Os desafios da nova YPF
A intervenção na YPF e a introdução de uma
gestão estatal da empresa são medidas necessárias para
começar a reverter a depredação energética. Mas
constituem só um ponto de partida para recuperar os recursos
petrolíferos.
Durante uma década a REPSOL liderou o esvaziamento de poços,
reservas e instalações pré-existentes. Extraiu o
máximo possível sem investir e expatriou lucros de forma
escandalosa. Esta conduta não irritou nenhum dos críticos
neoliberais da expropriação em curso. Agora questionam a
"violação da ordem jurídica", esquecendo o total
incumprimento dos contratos por parte da firma. Este duplo critério
é congruente com a sua habitual aprovação dos atropelos
contra os direitos dos assalariados ou aposentados. Nunca estendem a estes
sectores os princípios da segurança jurídica.
Falácias neoliberais
Os direitistas estão a recriar os fantasmas de 2001-2005 e repetem os
mesmos argumentos que difundiram a seguir ao incumprimento
(default).
Advertem contra as terríveis consequências de "isolar-se do
mundo", omitindo o seu recorde de prognósticos falhados.
Alguns desculpam a REPSOL afirmando que sofreu um castigo de preços
desfavoráveis. Mas silenciam os sucessivos ajustes dos últimos
anos, a autorização para liquidar divisas no exterior e a
permissão para exportar a custo do auto-abastecimento. As objectadas
retenções móveis às vendas externas foram uma
ténue compensação pela terrível drenagem que o
país sofreu. Tão pouco recordam que a falta de investimentos
remonta aos anos 90, quando o combustível era muito caro em
dólares.
Os porta-vozes locais da REPSOL afirmam que a expropriação
afugentará os investimentos, que são necessários para
recompor a produção. Mas o desenvolvimento petrolífero da
Argentina nunca proveio dos capitais estrangeiros. Foi um resultado da
propriedade estatal do petróleo bruto e do equilíbrio entre
exploração
(exploración)
e gestão da extracção
(explotación)
de poços, que se conseguiu mediante um sistema integrado de
extracção, refinação e
comercialização. Este regime foi demolido com a
privatização e deveria ser recomposto para reconstruir o
abastecimento.
Qualquer passo nessa direcção é visto pela direita como
uma expressão de "populismo, ou demagogia nacionalista". Mas
com o seu apoio à privatização já demonstraram como
concebem o ideal oposto de condutas republicanas, maduras e responsáveis.
Os defensores mais descarados da REPSOL alertam contra o iminente conflito
entre argentinos e espanhóis que provocará a
expropriação, como se a firma afectada fosse a
representação do povo ibérico. Na realidade é uma
empresa privada de duvidosa propriedade espanhola, uma vez que o grosso do seu
capital encontra-se distribuído em vários centros financeiros do
mundo. Como se especializada, além disso, em localizar sociedades em
paraísos fiscais, potencia a evasão tributária que
deteriorou as finanças espanholas, precipitando o brutal ajuste que
padece esse país.
A REPSOL, naturalmente, é defendida por uma monarquia e um governo
reaccionário, que continuam a exibir soberba neo-colonial com crescente
descaramento. A repetição local dessa diatribe é
particularmente chocante. Como a firma recorrerá a seus aliados da
Europa e ao G20 para gerar um conflito jurídico internacional, é
imperioso que a Argentina se retire do
CIADI
.
Esse tribunal
já tem preparada uma sentença a favor daquela petrolífera.
Empresa mixta ou estatal?
Os principais problemas da nova YPF não estão no flanco externo.
É evidente que o governo decidiu a expropriação por
necessidade e não por convicção. Estava aguilhoado pela
queda da produção e consequente obrigação de
financiar importações com os poucos recursos que dispõe a
Tesouraria. Pressionados por essas circunstâncias efectuou uma volta de
180 grau no seu idílio anterior com a empresa afectada. Negociou sem
resultados um compromisso de maior investimento e finalmente optou pelo choque
com os seus velhos sócios. A expropriação não faz
parte de uma estratégia prevista, nem obedece ao grande volume de votos
conseguido nas últimas eleições.
A reconstrução da YPF encontra-se agora em mãos daqueles
que participaram na sua destruição. Grande parte da elite actual
de funcionários tomou parte no sucateamento da empresa durante o governo
Menem e no remate das suas acções. Sua responsabilidade no
descalabro energético dos últimos oito anos é
inocultável. De Vido é a antítese de Mosconi. Pelo seu
gabinete passaram todas as autorizações requeridas para validar o
aniquilamento da YPF.
A iniciativa da expropriação é positiva, mas seus efeitos
reais dependerão das próximas medidas. Uma decisão chave
joga-se no manejo da indemnização. Não se pode pagar pelo
que é nosso, nem premiar com maiores fundos aqueles que descapitalizaram
a empresa. Ainda há que averiguar quais foram os lucros reais que a
REPSOL acumulou com a distribuição de lucros à custa dos
activos energéticos e com a expansão internacional da companhia,
utilizando os recursos do subsolo nacional.
