A exploração do medo pequeno burguês

por Guillermo García Ponce [*]

Guillermo García Ponce. Não há dia nenhum em que os inimigos do Presidente Chávez não deixem de atribuir propósitos comunistas à gestão do governo. Não é suficiente o texto da Constituição Bolivariana, com a sua definição do mais amplo pluralismo ideológico e a sua sólida consagração da propriedade capitalista e das relações capitalistas de produção. Não são suficientes os reiterados discursos do Presidente Chávez e dos seus mais imediatos colaboradores, sobre a inspiração exclusivamente bolivariana e nacionalista do seu pensamento político.

Não importa que a realidade e as ideias os desmintam. A acusação é persistente e agressiva porque permite excelentes dividendos políticos às tendências fascistas. A propaganda anticomunista constitui uma arma privilegiada no arsenal da ultradireita. Tem sido usada com êxito nos quatro cantos do mundo, desde o Chile até à Alemanha. O seu objectivo é explorar os medos da classe média e dos sectores mais atrasados da população, para os manipular politicamente a favor de soluções antidemocráticas.

O fascismo chegou ao poder na Alemanha porque a classe média foi aterrorizada pela propaganda que descrevia com roupas demoníacas os bolcheviques de Lenine. Os pequenos comerciantes e proprietários lançaram-se nos braços do partido nazi para "se salvarem do comunismo" Afinal, das mãos de Hitler apenas os esperava a barbárie dos campos de extermínio. A Guerra Civil de Espanha foi feita em nome da luta contra "os vermelhos", mas o que veio depois foram os fuzilamentos e o terror de Franco. No Chile, os medos do pequeno burguês timorato e ignorante foram explorados com igual intensidade, a fim de abrir as portas a Pinochet e aos seus sequestradores e assassinos.

Na Venezuela não é difícil explorar e manipular os medos da pequena burguesia. Em primeiro lugar, porque as nossas camadas médias vêm de um passado recente rural e aldeão, que as torna presas fáceis das velhas concepções conservadoras e pusilânimes. Mas também porque, nos últimos quarenta anos, filhos e netos de uma imigração vinda da Europa com as malas abarrotadas de profundos preconceitos anticomunistas, se vem integrando na população venezuelana de pequenos proprietários, onde difunde os seus medos. Esta imigração chegou à Venezuela cheia dos temores e incertezas que o final vitorioso da guerra contra o fascismo e a proximidade do poderoso Exército Soviético acarretavam. E assim não podiam ter deixado de formar famílias e lares impregnados do medo da revolução.

O castro-comunismo é um espantalho da década de sessenta, que agora voltam a agitar para intimidar e confundir. Há quarenta anos foi arvorado para submeter o país aos interesses dos grupos económicos dos Estados Unidos e à "guerra fria" anticomunista. Uma campanha orquestrada distorce a realidade cubana e cria uma visão apropriada para explorar o medo. Não importa que o capitalismo selvagem conduza à ruína a Argentina, o Uruguai e dezenas de outros países ou esteja na origem da fome em África, sacrifique a vida de milhões de crianças ou fomente as mais profundas desigualdades no mundo. Nada desta realidade importa, senão fabricar uma imagem desfigurada e grotesca para meter medo à pequena burguesia, de modo a que, assustada, corra a lançar-se nos braços do fascismo.

O original deste artigo encontra-se em http://www.paginadigital.com.ar/
Tradução de Carlos Coutinho.




"Falta-nos o partido da revolução"

entrevista de Guillermo García Ponce [*]
a Pedro Fernandez, da revista chilena Punto Final.

Qual é a situação na Venezuela?

