Rosa Luxemburgo,
a flor mais vermelha do socialismo

por Nestor Kohan [*]

A revolução é magnifica... Tudo o mais é um disparate.
Carta de Rosa Luxemburgo a Emmanuel e Matilde Wurm (18/Julho1906)

O socialismo não é, propriamente, um problema de comer com faca e garfo, mas um movimento de cultura, uma grande e poderosa concepção do mundo.
Carta de Rosa Luxemburgo a Franz Mehring (Fevereiro/1916)

Rosa Luxemburgo, 1871-1919. Porque, precisamente hoje, nos reencontramos com ela?

Vivemos tempo de crises, rupturas, rompimentos e realinhamentos. O que parecia estável e eterno, treme, fende-se, degrada-se, soçobra. O Estado de bem estar, os direitos sociais, as instituições económicas do pósguerra, o sistema político-partidário tradicional, os "pactos sociais" entre as burocracias sindicais e o patronato. Tudo se põe em questão. Ninguém fica à margem. Não há espaço para o isolamento. O mundo capitalista unifica-se explosivamente. Cresce em extensão e profundidade.

Desde o seu aparecimento, o capitalismo passou por muitas crises. Até agora sempre as resolveu da única maneira possível, a única que conhece: genocídio, barbárie, guerras, matanças, exploração e saques. Os custos das recomposições capitalistas pagaram-nos invariavelmente os trabalhadores, as classes subalternas, os povos submetidos e todos os oprimidos da história. A violenta recomposição que na Europa e nos EUA se seguiu às rebeliões dos anos 60 e à crise dos anos 70 na América Latina veio pela mão das piores ditaduras militares da história, que esmagaram a insurreição armada com mais de 100.mil desaparecidos, centenas de milhares de prisioneiros torturados e vários milhões de exilados, não é a excepção. Constitui tão só um pequeno elo da corrente ferrugenta com que o capital nos vem oprimindo desde há demasiado tempo. A mundialização capitalista, como processo histórico e social, e o neoliberalismo, como sua legitimação ideológica, são produtos desse avanço sangrento do capital sobre os trabalhadores e da sua intenção de disciplinar e submeter todos os sujeitos potencialmente contestatários à escala global. O aprofundamento da exploração, a marginalização e a exclusão social não são" acidentes", "erros" ou excessos, mas a alma viva deste sistema de dominação.

A própria esquerda, nas suas diferentes vertentes, não ficou imune a essas violentas transformações sociais ocorridas durante o último quarto de século. A queda do muro de Berlim e o derrube ideológico que o acompanhou foram apenas a ponta do iceberg de uma série de mudanças muito mais profundas.

A crise terminal do estalinismo, outrora reinante nos países de Leste, não veio só. A social-democracia dos principais países capitalistas ocidentais navegou durante os últimos anos entre a corrupção descarada e a adaptação ao discurso e à prática neoliberal. Enquanto na maioria dos países do terceiro mundo os projectos nacional-populistas terminavam, fagocitados pelas reformas neoliberais, os ajustes permanentes, a reestruturação da dívida externa e a agressividade militarista do imperialismo.

Este panorama sombrio, marcado pela contra-revolução económica, política, cultural e militar que nublou o final do século XX, começou a dissipar-se. Não por artes mágicas nem por "mandato inelutável da história", mas pelas lutas sociais, as rebeliões populares e as mobilizações maciças. Hoje respira-se outro ar. Voltam a discutir-se os grandes problemas sobre as alternativas ao capitalismo, que havam ficado fora da agenda da esquerda durante demasiados anos. Na Venezuela e em Cuba colocadas cara a cara com o imperialismo norte-americano; nas rebeliões populares que derrubaram os governos títeres no Equador e na Bolívia; no Brasil, Argentina e Uruguai perante as frustrações crescentes pelas promessas incumpridas dos governos "progressistas"; mas também no movimento altermundista das grandes capitais europeias.

Não é por acaso, então, que nesse horizonte de rebeldia e esperança reapareça o interesse por Rosa Luxemburgo [1871-1919] em todos aqueles e aquelas que se sentem parte do leque da esquerda radical, anti-capitalista e anti-imperialista.

Quando já ninguém se recorda dos velhos pusilânimes da social-democracia e dos cínicos jerarcas do estalinismo, nem dos grandes retóricos ardilosos do nacional-populismo, o pensamento de Rosa Luxemburgo continua a provocar polémicas teóricas e a apaixonar as novas gerações de militantes. O seu espírito insubmisso e rebelde assoma à cabeça – coberta por um elegante chapéu, naturalmente – em cada manifestação juvenil contra a mundialização dos mercados, as guerras imperialistas e a dominação capitalista das grandes firmas transnacionais sobre todo o planeta.

Ninguém que tenha sangue nas veias e um mínimo de independência de critério perante os discursos do poder pode ficar indiferente perante ela. Amada e admirada pelas e pelos jovens mais radicais e combativos em todos os lugares do mundo, Rosa continua a ser, no século XXI, sinónimo de rebelião e revolução, esses fantasmas atrevidos que "a nova ordem mundial" não pôde domesticar. Nem com tanques e invasões militares, nem com a ditadura da TV. Actualmente, a sua memória desatina e desafia a triste mansidão que propagandeiam os medíocres com poder.

A simples recordação da sua figura provoca uma incomodidade insuportável naqueles que tentam emplastrar e remendar os "excessos" do capitalismo... para que funcione melhor. Os que reciclam e maquilham as velhas utopias reaccionárias tentando "convencer" pacificamente e com bons modos ao capital a que nos explore – um pouquinho – menos, e as suas instituições para que sejam – um pouquinho – mais democráticas. Quando os desinsuflados e arrependidos da revolução entoam os antigos cantos de sereia, hoje disfarçados com a roupagem de "terceira via" ou o "capitalismo de rosto humano", a herança insepulta de Rosa resulta num formidável antídoto.

As suas demolidoras críticas ao reformismo – que ela estigmatizou sem piedade em Reforma ou Revolução e em A Crise da Social-democracia – não deixam títere com cabeça. Constituem, seguramente, um dos elementos mais perduráveis das suas reflexões teóricas.

Voltar a respirar o ar fresco dos seus textos permite admirar a imensa estatura ética com que ela entendeu, apregoou, militou e viveu a causa mundial do socialismo. Um ética incorruptível que não se deixa comprar, nem afixar-lhe preço algum. Uma ética que levanta o seu dedo acusador contra a corrupção, mediante a qual o neoliberalismo do Tio Sam asfixiou o mundo durante o último quarto de século, acompanhado pela sua obediente e servil sobrinha, a social-democracia europeia e latino-americana.

Além de refutar e combater apaixonadamente o reformismo em todas as suas vertentes, Rosa também foi uma dura impugnadora do socialismo autoritário. Num folheto sobre a nascente revolução russa que escreveu na prisão em 1918, enterrou o bisturi nos potenciais perigos que entranhava qualquer tipo de tentação de separar o exercício do poder soviético da democracia operária e socialista.

Perante o vergonhoso derrube da burocracia soviética – que delapidou o imenso oceano de energias revolucionárias oferecido pelo povo soviético, tanto no assalto ao céu em 1917 e na guerra civil, como na sua heróica vitória sobre nazismo – aquelas premonitórias advertências de Rosa merecem ser seriamente repensadas.

