Num extenso Relatório do Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) as sanções e o bloqueio
contra a Venezuela são comparados aos cercos contra as cidades na Idade
Média.
No seu Relatório sobre a situação na Venezuela, a ACNUDH
assegura que os problemas deste país são devidos em grande
medida, à guerra económica e ao bloqueio financeiro contra o
governo de Nicolás Maduro.
Além disso, o documento compara as modernas sanções e
bloqueios económicos contra a nação, "aos cercos
medievais das cidades, realizadas com a intenção de
forçá-las a se renderem",
O texto é categórico ao apontar que na Venezuela não
há crise humanitária ou crise alimentar.
O documento, publicado em 30 de agosto, foi preparado pelo perito independente
enviado pela ONU, Alfred-Maurice de Zayas, no quadro da
"promoção de uma ordem internacional democrática e
equitativa", após uma visita ao país entre 26 de novembro e
9 de dezembro de 2017.
[1]
O objetivo da missão era examinar o modelo social e económico da
Venezuela e formular propostas para contribuir para melhorar a
situação dos direitos humanos, as tensões
económicas e políticas geradas pela hiperinflação,
escassez de alimentos e remédios e a emigração em massa,
diz o Relatório
Zayas, afirma no texto que a sua tarefa era avaliar objetivamente a
situação, com vistas a ajudar todos os povos interessados,
limitando-se ao seu papel de escuta e reunião com todos os partidos,
mencionando entre outros políticos da
oposição e do governo, representantes da Câmara de
Comércio, organizações governamentais e de
oposição, ONG, representantes da Igreja, estudantes,
académicos, professores, diplomatas. Além disto, parentes de
detidos da oposição e familiares vítimas dos violentos
protestos da oposição.
Guerra económica e bloqueio
O perito salienta no seu relatório que "nos últimos sessenta
anos, guerras económicas não convencionais foram travadas contra
Cuba, Chile, Nicarágua, República Árabe Síria e
República Bolivariana da Venezuela para fazer com que suas economias
fracassem, para facilitar a mudança de regime e impor uma abordagem
socioeconómica neoliberal, a fim de desacreditar os governos
selecionados".
No caso venezuelano, Zayas afirmou que "os efeitos das
sanções impostas pelos presidentes Obama e Trump e as medidas
unilaterais do Canadá e da União Europeia agravaram direta e
indiretamente a escassez de medicamentos", indicando que "as
sanções económicas causaram atrasos na
distribuição (de alimentos, medicamentos e necessidades
básicas) e contribuíram para muitas mortes ", medidas que
ele apontou como crimes contra a humanidade. "As sanções
económicas matam", disse.
Foi ainda lembrado que "as sanções económicas que
afetam as populações inocentes infringem o espírito e a
letra da Carta das Nações Unidas", pelo que sugeriu uma
investigação adequada sobre a ingerência internacional na
Venezuela.
Apesar disto, Zayas mencionou que em 2017, o governo de Nicolás Maduro
solicitou assistência médica ao Fundo Global de Combate à
SIDA, Tuberculose e Malária, a qual foi rejeitada com o argumento de que
a Venezuela "continua a ser um país de altos rendimentos".
Zayas indicou também que entre os fatores que afetam a Venezuela, devem
ser considerados:
A dependência da venda de petróleo e o efeito devastador da
queda acentuada dos preços do petróleo.
O efeito cumulativo de 19 anos de guerra económica contra os governos
socialistas de Chávez e Maduro, que ele comparou com as medidas adotadas
entre 1970 e 1973 contra Salvador Allende no Chile e na década de 1980
contra Daniel Ortega na Nicarágua .
O bloqueio financeiro, comparável ao que afeta Cuba desde 1960.
Os efeitos das sanções económicas impostas desde 2015
pelos Estados Unidos e a União Europeia contra a Venezuela,
"agravaram muito a escassez de alimentos e medicamentos, causaram
sérios atrasos na distribuição e desencadearam o
fenómeno da emigração maciça para os países
vizinhos ", diz o documento.