GCP - "Os sectores golpistas e neofascistas da ultradireita tiveram uma dura derrota. Na continuação de uma estratégia destinada a derrubar o governo democrático do presidente Hugo Chávez Frías e restaurar a velha política, a aliança formada pelos grupos mais reaccionários da cúpula empresarial e pelos restos da mafia sindicaleira ao seu serviço, levaram a cabo uma tentativa de paralisar a vida do país a partir de 12 de Dezembro de 2002. A esta conspiração incorporaram-se os gerentes da empresa nacional de petróleo (PDVSA). O plano era estrangular a economia do país. Como não conseguiram o apoio da massa operária, pretenderam impor-se pela força mediante uma onda de sabotagens e atentados terroristas, causando grandes danos às instalações petrolíferas, principalmente às refinarias. Além disso obrigaram a fechar universidades e escolas e os patrões despediram os operários das fábricas e empresas. Simultaneamente, intensificaram uma verdadeira guerra contra o governo bolivariano através das estações de televisão e dos diários. Também lançaram milhares de mulheres e jovens das classes acomodadas à rua, a bater caçarolas e a obstruir o trânsito. Neste quadro, os golpistas e neofascistas davam como certo o derrubamento de Chávez e a instalação de uma ditadura patronal. O presidente Chávez enfrentou resolutamente este conluio e derrotou-o apoiando-se na mobilização do povo e das Forças Armadas. Agora, o governo bolivariano é mais forte e a ultradireita está enfraquecida. É importante destacar que nem sequer foi necessário declarar o estado de emergência, nem suspender as garantias constitucionais.

O que ganhou o governo? O que ganhou a oposição?

GCP - "Em resultado da dura e prolongada confrontação de Dezembro e Janeiro, o governo bolivariano ganhou muito. Em primeiro lugar, consolidou-se o apoio das Forças Armadas ao processo democrático e constitucional, o que é muito importante porque um dos requisitos fundamentais da Revolução Bolivariana é manter e consolidar a unidade povo-forças armadas. Em segundo lugar, conseguimos resgatar a indústria petroleira para os interesses nacionais. A indústria petroleira fora nacionalizada em 1976, mas a nível do pessoal executivo e da gerência superior manteve-se uma mentalidade neocolonial. De maneira que aquela foi uma nacionalização parcial. Os gerentes continuaram a actuar em função dos interesses norte-americanos. Além disso, converteram-se numa casta predadora que devorava a renda petroleira com altos salários e privilégios obscenos, em detrimento dos impostos correspondentes à Tesouraria Nacional. Basta citar um número: em 1976 o sector petrolífero destinava 80 por cento dos seus rendimentos para o Estado; em 2001, só 20 por cento. Cabe destacar, para dar uma ideia da profundidade da penetração das ideias anti-nacionais no sector petroleiro e da decomposição dos seus grupos gerenciais, que foi necessário despedir cerca de nove mil empregados do pessoal executivo superior a fim de limpá-la da 'quinta coluna' e garantir o controle por parte do Estado. Em terceiro lugar, para a imensa maioria da população ficou claro o carácter anti-nacional dos sectores golpistas e neofascistas e, finalmente, verificou-se uma cisão na oposição, a qual deve acentuar-se no futuro político venezuelano.

O que ganhou a oposição? A formação do chamado 'Grupo de Amigos da Venezuela' que, com a excepção do Brasil, é integrado por governos abertamente favoráveis aos inimigos da Venezuela e do presidente Chávez. "Será que por acaso não sabemos bem que o governo do sr. Aznar reconheceu o governo usurpador surgido do golpe de Estado de 11 de Abril? Será que por acaso não sabemos para que lado se inclina o governo do sr. Fox? E nem se diga do governo do sr. Bush, tutor e financiador do complot contra o presidente Chávez. Que classe de 'amigos'! É evidente que quando os golpistas dentro da Venezuela estavam derrotados, a conspiração internacional lançou-lhes um salva-vidas. Esse é o seu lucro, se assim se lhe pode chamar. Contudo, ninguém pode duvidar: a Revolução Bolivariana não capitulará, nem mesmo diante do poder dos inimigos internacionais.

UMA REVOLUÇÃO VERDADEIRA

O processo que se verifica na Venezuela é uma revolução?

GCP - "Quando se julga o processo venezuelano de fora, é importante ter em consideração alguns elementos que nem sempre estão disponíveis. Digamos que um deles é esse conjunto variegado de originalidades e particularidades que se deram no 'caso' Chávez e no movimento bolivariano, talvez não repetíveis em outros cenários. O espaço de Punto Final não permite que me estenda sobre este aspecto que está muito relacionado com o conteúdo da pergunta. Deve ter-se em conta a juventude da Revolução Bolivariana. Apenas quatro anos, todos eles carregados de acontecimentos acelerados. A contra-revolução não nos deixou nem um dia de descanso. Finalmente, falamos de 'processo'. Aquilo que ocorre na Venezuela é um processo, ou seja, é algo em movimento, que se desenvolve, que não acabou. Entender todos estes factores é difícil. Por isso, não se pode medir a revolução venezuelana com as normas dos textos clássicos. Para nós, os revolucionários venezuelanos, a erradicação do poder da velha política, dos velhos partidos e da tutela norte-americana são suficientes para dar esse timbre à Revolução Bolivariana. Esta jovem revolução, encabeçada pelo presidente Chávez, ainda tem muito que fazer no campo social e económico. Estamos seguros de que avançará e aprofundará no calor da confrontação com os seus inimigos e da força e profundidade que conseguirem alcançar a organização, a unidade e a consciência do povo venezuelano. Guiamo-nos pelo pensamento de Bolívar. 'Devemos triunfar pelo caminho da revolução e não por outro' ".

