo apenas como um adiamento táctico. Durante as
negociações rejeitou firmemente essa declaração e
só cedeu quando a delegação chinesa ameaçou
denunciar que a culpa era dos EUA se as conversações a seis
fracassassem.
Ainda a tinta não havia secado no documento já os EUA estavam a
violar um dos seus pontos principais. Embora nos termos do acordo fosse exigido
aos EUA que começassem a normalizar as relações com a
Coreia do Norte, logo no dia seguinte foi anunciada a imposição
de sanções sobre as contas da Coreia do Norte existentes no Banco
Delta Ásia com sede em Macau, ostensivamente por as mesmas estarem a ser
utilizadas para pôr em circulação notas falsas.
Se havia qualquer base para esta acusação, ou não,
é o que ainda falta demonstrar, mas pelo menos há algumas
razões para o cepticismo. Klaus Bender, especialista alemão de
falsificações, pensa que, dado que as notas americanas são
impressas em papel expressamente fabricado em Massachusetts, e utilizam uma
tinta baseada numa fórmula química secreta, "é
impensável" que quaisquer pessoas que não americanos
"pudessem obter esses materiais". As impressoras que a Coreia do
Norte obteve há três décadas, diz Bender, estão
"obsoletas e não têm possibilidade de produzir a supernota
[**]
de dólar americana, um produto de alta tecnologia". Insinuou
fortemente que a fonte das notas falsas poderia ser a CIA visto que esta
"tem em funcionamento uma instalação secreta de
impressão equipada com a tecnologia sofisticada necessária para a
produção das notas". Que a CIA tenha a capacidade de
imprimir notas não prova que o tenha feito. No entanto, teria um
motivo, e o que é certo é que a origem ainda não foi
detectada. De onde quer que tenham aparecido as supernotas falsas, a
administração Bush agarrou avidamente na questão como
pretexto para desencadear acções contra a Coreia do Norte. Apesar
disso, declara Bender, "a opinião dos peritos" é que a
acusação dos EU contra a Coreia do Norte "não
é sustentável".
[1]
O Banco Delta Ásia apressou-se a desmentir a acusação,
afirmando que as suas relações profissionais com a Coreia do
Norte eram totalmente legítimas e comerciais. Mais de um ano depois, os
EUA ainda estão à espera de completar a sua
investigação. Enquanto a investigação se mantiver
por resolver, os EUA podem continuar a congelar os fundos da RPDC. O embaixador
russo na Coreia do Sul, Gleb Ivashentsov, interpelou os EUA para que
apresentasse provas que suportassem as suas acusações. Mas tudo o
que os russos receberam foi "informações sobre boatos".
Em Março de 2006 responsáveis do Tesouro dos EUA reuniram-se em
Nova Iorque com uma delegação da Coreia do Norte, mas não
apresentaram nada que justificasse a acusação. Ri Gun, chefe da
delegação norte coreana, afirmou posteriormente, "Não
houve comentários nem discussão" sobre provas. Propôs
nessa reunião que fosse criado um órgão consultivo
EUA-RPDC para "trocar informações sobre crimes financeiros e
preparar contra medidas". Os norte coreanos declararam que reagiriam a
provas de falsificação prendendo os que estivessem envolvidos e
apreendendo o seu equipamento. "Nesse órgão consultivo pode
haver um diálogo entre ambas as partes através do qual se pode
construir a confiança. Teria um impacto muito positivo na abordagem da
questão nuclear na península coreana", disse Ri. A
delegação também sugeriu que podia ser aberta uma conta
norte coreana numa instituição financeira americana e colocada
sob supervisão dos EUA, de modo a eliminar quaisquer suspeitas.
[2]
Evidentemente, as propostas da Coreia do Norte foram rejeitadas. Ao levantar a
questão da alegada falsificação, a
administração Bush tratou de utilizá-la como forma de
justificar a guerra económica contra a RPDC. O que a
administração Bush queria não era um acordo com a Coreia
do Norte, mas sim uma mudança de regime, e em breve se seguiram novas
acções. Os EUA prosseguiram, impondo sanções a
várias firmas import-export norte coreanas, com a acusação
não comprovada de que estavam envolvidas no comércio de armas.
