Racismo e discriminação na Venezuela moderna
De Luis Beltran Prieto Figueroa a Hugo Chávez
por Emilio J. Corbière
[*]
Os observadores internacionais não se apercebem de que existe na
Venezuela, nas classes média e alta, um profundo sentimento de
discriminação para com os negros, mulatos e aborígenes.
É aí que se encontra a base social para o golpe petroleiro contra
Chávez.
Estes observadores internacionais, e o jornalismo em geral, não notaram
que juntamente com o agudo enfrentamento social e económico existente na
Venezuela, enfrentamento entre classes sociais, há um elemento
sociocultural negativo: o racismo e a discriminação das classes
média e alta de pele branca contra negros, mulatos e nativos.
Em 1980, quando entrevistei para o Suplemento Literário do diário
La Nación
, de Buenos Aires, o escritor Arturo Uslar Pietri, ele recordou-me diversos
aspectos da história venezuelana, durante uma longa conversa de que
publiquei fragmentos no referido matutino portenho.
No século XIX houve uma guerra civil entre brancos, negros e mulatos.
Existem monumentos em Caracas que recordam os mortos dessa guerra civil.
Durante a guerra da Independência, as massas camponesas, os llaneros
[1]
,
negros, mulatos e aborígenes advertiram a burguesia de Caracas, tal como
ocorreu com os comerciantes portenhos de Buenos Aires, que procuravam tornar-se
independentes da Espanha a fim de consolidar seus interesses económicos.
E verificou-se um facto que comoveu a causa independentista. Vários
llaneros uniram-se à Espanha, segundo o relato do próprio Uslar
Pietri "Las lanzas coloreadas", escrito quando era um jovem de vinte
e poucos anos. Um livro comparável na literatura hispanoamericana ao
"Facundo" de Domingo Faustino Sarmiento.
Gomezismo e ditaduras
A longa tirania de José Vicente Gómez ("O Bagre",
devido aos seus bigodes) têve um pano de fundo petroleiro estimulado por
Washington. O tirano Gómez representava a burguesia caraquenha que
oprimiu as classes pobres, misérrimas desde os princípios do
século XX até a sua morte em 1935. Só conseguiu manter-se
no poder, apesar da resistência de intelectuais e sectores populares,
graças ao apoio norte-americano, das grandes companhias petroleiras
estrangeiras e dos brancos da classe média e alta.
Dentre esses jovens rebeldes surgiu a ARDE, liderada por Rómulo
Betancourt. Ao longo dos anos, a ARDE de filiação socialista e
marxista transformou-se num movimento populista, decalcado no modelo aprista
peruano, e passou a chamar-se partido Acção Democrática
(os "adecos").
Os acordos de Punto Fijo
A evolução política venezuelana desenrolou-se entre
ditaturas militares e governos semi-legais. Um governo da Acção
Democrática, nos anos 40, encabeçado pelo escritor Rómulo
Gallegos, foi derrubado rapidamente e sucederam-se ditaduras até a de
Marcos Pérez Jiménez, que foi derrubado por sua vez por um
movimento cívico-militar em 1957.
Os políticos surgidos desse movimento Acção
Democrática (social-democrata), liderado por Betancourt; o COPEI (de
centro-direita) democrata-cristão; Jovito Villalba; o general de
esquerda Wolfgang Larrazabal e outros chegaram aos acordos de Punto Fixo, onde
foram estabelecidas bases para a manutenção de uma democracia
representativa numa nação que fora alheia ao sistema republicano.
A Legião do Caribe
É interessante salientar a existência da Legião do Caribe,
que foi integrada pelos venezuelanos Betancourt, Vilalba, Luis Beltrán
Prieto Figueroa; pelos peruanos Victor Raúl Haya de la Torre e Manuel
'Cachorro' Seoane e pelo costariquense José 'Pepe' Figueres, dedicada a
combater as ditadura de Trujillo, Peréz Jiménez, Castillo Armas,
Odría, Batista e outros tiranos latino-americanos. Quase todos os nomes
mencionados pertenciam à maçonaria e avançavam
concepções populistas que derivaram em formas social-democratas.
Luis Beltrán Prieto Figueroa
É tão forte o racismo e a discriminação já
mencionados que teve um trágico capítulo político em
meados dos anos 60. A Acção Democrática era o partido
majoritário da Venezuela e o candidato que escolheu como próximo
presidente era um homem de importância intelectual e política,
Luís Beltrán Prieto Figueroa, um cientista político e um
intelectual de relêvo. Mas era mulato. Carlos Andrés
Pérez e Tejera París fizeram escolher como candidato um amigo de
Betancourt, Gonzalo Barrios. A Acção Democrática
dividiu-se então e Prieto Figueroa formou o Movimento Eleitoral do Povo
(MEP), com o que perderam as eleições para o centro-direitista
COPEI (democrata-cristãos), liderado por Rafael Caldera. Junto a essa
força política ascendeu a Opus Dei.
A crise final
A Acção Democrática recuperou o poder através de
Carlos Andrés Pérez, que quiz perpetuar-se no governo e, entre
outros dislates, rompeu com os acordos de Punto Fijo. Pérez
dissolveu-se na corrupção política e económica e
isso abriu caminho para o surgimento do chavismo.
Agora querem voltar mediante o golpe de Estado petroleiro e não toleram
um mulato no poder. Temem a nova legislação que entrará
em vigor em Fevereiro de 2003, que nacionaliza totalmente o petróleo e
abre o caminho para a Lei da Reforma Agrária. Fracassada a greve geral
destes golpistas, fizeram-se forte no lockout petroleiro. Os burocratas
sindicais petroleiros apoiam as empresas privadas, contam com toda a imprensa
do monopólio Cisneros e mobilizam sectores das classes média e
alta em manifestações.
[*]
Jornalista da
Argenpress
.
[1]
Habitantes da planície dedicados ao gado, tal como os gaúchos.
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