REVOLUÇÃO DE CORPO E ALMA

A sua energia impetuosa e sempre no ar aguilhoava os que estavam cansados e abatidos, a sua intrépida audácia e a sua entrega faziam corar os timoratos e medrosos. O espírito atrevido, o coração ardente e a firme vontade da "pequena" Rosa era o motor da rebelião. Clara Zetkin

Que difícil deve ter sido no seu tempo participar na política, sendo mulher e actriz! No entanto, violentando a mediocridade patriarcal da sua época, Rosa Luxemburgo converteu-se numa das principais dirigentes e teóricas do socialismo... a nível mundial! Não só combateu o machismo da sociedade capitalista, mas também questionou as hierarquias e relações de poder – de género, de idade, de nacionalidade – que impregnavam e manchavam o socialismo europeu daqueles anos. Jamais aceitou cair na armadilha da direcção do SPD (Partido Social-Democrata Alemão), quando lhe sugeriu que se ocupasse, exclusivamente, dos problemas da mulher, deixando "a grande política" nas mãos da velha hierarquia parlamentar. Pensavam assim tirá-la da frente. Ela não caiu no anzol.

Como o relatam várias biografias e aquele memorável filme de Margarethe von Trotta, protagonizada pela bela actriz Barbara Sukowa que a representa, já de muito jovem Rosa envolveu-se totalmente no Partido Social-Democrata Alemão. Corria em desvantagem. Era judia e polaca (duas palavras malditas para a cultura alemã...). Não só publicou artigos e livros na imprensa do SPD, como foi uma das principais instrutoras das escolas políticas do partido (principalmente de temas económicos).

Logo de início, entrou em colisão com os principais ideólogos desta organização: Eduard Bernstein [1850-1932], principal vulto do "socialismo revisionista", e mais tarde Karl Johann Kautsky [1854-1938], líder do chamado "marxismo ortodoxo". Com argumentos diversos, os dois opunham-se às mudanças sociais radicais e revolucionárias. Tal como Lenine, Rosa polemiza com ambos. Primeiro entrará em choque com Bernstein, em 1898, e depois com Kautsky, em 1910.

Mas ela não estava só. Enquanto polemizava com os chefes da burocracia parlamentar do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) e os seus principais ideólogos, travava estreita amizade com Franz Mehring [1846-1919], o célebre biógrafo de Karl Marx, e Clara Zetkin [1846-1919], seus grandes companheiros de luta.

Quando em 1905 ocorreu a primeira revolução russa, ela tentou extrair todas as consequências teóricas para o mundo ocidental. Que relação há entre os movimentos sociais de contestação e as organizações revolucionárias? Um debate que, ainda hoje, quando se cumpre um século daquela revolução continua aberto e latente.

Mais tarde, Rosa saudou a revolução bolchevique de 1917 de maneira entusiasta. Ali via realizado o grande sonho de libertação dos oprimidos. Mas a sua defesa dos bolcheviques não foi acrítica. Enquanto apoiava, polemizou com Lenine. Fê-lo antes e depois do triunfo revolucionário. Este último, em Fevereiro de 1922, chegou a dizer dela que "pode acontecer que as águias voem mais baixo que as galinhas, mas uma galinha jamais pode voar tão alto como uma águia. Rosa Luxemburgo enganou-se (...) mas apesar dos seus erros, foi – e para nós continua sendo – uma águia (...) no pátio detrás do movimento operário, entre os montes de esterco, as galinhas tipo Paul Levi, Scheidemann e Kautsky cacarejam à volta dos erros da grande comunista. Cada um faz o que pode".

A vida de Rosa foi apaixonante. Rompeu com os moldes trilhados. Nunca aceitou baixar a cabeça. Revoltou-se e, confiando na sua própria personalidade, entregou o melhor da sua energia à nobre causa da revolução mundial, a causa da classe trabalhadora, dos explorados e oprimidos do mundo.

VELHOS E NOVOS REFORMISMOS, ENFERMIDADES SENIS DO SOCIALISMO

Não se pode lançar contra os operários insulto mais grosseiro, nem calúnia mais indigna que a frase "as polémicas são para os académicos". Rosa Luxemburgo, em Reforma ou Revolução

Desde que surgiram os protestos operários contra a sociedade capitalista, duas correntes conviveram no seio do campo popular.

Uma primeira tendência, conhecida como "reformismo", acredita que o capitalismo pode ir melhorando pouco a pouco. Reforma após reforma, os trabalhadores podiam ir avançando lentamente para uma sociedade melhor. Esta iria mudando segundo um padrão linear: a evolução, do pior ao melhor, passito a passito sem nunca dar um salto. Nos seus começos históricos esta tendência sustentava que a evolução pacífica e gradual do capitalismo conduziria a uma sociedade mais racional, o socialismo. A passagem do capitalismo ao socialismo deveria dar-se paulatinamente.

Hoje em dia esta ideologia foi-se modificando de forma notável. Entre o reformismo de ontem e o de hoje muita água correu debaixo das pontes. A degradação política e ideológica desta corrente – sempre apresentada com novas roupagens e vestimentas – multiplicou-se. Comparados com os actuais expoentes do reformismo, os mais tímidos ideólogos do Partido Social-Democrata Alemão do princípio do século passado pareceriam jovens incendiários e tresloucados à procura de adrenalina.

Actualmente, o reformismo já não acredita que no final da marcha evolutiva e pacífica da sociedade nos espera o socialismo. Os seus partidários conformam-se apenas com a obtenção de reformas – mais ou menos avançadas – dentro da própria ordem capitalista. Mas a diminuição das expectativas de mudança e o aprofundamento da sua adaptação ao statu quo correm paralelas com o seu crescente malabarismo verbal. Toda a audácia e arrojo que não aplicam na sua actividade e nas suas análises políticas, substituem-nos por uma crescente pirotecnia discursiva. Como se um novo palavreado pudesse ocupar o espaço deixado vago pela ausência de perspectiva política anti-sistémica. E então, encobrindo as alheias cantilenas moderadas, aparecem na conversa dos neoreformistas as "nodosas" propostas de uma "democracia radical" (Ernesto Laclau), uma "democracia absoluta" (Toni Negri) ou uma democracia participativa (Heinz Dieterich). Sempre tratando de iludir ou esconder a questão do socialismo e da confrontação com o poder do capital. Por isso, até Bernstein teria parecido um "ultra" ao lado destes reconhecidos teóricos.

A segunda tendência, de carácter revolucionário, faz críticas radicais contra o capitalismo. Diferentemente do reformismo, aspira a mudar radicalmente a sociedade para acabar não só com os "excessos", mas com a exploração e a dominação. Não há outra via para o socialismo. Ter em conta essa perspectiva, ainda que não goze do aplauso dos suplementos culturais dos diários "sérios", da consagração dos monopólios editoriais ou de beneplácito das principais Academias, deve continuar a ser a estrela que guia o céu das esquerdas radicais do nosso tempo.

Desde a sua idade juvenil até ao seu assassinato, Rosa Luxemburgo foi precisamente uma das mais brilhantes desta segunda corrente e uma aguda polemista com a primeira. Todos os seus textos, sejam os temas quais forem, só se podem compreender a partir desta perspectiva apaixonadamente crítica do reformismo.

O MARXISMO REVOLUCIONÁRIO DE ROSA,
A DIALÉCTICA E O PROBLEMA DO PODER


Na nossa época, produto de várias derrotas populares, das frustrações das experiências do "socialismo real" e da debandada ideológica que as acompanhou, ganhou certa notoriedade a peregrina ideia de que os trabalhadores e as pessoas de esquerda não devem aspirar à tomada do poder.