Depois foram anunciadas mais sanções, desta vez em
relação a diversas firmas indianas e russas que tinham
negócios com a RPDC, juntamente com outras companhias norte coreanas.
[3]
As medidas tomadas contra o Banco Delta Ásia privaram a Coreia do Norte
de um importante ponto de acesso a divisas estrangeiras, e também
serviram como mecanismo para maximizar o efeito das sanções. Ao
colocar o Banco Delta Ásia na lista negra, os EUA forçaram outras
instituições financeiras a cancelar negócios com o banco,
até que este foi obrigado a cortar relações com a Coreia
do Norte. Em breve a campanha assumiu uma dimensão global. O
Departamento do Tesouro americano enviou cartas de alerta aos bancos de todo o
mundo, o que se traduziu numa onda mundial de fechos de contas bancárias
da Coreia do Norte. Com medo da retaliação dos EUA, os bancos
consideraram ser mais prudente fechar as contas da Coreia do Norte do que
correr o risco de entrarem para a lista negra e serem afastados do
negócio. Stuart Levey, sub-secretário do Tesouro observou que as
sanções e as ameaças dos EUA haviam posto a RPDC sob
"grande pressão", o que provocou um "efeito de avalanche
de bola de neve". As acções dos EUA destinavam-se a sabotar
qualquer perspectiva de um acordo pacífico. A partir daí, revelou
um quadro superior da administração Bush, a estratégia
seria: "apertem-nos, mas mantenham as negociações em
andamento". Mas, prosseguiu o responsável, as
conversações apenas serviam de meio para obter a
capitulação da Coreia do Norte. Um outro quadro superior
americano descreveu o objectivo das conversações como um
"mecanismo de rendição". Na verdade, antes da
assinatura do acordo de 19 de Setembro, já os EUA haviam decidido
"avançar para medidas de maior confronto", afirma um
ex-funcionário da administração Bush.
[4]
Enquanto director-geral do Daedong Credit Bank, um banco maioritariamente de
capital estrangeiro que funciona em Pyongyang e que presta serviços
principalmente a importadores, Nigel Cowie estava em posição de
testemunhar o efeito das cartas do Departamento do Tesouro. "Soubemos
pelos clientes estrangeiros que aqui faziam negócios legítimos,
que os seus bancos ultramarinos lhes disseram que deixassem de receber
pagamentos da RPDC, senão as suas contas seriam fechadas". Para
ilustrar até que ponto os funcionários americanos estavam
preparados para chegar, Cowie descreveu uma operação que envolveu
a sua própria firma, da qual, disse, "podem tirar as vossas
próprias conclusões". Foi aberta uma conta num banco da
Mongólia. Foram feitos acordos para transacções legais de
dinheiro. Mas quando os emissários do Daedong Credit Bank chegaram
à Mongólia, foram detidos pelos funcionários de
informações da Mongólia e foi-lhes confiscado o dinheiro.
Foram feitas acusações de que os emissários estavam a
transportar notas falsas feitas na Coreia do Norte. Uma fuga de
informação para as agências de notícias, feita por
uma fonte não identificada, deu origem a notícias que acusavam
"diplomatas norte coreanos" de terem sido detidos por contrabandear
notas falsas. Duas semanas depois, os funcionários de
informações da Mongólia "mostraram-se bastante
embaraçados por terem recebido informações
incorrectas". Não é precisa muita imaginação
para adivinhar qual a fonte dessas informações incorrectas.