Quais são as fortalezas e as debilidades do governo do presidente Chávez?

GCP - "As fortalezas? Para mencionar algumas das mais importantes:

  • A vontade do povo venezuelano que, apesar das dificuldades, não quer voltar ao passado de injustiças, enriquecimento e corrupção da velha política, de exclusão social e de monopólio partidista sectário do poder.

  • A liderança do presidente Chávez, cuja identificação com o povo e sua dedicação aos interesses populares o instalaram no seio das maiorias.

  • O apoio das Forças Armadas, cujos quadros fundamentais assumiram a defesa das instituições.

  • O carácter democrático, constitucional e legítimo do governo. Seu respeito pelos direitos humanos e pelas garantias do cidadãos.

  • No económico, a renacionalização da indústria petroleira. Sua inserção na soberania, após a derrota dos golpistas, nos permitirá contar com melhores rendimentos para reconstruir e diversificar a economia — para que não dependa de um só produto de exportação — e fortalecer os recursos em mãos do Estado a fim de desenvolver os amplos programas sociais da Revolução Bolivariana.

    Fraquezas? A principal debilidade do processo revolucionário é a ausência do partido da revolução. O que quero dizer? Temos na Venezuela muitos partidos revolucionários que apoiam o processo, mas carecemos de um capaz de unificar a todos. O governo precisa de um centro de direcção e de massas na rua, que unifique os esforços e os recursos de todos os revolucionários. A ausência de um único partido dos revolucionários e patriotas debilita a acção do governo em todas as áreas e é um estorvo no processo revolucionários. Evidentemente, é parte da herança da velha cultura política (sectarismo, protagonismo, personalismo) que não pudemos afastar.

    Poderia citar outras grandes debilidades. A carência de quadros maduros, experientes, ideologicamente fortes, consequência da juventude do processo revolucionário e também do dano causado pelas teses social-democratas de direita, apregoadas por Teodoro Petkoff no seio do movimento revolucionário nos anos 70 e 80 e culpadas, em grande medida, pela decomposição de centenas de quadros que hoje estariam nas primeiras filas.

    Naturalmente também é necessário dizer que a economia venezuelana é muito vulnerável à pressão dos factores internacionais inimigos da revolução. Os recursos fiscais — e em geral a vida económica nacional — dependem da exportação de petróleo. Esta é uma debilidade terrível".

    A que se deve o apoio popular ao presidente Chávez?

    GCP - "O presidente Chávez conseguiu interpretar o sentimento e os anseios do povo venezuelano, especialmente dos sectores mais pobres, excluídos e marginalizados. As escolas bolivarianas, onde se dá alimento às crianças, a entrega de títulos de propriedade das terras urbanas e rurais, os programas de crédito aos pobres, o próximo estabelecimento da segurança social e uma Constituição que garante uma democracia participativa e protagónica são algumas das conquistas do povo venezuelano. Além disso, agora temos, pela primeira vez, uma política exterior verdadeiramente independente e a Constituição proíbe a privatização da indústria petroleira".

    Qual é o papel das Forças Armadas?

    GCP - "Sem o apoio das Forças Armadas não existiria a Revolução Bolivariana. A participação da força armada foi decisiva para derrotar o golpe de Estado do 11 de Abril e, agora, para sufocar a acção terrorista na indústria petroleira".

    NECESSIDADE DO PARTIDO

    Existe atraso na organização social e política?