Da pena de vários pensadores pós-estruturalistas – Toni Negri é talvez o mais famoso de todos eles, mas de forma alguma o único – o que sobressai é uma visão política de tintas marcadamente reformistas. Uma orientação encoberta que impregna o dito empreendimento filosófico, pretendendo lavrar por decreto o enterro da dialéctica, o falecimento de todo o sujeito revolucionário, o abandono da lógica das contradições explosivas e o cancelamento de toda a perspectiva de confrontação com o Estado, pelo seu carácter supostamente "autoritário" ou jacobino. Uma velha ilusão que sonha, "ingenuamente", mudar a sociedade... sem que se coloque a revolução nem a tomada do poder. (Jonh Holloway dixit ). A última verdade desta "novíssima teoria" constitui, do nosso ponto de vista, a legitimação metafísica da impotência política. Converter a necessidade em virtude, a debilidade momentânea num projecto estratégico, um momento particular da história numa definição ideológica.

Esta legitimação, nos nossos dias, já não se faz apelando à ingénua linguagem de Juan B Justo [fundador do Partido Socialista argentino no final do século XIX, seguidor de E. Bernstein e J Jaurés, um dos pensadores da social-democracia sul-americana no início do século XX], ou de qualquer outro socialista moderado de então. O caso de Negri é, nesse sentido, muito expressivo. [2]

Nada melhor que recorrer a Rosa para resgatar a dimensão libertária e rebelde do marxismo (que tão opaca esteve durante o estalinismo) sem, ao mesmo tempo, ceder a essa mescla académica de palavreado neo-anarquista, ilusões reformistas e fantasias encobertamente liberais.

Se o socialismo autoritário, que pela mão do estalinismo tanto dano causou à revolução mundial, já não convence ninguém nem apaixona nenhum jovem com sangue nas veias, a dita mescla académica pseudo-anarquista, essa sim, goza ainda de certo prestígio e proximidade à juventude.

As metafísicas "post" – que dando um verniz teórico ao autonomismo, afloraram na Europa ocidental depois da derrota de 1968 – mais não fizeram do que girar e voltar a girar em torno da pluralidade de relações cristalizadas e congeladas na sua dispersão. Enalteceram o seu carácter de singularidades irredutíveis a toda a convergência política que as articule contra um inimigo comum: a exploração generalizada, a subordinação (formal e real) e a dominação do capital. Desta forma, sob a aparência de ter superado, por antiquada, a teoria marxista da luta de classes em função de uma supostamente "radicalizada" teoria da multiplicidade dos pontos em fuga e uma variedade de ângulos dispersos, a única coisa que se obteve, como resultado palpável, foi uma nova frustração política ao não poder identificar um inimigo concreto contra o quem dirigir os nossos embates e as nossas lutas. As metafísicas "post" elevaram a verdade universal, inclusivamente com categoria ontológica, a impotência de uma determinada época.

Desta forma, sob o dialecto "pluralista" e pseudo libertário, acabou recriando-se em termos políticos a velha herança liberal que situava no âmbito do singular a verdade última do real. Pela mão de uma gíria neo-anarquista meramente discursiva e puramente literária (que pouco ou nada tem a ver com a combatividade dos heróicos companheiros operários anarquistas que na Argentina, para dar um só exemplo, encabeçaram as rebeliões de classe da Patagónia durante os anos 20 ou em Espanha durante os anos 30) termina-se relegitimando o antigo credo liberal de recusa de qualquer tipo de política global e de refúgio no âmbito aparentemente asséptico da esfera privada.

Com menos inocência que no século XVIII... agora, este liberalismo filosófico ressuscitado – que se vale do fraseado libertário, unicamente como alibi legitimador, para apresentar na bandeja da "esquerda" velhos lugares ideológicos da direita – já não luta contra a nobreza e a monarquia. Aponta as suas espingardas com o objectivo de neutralizar ou prevenir toda a tentação que aponte para condescender no seio dos conflitos contemporâneos com qualquer tipo de organização revolucionária que exceda a mera luta reivindicativa de gueto ou o inofensivo poder local. Que muitos dos motivos ideológicos pós-estruturalistas, formalmente neo-anarquistas, correspondem na realidade ao liberalismo não é apenas a nossa opinião. [3]

A grande diferença entre a época e as polémicas em que interveio Rosa contra o reformismo e os actuais debates entre o marxismo revolucionário e o pós-estruturalismo consiste em que naquela época não se punha em discussão a perspectiva do socialismo. Hoje em dia sim. Antes havia uma divergência à volta dos métodos, não dos fins. Presentemente, o que está em discussão é, antes de tudo, se queremos e desejamos, ou não, o socialismo. Em segundo lugar, se para realizá-lo faz falta ou não uma revolução, a tomada do poder e um projecto estratégico de alcance global, não meramente local ou microscópico. Em ambos os planos a reflexão de Rosa é inequívoca. Unicamente com o socialismo se poderá construir um modo de vida e convivência social mais racional e humano. Para isso não há outro caminho senão a tomada revolucionária do poder e a transformação permanente à escala global da sociedade.

Rosa não albergava nenhuma ilusão em mudar a sociedade iludindo a questão da tomada do poder. Tampouco se pode ocultar aos olhos do povo trabalhador a necessidade de responder à violência do sistema – violência de cima – com a violência popular – violência de baixo.

As suas análises sobre o poder e a violência na história nunca se limitaram a uma questão de mera agitação, propagandística, verbalista, nem assente nas maiores ou menores oportunidades de uma conjuntura. As suas análises sobre a violência e o poder, não só fazem parte medular da sua estratégia política anticapitalista como também, ao mesmo tempo, constituem um eixo central da sua leitura da concepção materialista da história e da sua crítica da economia política.

Não é casual nem um capricho que Rosa aprofundou em O Capital de Marx, aclarando as leituras brutalmente economicistas que se fizeram daquela obra, assinalando em relação à violência que: "Não se trata já da acumulação primitiva [originária] mas de uma continuação do processo até hoje. [...] Do mesmo modo que a acumulação do capital, com a sua capacidade de expansão súbita, não pode aguardar o crescimento natural da população operária nem conformar-se com ele, tampouco poderá aguardar a lenta decomposição natural das formas não capitalistas e a sua passagem à economia de mercado. O capital não tem, para esta questão, outra solução para além da violência, que constitui um método constante de acumulação de capital no processo histórico, não só na sua génesis, mas ao longo do tempo, até hoje". [4]

A sua conclusão é taxativa. Para os que leram – e continuam a ler – a obra magna de Marx como um simples tratado "vermelho" de economia, onde a violência, o exercício da força material e as relações de poder ficavam incluídas unicamente nos alvores iniciais da produção capitalista – durante a chamada acumulação "originária" – Rosa destaca que a violência continua nas fases maduras do desenvolvimento do capital. Não só continua..., aprofunda-se! Não há pois acumulação de capital – o seu objecto de investigação – sem violência. Não existe "economia pura" sem poder. Não haverá pois superação do capital sem que o povo apele a uma resposta contundente face a esse poder e a essa violência.

Rosa traz-nos uma imprescindível e arguta observação da sociedade contemporânea que supera amplamente as diferentes fases e sucessivas reciclagens do velho equívoco reformista de "mudar a sociedade sem tomar o poder". Tanto no caso de Bernstein (princípios do século), no da doutrina soviética da "coexistência pacífica" (anos 50 e 60), no do eurocomunismo (anos 70), como no da actual moda académica.