[5]
As acções dos EUA tiveram um sucesso retumbante. "Pela nossa
parte", explica Cowie, "estamos apenas a efectuar negócios
legítimos, mas apesar disso fomos gravemente afectados por estas
medidas. Foi efectivamente apreendida uma enorme quantidade do nosso dinheiro e
do dinheiro dos nossos clientes, não apenas em dólares
americanos, mas em todas as divisas, sem quaisquer indicações de
quando nos seria devolvido". A sorte do Banco Delta Ásia serviu de
exemplo. "Bancos com algum tipo de ligação aos EUA
estão tão aterrorizados que não querem ter nada a ver com
nenhum banco norte coreano", disse Cowie. Depois de a
participação maioritária do Daedong Credit Bank ter sido
comprada pelo Koryo Bank de propriedade britânica, o novo dono, Colin
McAskill, pediu a funcionários americanos que examinassem os registos do
banco a fim de provar que os seus fundos eram legítimos e deviam ser
descongelados. "Faremos frente aos EUA quanto às
sanções", disse. "Foram longe demais sem que
ninguém questionasse o que é que andavam a fazer".
[6]
As cartas de alerta para os bancos foram frequentemente seguidas de visitas
pessoais de funcionários americanos. Banqueiros e funcionários
americanos dizem que as mensagens continham um misto de ameaças
implícitas e de acções explícitas. Em
consequência disso, não demorou muito até estarem fechadas
quase todas as contas da Coreia do Norte abertas em bancos estrangeiros, com um
efeito nocivo para o comércio internacional da RPDC. Os
funcionários americanos estavam a infligir um grave prejuízo
económico à Coreia do Norte, mas planeavam fazer muito mais.
"Estamos só no princípio", disse o
sub-secretário do Tesouro Stuart Levey há alguns meses. Em muitos
casos, nem se insinuou que as acções estavam relacionadas com
transacções financeiras ilegais. Os funcionários
americanos passaram a pressionar abertamente as instituições
financeiras para cortar com todas as relações económicas
com a RPDC. "O governo americano está a pressionar as
instituições financeiras de todo o mundo para avaliarem
cuidadosamente os riscos de fazerem quaisquer negócios ligados à
Coreia do Norte", disse Levey. Em Setembro de 2006, os EUA já
tinham enviado mensagens oficiais para todos os estados membros da ONU,
detalhando planos para sanções económicas mais duras. As
medidas planeadas eram tão fortes que diversas nações
europeias expressaram as suas preocupações, e disse-se que os
planos visavam nada mais nada menos do que um bloqueio total de todas as
transacções comerciais e financeiras norte coreanas.
[7]
Preocupado com o caminho que os acontecimentos estavam a tomar, Selig Harrison,
director do Asia Program do Centro de Política Internacional, visitou a
RPDC e relatou o que viu. "Encontrei casos na Coreia do Norte autenticados
por gente de negócios estrangeira e embaixadas estrangeiras em que foram
bloqueadas importações legítimas de equipamento industrial
para indústrias ligeiras de confecção de bens de consumo.
Compreensivelmente os norte coreanos encaram isto como uma política de
mudança de regime destinada a provocar o colapso do seu regime
através da pressão económica". Harrison disse que a
mensagem que recebeu dos funcionários norte coreanos foi essencialmente:
"Queremos que os EUA nos demonstrem que estão dispostos a
avançar para relações normais em conformidade com o acordo
de 19 de Setembro. Se os EUA não levantarem todas as
sanções financeiras, duma só vez, então vão
ter que nos demonstrar por outras formas que renunciaram a todos os seus actos
e desistiram da política de mudança de regime".
[8]
Como era de esperar as autoridades norte coreanas sentiram-se ultrajadas por a
administração Bush ter violado de imediato o acordo de
princípios de 19 de Setembro. Enquanto os EUA continuavam a apertar a
tarraxa, a Coreia do Norte anunciou que não voltaria a participar em
conversações a seis enquanto os EUA não cumprissem o
acordo que haviam assinado. Teriam que retirar as sanções. No
mínimo, tinha que haver um diálogo para resolver quaisquer
questões sobre a acusação de falsificação.
Funcionários americanos disseram que as sanções não
estavam sujeitas a discussão, e exigiram o regresso da Coreia do Norte
às conversações a seis. A imagem apresentada ao
público americano foi a do comportamento obstinado da Coreia do Norte e
a sua recusa em negociar. Nada se disse sobre a forma como a
administração Bush havia torpedeado deliberadamente as
conversações.