Falsa crise humanitária
O enviado foi categórico ao apontar que o que acontece na Venezuela
é "uma crise económica que não pode ser comparada
às crises humanitárias em Gaza, Iémen, Líbia,
República Árabe da Síria, Iraque, Haiti, Mali,
República Centro-Africana, Sudão do Sul, Somália ou
Myanmar, entre outros."
Aliás, ele lembrou que a Organização das
Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)
divulgou dois relatórios recentes em dezembro de 2017 e
março de 2018 indicando que a Venezuela não está
entre os 37 países que mundo que estão a passar por crises
alimentares.
Noticias falsas sobre a Venezuela
O diplomata comparou as sanções e os bloqueios económicos
modernos, "com os cercos medievais das cidades, com a
intenção de forçá-las a renderem-se".
Para isso, disse, essas sanções são acompanhadas da
manipulação da opinião pública através de
"falsas notícias", relações públicas
agressivas e retórica pseudo-humanitária.
Expressou também a preocupação com a
desinformação internacional que existe acerca do país, que
ele descreve como "uma campanha mediática perturbadora (que)
procura forçar os observadores a uma visão preconcebida de que
há uma" crise humanitária "na República
Bolivariana de Venezuel".
"Um especialista independente deve ser cauteloso com o fraseado
hiperbólico, tendo em conta que a "crise humanitária"
pode ser usada como um pretexto para a intervenção militar",
disse o enviado da ONU.
Durante meses, mas reforçada nas últimas duas semanas, a
Venezuela tem sido vítima de uma poderosa campanha
propagandística destinada a impor a narrativa de que existe uma
"crise de refugiados."
Números do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) e OIM
(Organização Internacional para as Migrações)
desmontam a crise dos refugiados"
[2]
Conclusões e soluções
Zayas diz no documento, citando a Carta das Nações Unidas, que:
Os princípios da não intervenção e não
ingerência nos assuntos internos dos Estados soberanos pertencem ao
direito internacional consuetudinário.
Nenhum Estado poderá usar ou encorajar o uso de medidas
económicas, políticas ou outras para coagir outro Estado a fim de
obter dele a subordinação do exercício de seus direitos
soberanos.
Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou
indiretamente, por qualquer motivo, nos assuntos internos ou externos de
qualquer outro Estado.
É proibida a intervenção das Forças Armadas e
qualquer outra forma de interferência ou tentativa de ameaça
contra a personalidade do Estado ou contra os seus elementos políticos,
económicos e culturais.
Para o perito, a solução para a situação
venezuelana "está nas negociações de boa fé
entre o governo e a oposição, o fim da guerra económica e
o levantamento das sanções".
Para isso, pediu para serem retomados os diálogos entre o governo de
Nicolás Maduro e a oposição; reuniões
constantemente convocadas pelo executivo, mas que receberam o negativo da
contraparte.
Neste sentido, destacou o trabalho realizado sobre o tema pelo
ex-primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, com
o apoio do Vaticano, como mediador dos partidos na Venezuela.
Zayas recomendou ao governo "continuar os esforços para o
diálogo com os partidos da oposição, promover o retomar
das negociações na República Dominicana (...) e promover a
reconciliação nacional, libertar prisioneiros, concedendo
comutações de sentença", bem como, convidando
"outro titulares de mandatos de procedimentos especiais para visitar o
país, além dos relatores que já foram convidados."
Além disso, apelou aos países de todo o mundo para ajudar:
"A solidariedade internacional com o povo venezuelano deve facilitar o
livre fluxo de alimentos e medicamentos para aliviar a atual escassez. A ajuda
deve ser genuinamente humanitária e não perseguir fins
políticos ulteriores, acrescentando que "os Estados ricos deveriam
facilitar a assistência humanitária em coordenação
com as organizações neutras", porque "a prioridade
é como ajudar efetivamente os venezuelanos respeitando a soberania do
Estado".
Para fazer isso, ele pediu à Cruz Vermelha, Caritas e outras
organizações para terem em conta o seu pedido para coordenarem a
importação e distribuição de ajuda, acrescentando
que "as agências das Nações Unidas devem prestar
serviços de consultoria e assistência técnica ao
Governo".