    GCP - "Devido à fragmentação do movimento revolucionário (uma herança do passado que ainda não pudemos superar) existem sérias falhas na organização popular. Filiaram-se aos Círculos Bolivarianos mais de dois milhões e quinhentos mil venezuelanos e venezuelanas. Contudo, ainda não pudemos dar a estes Círculos estabilidade e permanência. Os partidos políticos revolucionários não puderam formar uma estrutura de base sólida. Continuam a ser, de certa forma, aparelhos eleitorais com organização a nível de altos e médios dirigentes, mas muito fracos na base. Durante os 40 anos de domínio da velha política perdeu-se muito o conceito da organização pela base. Em grande medida, em consequência do enfraquecimento ideológico e da tendência a dar prioridade às tarefas eleitorais e à actividade parlamentar. A cultura da velha política perverteu a actividade partidária, converteu-a em clientelismo eleitoral, em luta burocrática. Agora estão a surgir centenas de novas organizações populares, dentre elas os Círculos Bolivarianos, no calor da luta política, apesar da ausência do partido da revolução".

    A que se deve a debilidade em sectores como o sindical, estudantil, etc?

    GCP - "Houve um tempo em que a esquerda exercia uma influência decisiva no movimento sindical e estudantil. Na década dos sessenta, os governos da velha política ganharam o controle dos sindicatos. Surgiram a CTV e as federações sindicais dominadas pelos anticomunismo e os aparelhos policiais ao serviço dos patrões e das mafias. Liquidou-se a democracia sindical. A maioria dos trabalhadores virou as costas aos sindicatos. Mas também é necessário que a esquerda abandonou o trabalhou sindical pela base.

    Agora estamos em meio à tarefa de refundar um novo movimento sindical. Uma amostra dos progressos que faz a Revolução Bolivariana no campo operário é, em primeiro lugar, que os trabalhadores não aderiram à 'paralisação cívica golpista' e, em segundo lugar, que a normalização na indústria petroleira, depois da onda de sabotagens e atentados terroristas, foi possível graças ao esforço de 26 mil operários petroleiros, que se mantiveram fieis ao país".

    É necessário um partido revolucionário na Venezuela?

    GCP - "É uma necessidade inadiável a unidade em um partido de todas as forças revolucionárias venezuelanas. Marchamos nesse rumo, convencidos de que a Revolução Bolivariana requer um só centro de direcção para que não se enfraqueça o processo revolucionário e nem se dê vantagem à contra-revolução. A ausência de um só partido da revolução, produto da fusão de todas as organizações revolucionárias, explica-se pela juventude da Revolução Bolivariana, que ainda não completou a sua aprendizagem política, e pela sobrevivência de pústulas da velha cultura partidária. Estou certo de que superaremos todos os obstáculos e conseguiremos criar um partido único da revolução. O presidente Chávez trabalha nesse sentido".

    Mudou o mapa político latino-americano?

    GCP - "Sem dúvida alguma o mapa político está a mudar. As vitórias populares no Brasil e no Equador são um indício claro da vontade dos nossos povos. Os venezuelanos estão ansiosos por outras vitórias porque sabemos que o nosso processo não pode ficar isolado do resto do continente. O principal inimigo da Venezuela está na conspiração internacional, tutelada pelos círculos mais agressivos dos Estados Unidos que procuram isolar e esmagar a Revolução Bolivariana a fim de apoderar-se do nosso petróleo, entre outros objectivos".

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    [*] Guillermo García Ponce, um dos principais ideólogos da Revolução Bolivariana, é uma personalidade conhecida e respeitada na Venezuela. Actualmente exerce o cargo de chefe do Comando Político da Revolución Bolivariana — agrupamento dos partidos que apoiam o governo do presidente Hugo Chávez. Militante comunista desde os 16 anos, esteve na clandestinidade e na prisão a maior parte dos seus 42 anos no PCV. Foi fundador da Juventude Comunista e membro da comissão política desse partido. Participou na fundação da Junta Patriótica que encabeçou a insurreição de 1958, a qual derrubou a ditadura do general Marcos Pérez Jiménez. Foi eleito, durante três mandatos, deputado por Caracas. Na década de 60 participou na luta armada e integrou o estado maior das Fuerzas Armadas de Liberación Nacional (FALN). Esteve cinco anos encarcerado na prisão militar de San Carlos, da qual fugiu em 1968. Nos fins dos anos 70 separou-se do PCV e fundou outro partido, a Nueva Alternativa. Em anos recentes foi coordenador do Polo Patriótico, que impulsionou a campanha presidencial de Hugo Chávez, e foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a actual Constituição Bolivariana.

    O original desta entrevista encontra-se em http://www.puntofinal.cl/ . Tradução de JF.


    Estes documentos encontram-se em http://resistir.info .

  • 30/Ago/03