Roh Moo-Hyun, presidente da Coreia do Sul, visitou Washington em Setembro de
2006, pedindo que a investigação dos EUA ao Banco Delta
Ásia fosse concluída rapidamente. Roh disse que também era
importante que os EUA se abstivessem de impor mais sanções visto
que tais atitudes impossibilitavam o reinício das
conversações a seis.
[9]
Como era de prever, este pedido foi recusado. Ao invés disso, o
Departamento de Estado americano atribuiu 1 milhão de dólares a
três estações de rádio para difundir programas
hostis à RPDC.
[10]
"Acho que as nossas sanções tiveram um impacto real",
afirmou Stuart Levey num discurso no American Enterprise Institute apenas um
mês antes do teste nuclear da RPDC, "mas o verdadeiro objectivo,
penso eu, é assistir a uma verdadeira mudança na Coreia do Norte.
Por isso não estamos satisfeitos com o que tem acontecido até
hoje".
[11]
Evaporou-se qualquer esperança de reinício das
conversações a seis. A administração Bush queria
uma mudança de regime na Coreia do Norte e era de esperar que agravasse
as tensões. Os norte coreanos conquistaram uma reputação
de frontalidade ao reagirem em conformidade: negociando quando abordados
diplomaticamente, e com dureza quando ameaçados. A Coreia do Norte
decidiu prosseguir com um teste nuclear de modo a desencorajar quaisquer
intenções de Washington quanto a acções militares.
O Ministério dos Estrangeiros da RPDC emitiu um comunicado em que se
dizia que os EUA estavam a tentar "internacionalizar as
sanções e o bloqueio contra a RPDC". Um teste nuclear seria
uma contra medida "para defender a soberania do país" contra
as "acções hostis" da administração Bush.
[12]
O teste nuclear teve lugar em 9 de Outubro. Ainda subsiste um certo
mistério quanto à natureza do teste. O resultado foi
surpreendentemente fraco, avaliado situar-se no intervalo entre 0,5 quiloton a
0,9 kiloton. Os norte coreanos haviam notificado as autoridades chinesas de
antemão de um teste iminente de 4 kiloton, muito inferior aos resultados
de outros países quando fizeram os seus primeiros testes. Pode ser que a
RPDC estivesse a tentar poupar o seu suprimento limitado de plutónio e
reduzir a extensão das emissões radioactivas. É
opinião geral que o teste foi um fracasso parcial, devido a uma
detonação incompleta da carga nuclear. Funcionários das
informações e analistas de armamento americanos acham que ou foi
testado um engenho nuclear (e não uma bomba) e não resultou bem,
ou foi feito um teste apenas de um componente nuclear. A RPDC ainda tem que
muito que andar antes de ser capaz de aperfeiçoar uma arma nuclear que
funcione. Se a RPDC queria prevenir os EUA de que tinha um dissuasor nuclear,
então conseguiu exactamente o contrário, dado que o teste revelou
que o seu programa nuclear ainda está nos primeiros passos.
[13]
Sempre foi objectivo da administração Bush conseguir apoio
internacional para as sanções da ONU contra a Coreia do Norte.
Houve na administração Bush quem admitisse que tinha
esperanças de que os norte coreanos efectuassem um teste nuclear. Tendo
manipulado a RPDC para concretizar a única opção que lhe
restava, os EUA agarraram rapidamente nessa oportunidade.
[14]
Os EUA obtiveram a aprovação do Conselho de Segurança da
ONU para sanções internacionais contra a RPDC. A China e a
Rússia conseguiram eliminar qualquer fraseologia que pudesse conduzir a
uma acção militar, mas continua a haver perigos na
resolução das ONU. Por exemplo, os estados membros da ONU
são incitados a tomar "acções cooperativas incluindo
inspecções das cargas que entram e saem da RPDC". Tanto o
Conselho de Segurança como a comissão de sanções
obtiveram o direito de aumentar a lista de bens e tecnologia que podem ser
bloqueados e a comissão tem de reunir de 90 em 90 dias para recomendar
"formas de reforçar a eficácia das medidas".