O MÉTODO DIALÉCTICO E A TOTALIDADE

Rosa Luxemburgo é a mente mais genial entre os herdeiros científicos de Marx e Engels. Franz Mehring

Apesar do seu exasperante reformismo, paradoxalmente, Bernstein tinha razão. A estratégia política do marxismo revolucionário é inseparável dos seus pontos de vista metodológicos. Toda a obra de Rosa – onde se articulam as suas reflexões sobre o poder e as suas investigações sobre o método – serve para corroborar essa tese de Bernstein.

Nenhuma categoria foi mais repudiada, castigada e excluída nas últimas décadas que a de "totalidade". As vertentes mais reaccionárias do pós-modernismo francês e do pragmatismo norte-americano assimilaram qualquer visão totalizadora com a metafísica. A esta última igualaram-na, por sua vez, com o pensamento "forte", donde deduziram que com esse tipo de racionalidade encontra-se implícita a apologia do autoritarismo.

Deste modo tentaram excluir dos grandes relatos e narrativas da história, todo o projecto de emancipação, a categoria "superação" (aufhebung) e qualquer visão totalizadora do mundo.

Ora bem, essa categoria tão vilipendiada – a de totalidade – é central no pensamento dialéctico de Rosa e na sua crítica da economia capitalista. Ela considerava que o modo de produção capitalista constitui uma totalidade. Nunca se pode compreendê-lo se se fragmentarem qualquer dos seus momentos internos (a produção, a distribuição, a troca e o consumo). O capitalismo engloba-os todos numa totalidade articulada, segundo uma ordem lógica que, por sua vez, tem uma dinâmica essencialmente histórica. Por isso, quando tenta explicar nas escolas do partido (SPD) o problema de "Que é a economia?", dedica uma boa parte da sua exposição a desenvolver não só as definições da economia contemporânea, mas particularmente a história da disciplina.

Essa decisão não era arbitrária. Estava motivada pela mesma perspectiva metodológica que levou Marx a conjugar o que ele denominava o "modo de exposição" com o "modo de investigação", duas ordens do discurso científico crítico que remetiam ao método lógico e ao método histórico. Para o marxismo revolucionário que procura decifrar criticamente as raízes fetichistas da economia burguesa não há simples enumeração dos factos – tal como aparecem à consciência imediata no mercado, segundo nos mostram as revistas e jornais de economia – sem lógica. Mas por sua vez, não existe lógica sem história.

A categoria que permite articular no marxismo a lógica e a história é a de totalidade, nexo central da perspectiva metodológica que Rosa aprendeu em Marx (como bem se encarregou de destacar detalhadamente Lukács em História e Consciência de Classe ). Não importa se as suas correcções aos esquemas de reprodução do capitalismo que Marx descreveu no tomo II de O Capital são correctas ou não. O importante é o método empregue nessa análise. Rosa talvez se tenha equivocado nalgumas conclusões de A Acumulação do Capital mas não se enganou ao empregar o método dialéctico.

Toda a reflexão de Rosa anda metodologicamente à volta deste horizonte. Reactualizar hoje esse ângulo parece-nos de vital importância, sobretudo se tomarmos em conta que, no último quarto de século, se tentou fracturar toda a perspectiva de luta contra o capitalismo no seu conjunto em altares dos "micropoderes", em "micro enfrentamentos capilares", com uma apologia acrítica centrada no poder local, etc, etc. Sem questionar a totalidade do sistema capitalista, qualquer reclamação e qualquer crítica ao sistema tornam-se impotentes e passíveis de neutralização.

IMPULSO REVOLUCIONÁRIO E BUROCRACIA SINDICAL:
OS DEBATES SOBRE A GREVE DE MASSAS


Um dos maiores equívocos que se desencadearam à volta de Rosa reside no seu suposto "espontaneismo" e na pretensa subestimação da política que se encontraria nos seus textos. Particularmente, no que respeita à greve de massas e à revolução russa de 1905.

O debate sobre a greve de massas instala-se e começa a circular na literatura marxista da II Internacional entre 1895 e 1896. Foi Parvus [Aleksandr Helfand] o primeiro publicista que encarou o tema da greve política, vinculando-o à discussão sobre o golpe de estado. Fá-lo numa série de artigos publicados na revista teórica do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) a propósito das ameaças golpistas de um general chamado V. Boguslawski. Mais tarde, em 1902, tem lugar uma greve geral política na Bélgica que pedia o sufrágio universal e igualitário. Fracassou. A discussão sobre esta greve constituiu a segunda etapa do debate sobre a greve de massas. Participaram nele Emile Vandervelde, Franz Mehring e a própria Rosa. Até que sobreveio a primeira revolução russa de 1905. Esse foi o detonador para a maior contribuição de Rosa a este debate, condensado na sua obra Greve de Massas, Partido e Sindicatos, redigida no exílio na Finlândia em Agosto de 1906.

Adoptando como modelo de inspiração a recente revolução russa, Rosa intervém desde o princípio, trazendo para a discussão a burocratização dos poderosos e ao mesmo tempo impotentes sindicatos alemães, que tinham verdadeiro pânico à greve geral. Como em qualquer debate, não se entende nada das teses de Rosa se se abstrai de com quem se está a discutir. O interlocutor da polémica marca grande parte do terreno e o tom dos argumentos ao longo de todo o debate. Se não se sabe ou directamente se desconhece o objecto da sua polémica, então pode-se construir uma Rosa Luxemburgo ao gosto e prazer de cada um..., potável para qualquer coisa. Inclusivamente para enfrentá-la com o marxismo.

Mas ela era muito concreta, muito explícita, quando assinalava que estava a polemizar contra: "os fantoches burocráticos que vigiam zelosamente o destino dos sindicatos alemães". [5]

Estes funcionários de carreira, que há anos tinham abandonado a perspectiva revolucionária, temiam mais a greve de massas que a morte, pois esta fá-los-ia perder a estabilidade das suas posições, conquistadas nas negociações com o patronato e o Estado. Algo não muito diferente do que experimentou o sindicalismo burocrático europeu entre 1945 e os começos do neoliberalismo e o latino-americano desde meados dos anos 30 até ao princípio dos anos 70. Porque, convenhamos, a suposta "panaceia" do Estado benfeitor de que alguns ainda tem nostalgia... garantia certas conquistas laborais na condição de manter manietada, neutralizada, institucionalizada, e em última instância reprimida, a rebeldia colectiva e antisistémica da força colectiva do trabalho. Nunca como na época do Estado de bem-estar keynesiano se pôde observar a justeza da fórmula gramsciana que define o Estado capitalista como a conjunção da coerção e o consenso, da violência e a hegemonia.