Antes de falar de qualquer avaliação da empresa (por
cotação na bolsa, contabilística ou patrimonial) há
que ver os resultados de uma auditoria, que esclareça o estado dos
poços e dos danos ambientais. Se se utilizam os fundos do ANSES, as
reservas do Banco Central ou a emissão de nova dívida para pagar
a REPSOL, repetir-se-á a velha história de um estado bobo que se
encarrega das perdas provocadas por ex concessionários.
A nova YPF é concebida como uma sociedade anónima, seguindo um
modelo de empresa mista muito distante da velha companhia inteiramente estatal.
Esta decisão é errada e conspira contra o projecto de
reconstrução energética. Não é casual que
existam tantos exemplos internacionais de manejo totalmente público de
um recurso vital. Esse modelo de propriedade pública manteve a taxa de
exploração requerida no passado para um país como a
Argentina, que tem reservas limitadas e de extracção custosa.
A necessidade de um longo processo de investimento não é
compatível com os esquema idealizados de companhias mistas, que
já foram ensaiados na primeir etapa de privatização da
YPF. Um teste próximo dos problemas que este modelo enfrentará
verificar-se-á quando tiver de ser resolvida a situação do
grupo Eskenazi. Esta família ficou como sócia minoritária
da nova YPF, depois de haver perpetrado uma fraude superior às tropelias
cometidas pela REPSOL. Comprou a sua participação sem por um
só peso, recorrendo a um crédito a pagar com a
distribuição de lucros. Sua permanência está em
dúvida, a partir do momento em que terá de cancelar esse
empréstimo com o seu próprio dinheiro. Se se concretiza a sua
deserção; Quem se encarregará desse pacote? O estado
mediante perdas adicionais? Ou haverá uma transferência para
outros "capitalistas amigos" (Bulgheroni, Cristóbal
López, Lázaro Báez, Eurekian), que já ficaram com
várias áreas sem realizar nenhum investimento?
O perigo da sociedade mista não reside só nesses favoritismos. A
forte presença do capital privado dentro da companhia exige que se opere
com critérios de rentabilidade imediata, que obstruem a prioridade
investidora. Este modelo induz, além disso, ao aumento dos preços
na boca do poço pela pressão para alcançar maiores lucros,
gerando um encarecimento adicional do combustível.
Gestão, legislação e propriedade
O governo promete uma administração profissional da nova YPF. Mas
esta meta exige não só conhecimentos técnicos como
também grande independência do lobby petrolífero. Se as
firmas privadas participam do directório, aumentará o perigo de
repetir os vícios do passado (endividamento desnecessário da
companhia) ou incorrer em novos desacertos (uso dos recursos para financiar o
buraco de importações). É evidente que a
transcendência de definir como se administrará a companhia e a
ENARSA
é um mau antecedente imediato. Torna-se imprescindível dotar a
YPF de um genuíno controle social, popular e dos trabalhadores.
Mas o maior problema está no sucederá com os 70% da actividade
petrolífera que actualmente é desenvolvida fora da YPF. O governo
não definiu que tipo de modificações serão
introduzidas, num sector regido por princípios neoliberais de livre
disponibilidade do petróleo bruto por parte dos concessionários.
A revisão dos contratos subscritos com essas normas mal começou e
na sua grande maioria afectou poços marginais. O projecto de lei em
curso não esclarece o que ocorrerá com o marco legal que permitiu
a atomização do sector e a proliferação de uma
grande variedade de convénios gravosos. Impõe-se aqui a imediata
recuperação da atribuição do estado para controlar
toda a comercialização interna e externa, fixando as
condições e os preços de extracção e
processamento.
A propriedade provincial do subsolo constitui outro impedimento para
alcançar essa meta. Mantém o poder discricionário dos
governadores no manejo de um recurso de toda a nação. O
compromisso da sindicatura comum [de accionistas] que se estabeleceu com as
províncias para o manejo da YPF não se estende ao resto do sector
e só adia a necessidade de reintroduzir a propriedade nacional.
Marginalizar as províncias não petrolíferas da nova
condução da YPF não contribui para essa
recomposição.
Com a expropriação abre-se um novo capítulo da
história petrolífera. Há condições nacionais
e internacionais muito favoráveis para reconstruir nosso cimento
energético, avançando rumo a uma empresa totalmente
pública. Só este esquema permitirá equilibrar os custos de
extracção com os preços requeridos para o desenvolvimento
industrial. Este manejo é indispensável para diversificar a
matriz energética, reduzir a dependência dos hidrocarbonetos e
evitar uma maior deterioração do meio ambiente.
O alcance destes objectivos exige que se afecte os interesses capitalistas que
até agora o governo protegeu e adoptar uma atitude soberana frente
às pressões externas. A mobilização popular com
bandeiras próprias é o grande instrumento para esta
acção.
19/Abril/2012
Ver também:
Argentina: Recuperación (parcial) de YPF
, Alejandro Teitelbaum
[*]
Professor da Universidade de Buenos Aires Consejo Nacional de
Investigaciones Científicas y Técnicas (UBA-CONICET) e membro da
rede Economistas de Izquierda (EDI).
O original encontra-se em
http://www.argenpress.info/2012/04/los-desafios-de-la-nueva-ypf.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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