[15]
É de esperar que os EUA continuem a pressionar medidas mais
drásticas. Entidades americanas apressaram-se a assinalar que as
sanções da ONU permitiam a inspecção de barcos
norte coreanos, e deram luz verde para uma campanha mais agressiva a fim de
forçar as instituições financeiras a cortar
relações com a RPDC. A administração Bush considera
a Iniciativa de Segurança de Proliferação, um programa que
pretende visar a limitação do fluxo de armas nucleares,
biológicas e químicas, como a peça central da
coação.
[16]
Logo após a aprovação da resolução da ONU, o
embaixador americano Alexander Vershbow e o secretário adjunto de Estado
Christopher Hill pediram à Coreia do Sul para rever as suas
relações económicas com o Norte, com o objectivo de
limitar os contactos. Seguiu-se uma visita da secretária de Estado
Condoleezza Rice, que ali se deslocou para reforçar a mensagem. Em
especial, os EUA pretendiam que a Coreia do Sul cancelasse projectos
cooperativos no Norte no parque industrial de Kaesong e no aldeamento
turístico de Mount Kamgang.
[17]
A Coreia do Sul, justiça lhe seja feita, recusou-se a abandonar os
projectos, visto que ambos são essenciais aos planos de longo alcance
para a reunificação da península coreana. "A
decisão pertence à Coreia do Sul", sublinhou Song Min-Soon,
auxiliar de segurança sul coreano.
[18]
A viagem de Condoleezza Rice também a levou a Tóquio, Pequim e
Moscovo, onde aconselhou as autoridades a implementar medidas que agravem o
efeito das sanções. Sergei Lavrov, ministro dos Estrangeiros
russo, achou que Rice foi longe demais nos seus pedidos e comentou
posteriormente: "Toda a gente devia demonstrar realismo e evitar
posições extremas, intransigentes".
[19]
Previsivelmente, as entidades americanas obtiveram maior êxito no
Japão, que impôs recentemente uma proibição total do
comércio com a RPDC. Entidades oficiais japonesas referiram-se à
apresentação na ONU de uma nova resolução se a
Coreia do Norte se preparar para realizar um segundo teste. A nova
resolução, tal como encarada pelo Japão exigiria que as
nações membros da ONU bloqueassem quase todo o comércio
com a RPDC. De forma mais alarmante, seria invocado o Artigo 42 para permitir
uma acção militar.
[20]
O furor sobre o fracasso parcial do único e bastante fraco teste nuclear
da Coreia do Norte forma um curioso contraste com a indiferença com que
foram recebidos os arsenais nucleares de outras nações. Os EUA,
evidentemente, têm um enorme arsenal de armas nucleares à sua
disposição. Não há quaisquer sugestões para
que os estados nucleares mais antigos se devam desarmar, nem nunca foram
pedidas sanções contra os estados nucleares mais recentes, a
Índia, o Paquistão e Israel. Os EUA assinaram recentemente um
acordo nuclear com a Índia. Em todos estes casos, os programas nucleares
reduzem ao mínimo a importância do da Coreia do Norte. No entanto
só foi escolhida a Coreia do Norte para punição e
violência. A razão para este descarado padrão
dúplice é que nenhuma das outras potências nucleares
é um alvo potencial para as forças militares americanas. O
princípio operacional é que nenhuma das nações que
os EUA pretendem esmagar pode dispor de meios para impedir um ataque.
O teste nuclear da Coreia do Norte foi provocado pelo sentido da necessidade de
reduzir o risco de ataque dos EUA, uma consideração bastante real
dado o destino do Iraque armado de forma convencional, do Afeganistão e
da Jugoslávia. Simultaneamente, o teste foi um presente para a
administração Bush. As forças militares americanas
estão ocupadas em grande escala com as ocupações do Iraque
e do Afeganistão, mas as sanções da ONU são uma
alternativa de baixo custo para provocar a ruína da Coreia do Norte e do
seu povo. A forma como a administração Bush interpreta o que as
sanções lhe permitem fazer é uma questão de
consequências possivelmente profundas. Já houve indícios de
que os EUA podem ir muito para além da letra da resolução
e implementar medidas que representem uma ameaça real à paz. A
resolução da ONU dá às nações o
suporte legal para deter barcos norte coreanos em portos e águas
estrangeiros. Mas o embaixador americano na ONU, John Bolton, referiu-se
à possibilidade de deter e inspeccionar barcos norte coreanos em
águas internacionais, um acto que não tem qualquer base legal. Se
os EUA decidirem prosseguir nessa direcção, arriscam-se a abrir a
porta a um confronto militar no mar. O Japão está a considerar
contribuir com destróiers e aviação de patrulha para o
plano americano de perseguir os navios norte coreanos.