Ora bem, contra essa institucionalização e essa domesticação pelejava Rosa, quando defendia as virtudes políticas da greve de massas ou da greve geral política: "a greve de massas, que foi combatida como oposta à actividade política do proletariado, aparece hoje como a arma mais poderosa da luta pelos direitos políticos". [6]

Contra aqueles que vociferavam que a greve geral destruiria os sindicatos, ela replicava apelando ao exemplo empírico da revolução russa de 1905, argumentando que o movimento sindical russo é filho da revolução: "Do furacão e da tormenta, do fogo e da fogueira da greve de massas e da luta nas ruas, surgem, como Vénus das ondas, sindicatos frescos, jovens, poderosos, vigorosos". [7]

Falsamente se poderia contrapor Rosa a Lenine, ainda que entre ambos tenham existido matizes diversos sobre este debate. Quando Lenine, no seu famoso Que Fazer?, coloca em discussão o culto da espontaneidade e defende a necessidade de superar a etapa económico-corporativa, defendendo a consciência socialista e a luta ideológica, está a discutir contra outra frente, totalmente diferente de Rosa. No caso de Lenine, a discussão do Que Fazer? vai pelo caminho de questionar a limitação economicista do movimento socialista russo, a sua limitação a tímidas reformas económicas e à restrição de toda a perspectiva política, à conjuntura espontânea e artesanal do dia a dia. Só tendo em conta, concretamente, os diversos interlocutores contra quem polemizavam Rosa e Lenine – ambos ácidos críticos do oportunismo e do reformismo – se pode compreender a fundo a perspectiva comum que os unia, mesmo que, insistimos, não se possa confundir o posicionamento revolucionário dos dois numa identidade absoluta.

Nesse sentido, não podemos esquecer que foi precisamente Lenine que tomou abertamente partido por Anton Pannkoek contra Kautsky, fazendo referência ao debate sobre a greve de massas de 1912. [8] Então, o dirigente máximo bolchevique assinalou que: "Pannkoek manifestou-se contra Kautsky como um dos representantes da tendência «radical de esquerda» que contava nas suas fileiras com Rosa Luxemburgo, Carlos Radek e outros, e que defendendo a táctica revolucionária, tinha como elemento aglutinador a convicção de que Kautsky se passava para o «centro», e que, de costas para os princípios, vacilava entre o marxismo e o oportunismo. Que esta apreciação era acertada veio a demonstrá-lo plenamente a guerra, quando a corrente do «centro» (erroneamente denominada marxista) ou de «kaustkismo» se revelou em toda a sua repugnante miséria. [...] Nesta controvérsia é Pannkoek quem representa o marxismo contra Kautsky". [9] Uma postura não muito distinta da de Rosa... pois ali tinha mudado o interlocutor da polémica de Lenine. Gravíssimo, imperdoável e mal-intencionado erro o de converter o Que Fazer? de Lenine num manual pretensamente antiLuxemburgo!

De todas as formas é inegável e não pode desconhecer-se que Rosa polemizou várias vezes com Lenine. Tanto no seu artigo "Problemas Organizativos da Social-democracia" de 1904 como na sua "Crítica da Revolução Russa", redigido durante a primeira guerra mundial, na cadeia. No entanto, deve situar-se cada crítica – e cada resposta de Lenine, incluindo aquela que enviou à revista Neue Zeit em 1904 e que Kautsky não quis publicar – num contexto de coordenadas bem delimitado, já que Rosa, como o principal dirigente bolchevique, foram modificando as suas posições respectivas ao longo da história. Se em 1904 ela depositava muito mais confiança na potencialidade autodisciplinante do proletariado que numa organização como a que Lenine promovia (Rosa temia que essa forma organizacional centralizada conduzisse na Rússia à inércia, à prudência, ao conservadorismo e ao parlamentarismo, como sucedia com a social-democracia alemã) [10] , mas no final da sua vida acaba por fundar o Partido Comunista Alemão (KPD). Só o seu assassinato a impediu de ser co-fundadora com Lenine e Trotsky da Internacional Comunista. Por sua parte Lenine, se nos seus textos do princípio do século começou por defender intransigentemente a legitimidade do centralismo, o profissionalismo da militância política e, inclusivamente, certos elementos da burocracia partidária, como algo imprescindível para derrubar a partir da clandestinidade o czarismo, quando a revolução de 1905 conquistou certas liberdades democráticas, deu uma forma ao Partido que tinha muito pouco a ver com o centralismo exagerado. E mais, no final da sua vida, Lenine acaba a questionar abertamente a burocracia do Estado e do Partido, deixando esses desesperados sinais de alerta ditados às suas secretárias, como seu testamento político. [11] Portanto, ambos foram mudando as respectivas posições. Não se pode cristalizar nenhum deles numa fórmula rígida para que entrem num fácil esquema dicotómico.

Marcando então as nossas distâncias e reservas frente ao esquematismo que pretende por, a todo o transe, Rosa contra Lenine e Lenine contra Rosa, para aprofundar esse campo problemático devemos perguntar-nos como definia Rosa a greve de massas? Como uma conjugação de lutas políticas e económicas, interpenetradas entre si, não unicamente como uma luta meramente económica. Se se delimita estritamente contra quem está a discutir e se analisa em toda a sua complexidade a sua análise à greve de massas como uma greve política, vê-se quão longe está de realidade a contraposição extrema que se pretendeu levantar entre a reflexão de Rosa e a de Lenine. A sua argumentação não vai contra a deste último. Daí que Rosa afirmasse o seguinte: "As greves políticas e as económicas, as greves de massas e as parciais, as greves de protesto e as de luta, as greves gerais de determinados sectores da indústria e as greves gerais em determinadas cidades, as pacíficas lutas salariais e os massacres de rua, as pelejas nas barricadas, todas se entrecruzam, correm paralelas, se encontram, se interpenetram e se sobrepõem; é uma variada maré de fenómenos em incessante movimento. E a lei que rege estes fenómenos é clara: não reside na greve de massas em si própria nem nos seus detalhes técnicos, mas nas proposições políticas e sociais das forças da revolução". [12]

Rosa não subestimava, pois, as instancias políticas no desenvolvimento da greve de massas. O que punha em discussão era a inércia do Partido Social-Democrata Alemão e a sua burocracia sindical para encabeçar a luta. Ao mesmo tempo, ela apelava ao espírito revolucionário e à iniciativa das massas contra a passividade do funcionalismo do partidário.

Aqueles debates em que Rosa interveio não ficaram sepultados no passado, nem interessam unicamente aos historiadores do pensamento socialista. Voltar a pensar o nexo entre os movimentos sociais e a consciência política socialista – assim como também o papel de travão das burocracias sindicais – à luz da actual luta contra a globalização do capital, a ofensiva do imperialismo, a crise do reformismo e dos pactos sociais do Estado de bem-estar, continua a ser uma tarefa que temos pela frente.

"DE FORA" DA ECONOMIA, MAS DENTRO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Rosa Luxemburgo, figura internacional e intelectual e dinâmica, tinha também uma posição eminente no socialismo alemão. Via-se e respeitava-se nela a sua dupla capacidade para a acção e para o ensino, para a realização e para a teoria. Ao mesmo tempo, Rosa Luxemburgo era um cérebro e um braço do proletariado alemão.
José Carlos Mariátegui, "A Revolução Alemã" (20/Julho/1923)

Quanto à controvertida relação entre "espontaneidade" e vanguarda, entre impulso popular espontâneo e organização revolucionária consciente, podemos apreciar a sua irrefutável actualidade.

Esta série de interrogações reaparece hoje com outra linguagem e outro registo. Não é já o problema da greve de massas – que, insistimos, Rosa analisou a partir da primeira revolução russa de 1905 – mas antes o dos movimentos sociais (a subjectividade popular) e a sua vinculação com a política. Aqui os seus textos, relidos a partir das nossas inquietações contemporâneas, têm muito para nos dizer e ensinar.

A leitura dos trabalhos de Rosa permitir-nos-á recuperar Lenine de outra forma, despojado já de todo o lastro dogmático que impediu utilizar o arsenal político do grande revolucionário bolchevique. Aquele a quem Gramsci, nos seus Cadernos do Cárcere, não duvidou em catalogar como "o maior teórico da filosofia da praxis".