[21]
Isto será encarado como um acto especialmente provocador, dadas as
recordações amargas associadas aos muitos anos que a Coreia
passou sob o cruel domínio colonial japonês.
Mas a confrontação é mesmo o que a
administração Bush pretende, encarando-a como uma oportunidade
para uma punição mais forte da RPDC. Desde que desmantelou o
Acordo de Genebra de 1994, a administração Bush prosseguiu
fazendo tudo ao seu alcance para agudizar as tensões. "Os EUA nunca
tencionaram honrar o Acordo de Genebra e nunca cumpriram inteiramente nenhuma
das suas disposições", assinala Alexander Zhebin do
Instituto do Extremo Oriente da Rússia. "Os EUA adorariam colocar
uma caldeira em vias de explosão à porta da Rússia. Os
americanos afastar-se-iam e observariam a explosão na TV, e deixariam
que os russos, os chineses e os coreanos arcassem com as
consequências".
[22]
NOTAS
(*) Supernota designação de notas de dólar
falsificadas de forma quase perfeita [N.T.]
(1) "Sharply Increased US Sanctions are Based on the USD Supernote
Accusation against North Korea. But Counterfeit Experts Say the Accusation is
Baseless," European Business Association (European Chamber of Commerce in
Pyongyang), April 2006.
"An der 'Supernote' Stimmt Fast Alles," Associated Press, April 19,
2006.
(2) "NKorea Nuke Talks Uncertain," UPI, December 6, 2005.
"No US Evidence on Counterfeiting: NKorean Diplomat," Agence
France-Presse, March 9, 2006.
"N.K. Proposes Separate Negotiations to Discuss U.S. Sanctions,"
Yonhap (Seoul), March 8, 2006.
Lee Chi-dong, "Russia Urges U.S. to Present Evidence of N. Korean
Counterfeiting," Yonhap (Seoul), March 7, 2006.
(3) Jeannine Aversa, "White House Targets N. Korean Companies,"
Associated Press, October 21, 2005.
"US Slaps Sanctions on N.Korea, Russian Firms," Reuters, August 4,
2006.
"U.S. Slaps Sanctions on Two N.Korean Firms," Chosun Ilbo (Seoul),
August 7, 2006.
(4) Christian Caryl, "Pocketbook Policing," Newsweek, April 10-17,
2006.
Joel Brinkley, "U.S. Squeezes North Korea's Money Flow," New York
Times, March 10, 2006.
(5) Nigel Cowie, "US Financial Allegations What They Mean," Nautilus
Institute, May 4, 2006.
(6) Nigel Cowie, "US Financial Allegations What They Mean," Nautilus
Institute, May 4, 2006.
"North Korea's Nuclear Push May be Stymied by U.S. Banking Rules,"
Bloomberg, March 7, 2006.
Anna Fifield, "Bankers Challenge US Sanctions on North Korea,"
Financial Times (London), September 5, 2006.
(7) Steven R. Weisman, "U.S. Pursues Tactic of Financial Isolation,"
New York Times, October 16, 2006.
"N.Korean Regime Feeling Pinch from Sanctions: U.S.," Chosun Ilbo
(Seoul), April 3, 2006.
"North Funds Lose Havens in Sanctions," JoongAng Ilbo (Seoul), August
24, 2006.
"US Targets Business with North Korea," Associated Press, September
9, 2006.
"US Reportedly Asks for Cooperation with Sanctions on DPRK from UN Member
States," Chosun Ilbo (Seoul), September 13, 2006.
(8) Selig S. Harrison, "N.K. Nuclear Test Depends on U.S.," Hankyoreh
(Seoul), October 2, 2006.
(9) "South Korea Asked U.S. to Suspend Further North Korea Sanctions:
Source," Yonhap (Seoul), September 18, 2006.
(10) "US Funds Radiocasts Aimed at North," Dong-A Ilbo (Seoul),
September 28, 2006.
(11) "U.S. Not Yet Satisfied with Impact of N.K. Sanctions: Levey,"
Yonhap (Seoul), September 9, 2006.
(12) "DPRK Foreign Ministry Clarifies Stand on New Measure to Bolster War
Deterrent," KCNA (Pyongyang), October 3, 2006.
(13) Jungmin Kang and Peter Hayes, "Technical Analysis of the DPRK Nuclear
Test," Nautilus Institute, October 20, 2006.
Ivan Oelrich, "North Korea's Bomb: A Technical Assessment," Strategic
Security Blog (a Project of the Federation of American Scientists,"
October 13, 2006.
Ludwig De Braeckeleer, "N. K. Nuclear Test: Evidence and Unknowns,"
Ohmy News (Seoul), October 12, 2006.
"Alleged Radioactive Debris from N.K. Nuclear Test Detected," Yonhap
(Seoul), October 14, 2006.
Greg Miller and Karen Kaplan, "Even if Device was Flawed, Test Crossed a
Threshold," Los Angeles Times, October 10, 2006.
(14) Entrevista com Selig S. Harrison, "Harrison Faults Bush
Administration for Rejecting Step-by-Step Accords to Halt North Korea's Nuclear
Program," Council on Foreign Relations, May 10, 2004.
Glenn Kessler, "Rice Sees Bright Spot in China's New Role Since N. Korean
Test," Washington Post, October 22, 2006.
(15) "Text of U.N. Resolution on N. Korea Sanctions," CNN, October
14, 2006.
(16) Warren Hoge, "Security Council Backs Sanctions on North Korea,"
New York Times, October 15, 2006.
"U.S. Achieves Key Objectives in U.N. Resolution, with PSI as
Centerpiece," Yonhap (Seoul), October 15, 2006.
(17) Park Song-wu, "Vershbow Wants Seoul to Cut Economic Ties with
N.Korea," Korea Times (Seoul), October 18, 2006.
Richard Lloyd Parry, "US Demands the Closure of 'Cash Cow' Projects for
Kim," The Times (London), October 19, 2006.
Lee Joo-hee, "Seoul Urged to Get Tough on N. Korea," Korea Herald
(Seoul), October 19, 2006.
(18) Chun Su-jin, "Testy Official Snaps Back at U.S. Sanctions
Pressure," JoongAng Ilbo (Seoul), October 19, 2006.
Kim Ji-hyun, "Seoul Digs in Over Projects with N. Korea," Korea
Herald (Seoul), October 20, 2006.
(19) Adrian Blomfield, "Russian Rebuke for Rice over N Korea," Daily
Telegraph (London), October 21, 2006.
(20) Ewen MacAskill and Jonathan Watts, "Japan Bans All Trade with North
Korea," The Guardian (London), October 12, 2006.
"Japan Eyes Tougher N. Korea Resolution," Kyodo News Service (Tokyo),
October 22, 2006.
(21) "MSDF Set to Monitor 2 Sea-Lanes to Check Ships Near Okinawa,
Tsushima Strait," Yomiuri Shimbun, October 22, 2006.
(22) Vladimir Radyuhin, "U.S. Provoked N. Korea: Russia,"
The Hindu,
Chennai, October 22, 2006.
[*]
Autor de
Strange Liberators: Militarism, Mayhem, and the Pursuit of Profit
Outros artigos de Gregory Elich:
EUA apontam para a Coreia do Norte
, 12/Jan/2003
A mania dos mísseis: EUA e Japão ameaçam a Coreia do Norte
, 30/Jun/2006
O original encontra-se em
www.globalresearch.ca/
.
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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