A partir de uma comparação entre as posições de Rosa e Lenine, pode entender-se que quando este último falava em "levar a consciência socialista desde fora" ao movimento operário não estava a defender uma exterioridade total face ao movimento social "espontâneo", mas uma exterioridade restrita, tomando como marco de referência a relação entre a economia e a política. Isto quer dizer que o "fora", a partir do qual Lenine defendia a necessidade de se organizar um partido político socialista, remetia para mais além do que a economia. "Desde fora" de onde? Pois desde fora da economia, não desde fora da política nem dos movimentos sociais.

Lenine pensava que da luta económica não surge automaticamente a consciência socialista. Das reivindicações quotidianas não emerge uma organização revolucionária. Há que transcender o estreito limite dos conflitos económicos (reivindicação de emprego ou de subsídios para aqueles que o não têm, melhores salários, férias, redução da jornada de trabalho para aqueles que o têm) para alcançar um ponto de vista crítico do capitalismo no seu conjunto. Se o povo se limita unicamente a fazer reivindicações pontuais, não conseguirá mais do que remendar o capitalismo, melhorá-lo, embelezá-lo e sobreviver o dia a dia, mas nunca acabará com o sistema, nem com a sua miserável condição.

Isto era o que ele pensava e predicava. Mas muitos pensaram que Lenine estava a defender uma política alheia aos movimentos sociais, completamente à parte das lutas quotidianas. Esta última deformação e caricatura do pensamento de Lenine derivou para uma concepção burocrática do partido, fechado em si mesmo, cego e surdo ao sentimento e à consciência popular.

Nem Lenine nem Rosa – recordemos que os dois fundaram, cada um em países diferentes, organizações revolucionárias, Lenine o Partido Bolchevique, Rosa a Liga Espártaco e o Partido Comunista Alemão (KPD) – acreditavam que o partido tinha de estar a olhar o seu próprio umbigo ou a pregar desde "fora" ao movimento social. Os revolucionários e as suas organizações devem ser parte imanente dos movimentos sociais (do movimento operário, do movimento das mulheres, dos movimentos juvenis, dos movimentos de trabalhadores desempregados, dos movimentos dos direitos humanos, etc), nunca um "professor" autoritário que desde fora leva uma teoria esmerada e redonda que não se "amassa" no ir e vir do movimento de massas.

Em sentido comum, entre a ideologia "espontânea" do movimento popular e a reflexão científica, quer dizer, a ideologia do intelectual colectivo, não deve haver ruptura absoluta. Quando esta última se dá, perde-se a capacidade hegemónica dos partidos e organizações das classes trabalhadoras e cresce a capacidade hegemónica do inimigo – a burguesia, os donos do poder, o imperialismo – que conta no seu haver com as tradições de submissão, com as instituições do Estado e, hoje em dia, com o monopólio ditatorial dos meios de comunicação de massas.

De modo que, apesar das várias discussões, as posições de Rosa e Lenine – ainda que com matizes distintos, já que, provavelmente ela punha maior ênfase nos movimentos e Lenine no partido revolucionário – em última instância seriam complementares e integráveis, em função de uma difícil mas não impossível dialéctica da organização política, entendida como consequência e ao mesmo tempo como impulsionadora do movimento social.

A hegemonia socialista constrói-se desde dos movimentos! A consciência de classe é fruto de uma experiência de vida, de valores sentidos e de uma tradição de luta construída que nenhum manual pode levar desde fora, pois chocar-se-á inevitavelmente – como muitas vezes sucedeu na história – com um muro de silêncio e incompreensão.

SOBRE A REVOLUÇÃO BOLCHEVIQUE E A FILOSOFIA POLÍTICA MARXISTA

O seu célebre folheto crítico sobre a revolução russa foi publicado postumamente, com intenções polémicas por Paul Levi – um membro da Liga Espártaco e do Partido Comunista Alemão (KPD), depois dissidente e filiado no Partido Social-Democrata (SPD). È preciso acrescentar que Rosa mudou de opinião sobre o seu próprio folheto ao sair do cárcere e participar, ela própria, na revolução alemã. No entanto, aquele texto foi utilizado para tentar opor Rosa à revolução russa e contra Lenine (da mesma forma que depois se repetiu essa manobra, colocando Gramsci contra Lenine ou Che Guevara contra a revolução cubana). Quiz-se, desse modo, construir um luxemburguismo descolorido e "potável" para a dominação burguesa que pouco tem a ver com a Rosa de carne e osso.

Ao resumir as suas posições críticas à revolução bolchevique, cuja perspectiva revolucionária geral partilhava intimamente, Rosa centrou-se em três eixos problemáticos. Questionou a catalogação do carácter da revolução, a sua concepção do problema das "guerras nacionais" e a complexa tensão entre a democracia socialista e ditadura proletária.

Se é certo que aquele texto padece de equívocos – como argutamente assinalou Gyorgy Lukacs no seu clássico a História e Consciência de Classe (1923) –, também é insofismável que Rosa acertou ao assinalar algumas lacunas, cuja sobrevivência ao longo do século XX provocaram não poucas dores de cabeça aos defensores do socialismo.

Rosa sim, teve razão quando sustentou que sem uma ampla democracia socialista – base da vida política crescente das massas trabalhadoras – só resta a consolação de uma burocracia. Segundo as suas próprias palavras, se este fenómeno não se pode evitar, então "a vida extingue-se torna-se aparente e o único activo que resta é a burocracia". No caso do socialismo europeu a história, lamentavelmente, deu-lhe razão. Não foi outra a conclusão do próprio Lenine no final da sua vida, tanto no diário ditado às suas secretárias, como nos seus últimos artigos, onde ajuizou o crescente aparelho de estado e o seu progressivo afastamento da classe trabalhadora.

A necessária vinculação entre socialismo e democracia política e os riscos de eternizar e tomar como regra universal o que era na realidade produto histórico duma situação particular de guerra civil, quer dizer, o perigo de fazer da necessidade virtude no período de transição para o socialismo, constitui um dos eixos do seu pensamento que, provavelmente, mais resistiu à passagem do tempo. Nenhuma revolução socialista do futuro poderá fazer caso omisso das advertências que Rosa formulou contra as deformações autoritárias e burocráticas do socialismo.

Mas as suas reflexões não se atêm a uma experiência pontual, como a tragédia histórica que experimentou esse heróico assalto ao céu encabeçado pelos bolcheviques, com o qual ainda hoje continuamos a aprender. Têm um alcance mais geral no campo da filosofia política.

Se a pergunta básica da filosofia política clássica da modernidade se interroga pelas condições da obediência ao soberano, o conjunto de perguntas do marxismo apontam para o seu contrário. Partindo daqui, o essencial reside nas condições que legitimam não a obediência, mas a insurreição e a rebelião; não a soberania que coroa o poder institucionalizado, mas a que justifica o pleno exercício do poder popular. Antes, durante e depois da tomada do poder.

Ali, nesse novo terreno que permanecia ausente nos filósofos clássicos da teoria do direito contratual do século XVIII, em Hegel e no pensamento liberal do século XIX, é onde a teoria política marxista, em que se insere Rosa, situa o eixo da sua reflexão. Assim, o socialismo não constitui o herdeiro "melhorado" e "aperfeiçoado" do liberalismo moderno, mas a sua negação antagónica.

Então, se tivéssemos que situar a filiação que une a tradição política iniciada por Marx e que Rosa Luxemburgo desenvolveu no seu espírito – contradizendo muitas vezes a sua letra – a partir da utilização da sua própria metodologia, poderíamos arriscar que o socialismo contemporâneo pertence à família libertária e democrática mais radical. Opositor e inflamado polemista contra o liberalismo, ao mesmo tempo é – ou deveria ser – o herdeiro privilegiado da democracia directa teorizada por Jean Jacques Rousseau.

Deste ponto de vista – bem distinto do autoritarismo burocrático daqueles que legitimaram os "socialismos reais" europeus – tornam-se inteligíveis os pressupostos a partir dos quais Rosa Luxemburgo desenhou as linhas centrais da sua crítica aos perigos do socialismo burocrático.

SOCIALISMO OU BARBÁRIE, MAIS QUE UMA PALAVRA-DE-ORDEM

Quando Rosa acaba de cortar os seus vínculos, já não só com o oportunismo reformista de Bernstein, mas também com a tradição determinista "ortodoxa" de Kautsky (ambos expoentes máximos da II Internacional), formula uma alternativa que tem hoje absoluta actualidade: "Socialismo ou barbárie". Esta alternativa resume seguramente o mais explosivo da sua herança e o mais sugestivo da sua mensagem para o socialismo do século XXI.

Não se trata de uma simples palavra de ordem de agitação. Propõe uma ruptura radical com todo o modo determinista de compreender a história e a sociedade (na qual ela própria tinha acreditado até esse momento, pois os seus textos anteriores encontram-se pejados de referências à "necessidade histórica" e à suposta "inevitabilidade" da crise económica do capitalismo, da greve de massas proletária, da revolução e do socialismo).

Inserida no seu "folheto de Junius" (A Crise da Social-democracia, 1915), essa síntese histórica faz a superação do determinismo fatalista e economicista, assente no desenvolvimento, imparavelmente ascendente, das forças produtivas. Ali inscreve-se uma ruptura epistemológica que no seio da tradição marxista abre esta alternativa formulada por ela. De acordo com o fatalismo determinista, durante décadas considerado a versão "ortodoxa" e oficial do marxismo, a sociedade humana marcharia de maneira necessária, inelutável e indefectível para o socialismo. A subjectividade histórica e a luta de classes não teriam aqui papel algum. Quando muito, poderiam acelerar ou atrasar essa ascensão do progresso linear, "final feliz" assegurado de antemão pelo advento do comunismo no final da pré-história humana.

Mas em plena guerra mundial Rosa rompe com esse dogma e coloca que a história humana é contingente e tem um final em aberto, não predeterminado pelo progresso linear das forças produtivas (esse velho grito moderno e secularizado do mais antigo "Deus queira!", tal como ironicamente afirmava Gramsci). Por isso, o futuro só pode ser resolvido pelo resultado da luta de classes. Podemos ir para uma sociedade desalienada e uma convivência mais radical e humana, o socialismo, ou podemos continuar fundindo-nos na barbárie, o capitalismo. Ambos os horizontes de possibilidades permanecem potencialmente abertos. Actualizar um e outro depende da actividade humana.

Quando hoje falamos de "barbárie" estamos a pensar na barbárie moderna, quer dizer, a civilização globalizada do capitalismo. Nunca houve mais barbárie que durante o capitalismo moderno. Como exemplos contundentes podem recordar-se o nazismo alemão com as suas fábricas industriais de morte em série, o apartheid sul-africano – regime político perfeitamente inserido na modernidade branca, europeia e ocidental – ou os regimes militares da contra-insurreição da Argentina e do Chile, que realizaram durante a década de 70 um genocídio burocrática e mecanicamente planificado, aplicando torturas científicas e deixando como sequela dezenas de milhares de desaparecidos.

Muito antes de que tudo isto sucedesse, Rosa tinha advertido o perigo que se abria perante nós. Lucidamente, tinha identificado a equação histórica que marcou e continua a marcar o ritmo dos tempos actuais: [capitalismo civilizado = barbárie].

SOCIALISMO MARXISTA E TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Outro dos campos polémicos que Rosa invadiu com notável argúcia foi a complexa e irresoluta relação entre socialismo e religião.

É sabido que na ortodoxia da II Internacional – da qual foi uma clara continuação filosófica o materialismo dialéctico [DIAMAT] da época estalinista – o marxismo era concebido como uma ciência "positiva" análogo às naturais, cujo modelo paradigmático era a biologia.

A partir destes parâmetros ideológicos não é casual que se tentasse traçar uma linha ininterrupta de continuidade entre os pensadores burgueses ilustrados do século XVIII e os fundadores da filosofia da praxis. Neste específico contexto filosófico-político, a religião era concebida – numa leitura apressada, enviesada e unilateral do jovem Marx (1843) – simplesmente como o "ópio do povo" (uma expressão que Marx efectivamente utilizou, mas que não tem o sentido simplista que habitualmente se lhe atribui). Ainda que inicialmente educada nessa suposta "ortodoxia" filosófica – com a qual romperá as amarras cerca de 1915 – Rosa Luxemburgo opôs-se a uma leitura tão simplista do materialismo histórico à volta do problema da religião.

Em 1905, perante o estrondo da primeira revolução russa, Rosa escreveu um curto e angustiado folheto sobre "O Socialismo e as Igrejas". Nele, como parte dos socialistas polacos, questiona o carácter reaccionário da igreja oficial que tentava separar os operários do socialismo marxista, mantendo-os na docilidade e na exploração (uma história bem conhecida na América Latina). Até ali o seu texto não se diferenciava, em absoluto, de qualquer outro da época da II Internacional.

Mas ao mesmo tempo – e aqui reside o mais notável do seu empenho – tenta reler a história do cristianismo a partir de óptica historicista. Assim, afirma que os "cristãos dos primeiros séculos eram fervorosos comunistas". Nessa linha de pensamento reproduz longos fragmentos que resumem a mensagem emancipadora de diversos apóstolos como São Basílio, São João Crisóstomo e Gregório Magno.

Desse modo Rosa retoma o sugestivo impulso do último Engels que, no prólogo de 1895 a As Lutas de Classes em França, não tinha tido medo de homologar o afã cristão de igualização humana com o ideal comunista do proletariado revolucionário. Engels já o havia feito muito antes em As Guerras Camponesas na Alemanha, onde à visão burguesa de Martinho Lutero se opõe o resgate do cristianismo de Tomas Munzer. Uma leitura cuja imensa actualidade não pode deixar de nos assombrar quando – na América Latina e noutras partes do mundo – grandes sectores populares religiosos se rebelam contra o carácter hierárquico e autoritário das igrejas institucionais, para assumir uma prática de vida intimamente consubstanciada com o comunismo daqueles primeiros cristãos.

O ASSASSINATO DE ROSA

O que ficara com as massas e que partilhara o seu destino aquando da derrota do levantamento de Janeiro – há anos claramente previsto por ela, no plano teórico, e também claramente no próprio momento de acção –, é uma tão directa consequência da unidade da teoria e da prática na sua conduta, como o merecido ódio mortal dos seus assassinos, os oportunistas sociais-democratas.
Gyorgy Lukács: História e Consciência de Classe

A 9 de Novembro de 1918 (um ano depois do levantamento bolchevique na Rússia) começou a revolução alemã. Foram dois meses de agitação ininterrupta. Depois de uma greve geral, os trabalhadores insurrectos – dirigidos pela Liga Espártaco – proclamaram a república, formaram conselhos revolucionários de operários e soldados. Enquanto Kautsky e outros socialistas mostravam vacilar, o grupo maioritário na social-democracia alemã (comandado por Friederich Ebert [1870-1925] e Philip Schleidemann [1865-1939] enfrentou com violência e sem contemplações os revolucionários.

Foi assim que Gustav Noske [1868-1947], membro deste grupo (o SPD), assumiu o Ministério da Guerra. A partir desse cargo e com a ajuda de oficiais do antigo regime monárquico alemão, organizou a repressão dos insurrectos espartaquistas. Entretanto o diário oficial social-democrata Vorwarts [Avante] publicava editais chamando os Freikorps – "corpos livres", nome dos comandos terroristas da direita – para combaterem os espartaquistas, oferecendo-lhes "salário, tecto, comida e cinco marcos extra".

A 15 de Janeiro de 1919 Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo são capturados em Berlim pelos encolerizados soldados. Horas mais tarde são selvaticamente assassinados. Pouco depois, León Jogiches [1867-1919], companheiro de amor e militância de Rosa Luxemburgo durante muitos anos, é igualmente assassinado. O corpo de Rosa, já sem vida, é deitado pela soldadesca a um rio. O seu cadáver foi encontrado em Maio, cinco meses depois.

A responsabilidade política que a social-democracia reformista teve no cobarde assassinato de Rosa Luxemburgo e dos seus companheiros já nenhum historiador a discute. Esse acto de barbárie ficou como uma mancha moral que dificilmente se apagará com o tempo.

Mas a memória imortal de Rosa, o seu pensamento marxista, a sua ética revolucionária e o seu inflexível exemplo de vida, continua vivos. Afectuosamente vivos. Na ponte onde os seus assassinos arrojaram o seu corpo à agua continuam a aparecer, periodicamente, flores vermelhas. As novas gerações, envolvidas em força na luta contra o capital globalizado e o imperialismo, não a esquecem.

Depois do ocaso do estalinismo e da crise do neoliberalismo, e face à degradação política ideológica e moral de toda a gama de reformismos contemporâneos, recuperar Rosa torna-se uma tarefa inadiável. Ela representa o coração vermelho do socialismo, a garantia de que a bandeira da rebelião à escala mundial não se manchará pelo cinzento medíocre da burocracia, nem pelo amarelo tímido do reformismo. Voltar a Rosa tornou-se urgente! Tão urgente como recuperar a herança insubmissa e rebelde dos bolcheviques, de Che Guevara, de Mariatégui, de Gramsci, do jovem Luckacs e de todo o marxismo acumulado pelas gerações que nos precederam. Sem contar com essa imensa experiência de luta e toda a reflexão prévia, o pensamento radical dos nossos dias terminará fagocitado, neutralizado e cooptado pela trituradora de carne das instituições que garantem e reproduzem a hegemonia do capital.

NOTAS
[1] Remetemos para o nosso livro Toni Negri y los Desafios de «Imperio». Madrid, Campo de Ideas, 2002. Traduzido para italiano com o título Toni Negri e gli Euivoci di «Imperio». Bolsena, Massari Editore, 2005.
[2] Que o pensamento libertário e anti-autoritário de Rosa não se inscreve na tradição anarquista mas na marxista revolucionária pode corroborar-se lendo simplesmente os seus textos, em vez de construir sobre ela lendas e mitos ao gosto do bom consumidor (algo que não se reduz a Rosa como um caso especial, recordemos a quantidade de "usos" que se fizeram sobre o pensamento de Gramsci...). Por exemplo em Greve de Massas, Partido e Sindicatos, Rosa assinalava que: "A Revolução Russa [de 1905, nota de N.K.], a primeira experiência histórica da greve de massas, não só não aparece como uma reivindicação do anarquismo como na realidade implica a liquidação histórica do anarquismo [sublinhado de Rosa]. (...) A Rússia foi o berço histórico do anarquismo. Mas a Pátria de Bakunine vai converter-se no túmulo dos seus ensinamentos". Ainda que ali reconheça as "heróicas acções do anarquismo", Rosa afirma que "a carreira histórica do anarquismo está pouco menos que liquidada (...) o método geral e os pontos de vista do marxismo são os que saem vencedores". Ver Rosa Luxemburgo: Huelga de massas, partido y sindicatos. In Rosa Luxemburgo, Obras Escogidas, Buenos Aires, Ediciones Pluma, 1976, tomo I, páginas 187-189.
[3] Também o colocou Alex Callinicos quando, referindo-se à controversa leitura que Foucault faz sobre a rebelião europeia de 1968, sustenta que a sua: "implica uma interpretação particular de Maio de 1968 que recusa a intenção de considerá-lo uma reivindicação do clássico projecto revolucionário socialista. Pelo contrário, sustenta Foucault: «o que ocorreu desde 1968 e, poderia argumentar-se, o que o tornou possível é profundamente anti-marxista» 1968 envolve a oposição descentralizada ao poder, mais que um esforço por substituir um conjunto de relações sociais por outro. Uma intenção semelhante só podia ter conseguido estabelecer um novo aparelho de poder-saber em lugar do antigo, como o demonstra a experiência da Rússia pós-revolucionária. Foucalt procura dar a este argumento – em si mesmo pouco original, pois trata-se de um lugar comum do pensamento liberal desde Tocqueville e Mill – um novo cariz, oferecendo uma explicação distinta do poder". Ver Alex Callinicos: Contra el pos-modernismo. Edição em espanhol de Julho de 1993. No sítio web http://socialismo-obarbarie.org/
[4] Ver Rosa Luxemburgo: La acumulacion del capital, México, Grijalbo, 1967, pág. 285. Edição brasileira: A acumulação do capital, Rio de Janeiro, Zahar, 1976, 516 pgs.
[5] Ver Rosa Luxemburgo: Huelga de massas, partido y sindicatos, obra citada, página 210.
[6] Obra citada, página 189.
[7] Obra citada, página 210.
[8] Ver os documentos da polémica em Luxemburgo, Kautsky e Pannkoek. Debate sobre la huelga de massas, Córdoba, Passado e Presente, 1976.
[8] Ver Vladimir I. Lenine: El Estado y la Revolución em Obras Completas, Buenos Aires, Cartago, 1960, tomo XXV, pgs. 477-479.
[10] Tentando fazer um balanço amadurecido da discussão de 1904-1905 acerca da organização, León Trotsky, outro dos participantes da dita polémica (interveio em 1904 no debate com o artigo " As Nossas tarefas políticas ") no final da sua vida afirmou: "Toda a experiência posterior me demonstrou que Lenine tinha razão, contra Rosa Luxemburgo e contra mim". Balanço reproduzido por Mary Alice Waters na sua introdução a Rosa Luxemburgo: Obras Escogidas. Obra citada, tomo I, página 33.
[11] Ver Paul Frolich: Rosa Luxemburg. Vida y obra, Madrid, Fundamentos, 1976, páginas 140-141.
[12] Ver Rosa Luxemburg: Huelga de massas, partido y sindicatos, obra citada, página 216.


[*] Ensaista, argentino.
Nota: resistir.info não concorda com algumas das opiniões expressas pelo autor do artigo. Decidiu publicá-lo, no entanto, devido à sua importância e à contribuição que dá ao debate de ideias.

O original encontra-se em: http://www.rebelion.org/docs/17281.pdf .
Tradução José Paulo Gascão.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

14/Set/05