O golpismo e a máfia sindical da Venezuela
A Venezuela, que gerou tantas esperanças nos povos do continente com a
revolução bolivariana encabeçada por Hugo
Chávez, vive dias de grandes incertezas. Pela quarta vez neste ano, a
poderosa elite deste país patrocina um paro cívico
nacional com o objetivo de derrubar o presidente democraticamente eleito.
Desde a tentativa frustrada de golpe, em abril passado, o cenário
é de instabilidade. Na ocasião, as massas populares tomaram as
ruas e abortaram a conspiração direitista orquestrada pelos
magnatas, mídia e um setor militar com descarada
interferência da embaixada dos EUA em Caracas.
A reversão do golpe, porém, não trouxe a paz aos
venezuelanos, que continuam sendo vítimas das ações
desestabilizadores das elites. A marca atual desta sociedade é a da
polarização política, que expressa bem as gritantes
contradições sociais do país em que uma
ínfima minoria detém riqueza e renda, enquanto a grande maioria
vegeta na miséria. A revolução bolivariana
seduziu o povo exatamente por se propor a alterar este quadro. Mas as elites,
que deixaram o núcleo do governo, não perderam totalmente seu
poder. Daí a sua raivosa reação nos constantes
lockouts
, com o deprimente apoio de uma fatia do sindicalismo.
FORÇA REACIONÁRIA
A ativa participação da Confederação dos
Trabalhadores da Venezuela (CTV) nesta conspiração direitista
não deve causar surpresa. Um pouco de história comprova que esta
central, que representa apenas 8% da população economica ativa
(PEA), há muito tempo faz o jogo das oligarquias, sendo biombo de uma
máfia sindical corrupta e violenta. O decrépito Carlos Ortega,
presidente da CTV, é hoje um dos principais expoentes da
oposição de direita, conhecido por sua sanha anticomunista contra
Cuba e pelos pronunciamentos contra a reforma agrária e outras leis de
cunho progressista baixadas por Hugo Chávez. Junto com a poderosa
entidade empresarial do país, a Fedecámaras, é o
organizador dos paros cínicos que visam desestabilizar e
sabotar o governo.
Durante 40 anos, desde a queda da ditadura do general Marcos Jimenez (1952/58),
a CTV participou da montagem do bloco dominante. Ela foi um sustentáculo
do bipartidarismo que dominou o país, formado pela Ação
Democrática (AD, social-liberal) e o Comitê de
Organização Política Eleitoral Independente (Copei,
social-cristão). A partir da consolidação do regime,
na Constituição de 1961, seus líderes foram paulatinamente
incorporados ao pacto conservador, com a tarefa de conter as lutas sociais e
eliminar os focos de contestação. O prêmio por esses
préstimos era sua integração à burocracia do
Estado. Sucessivas gerações de sindicalistas da CTV receberam
cargos nababescos em diretorias de institutos previdenciários, de
autarquias estatais e até de bancos oficiais, explica o jornalista
Breno Altman.
Várias denúncias comprovam que para se manter no poder, a AD, que
passou a ser a força hegemônica na central, usou métodos
arbitrários e violentos contra os oponentes. As lideranças
contrárias ao peleguismo eram excluídas das
eleições sindicais; muitas foram demitidas de seus empregos; a
montagem de chapas de oposição sempre esbarrou no veto da
Justiça controlada pelos dois partidos no poder; a maioria dos empregos
no setor público passava pelo crivo da burocracia sindical. A
própria Organização Internacional do Trabalho registrou
várias queixas contra a ausência de liberdade e autonomia
sindicais no país.
A vitória de Hugo Chávez na eleição presidencial de
1998, com 56,2% dos votos, pôs fim ao sossego da carcomida cúpula
sindical. A derrota do bipartidarismo oligárquico foi um duro
revés para a CTV, que bancou o candidato da AD partido desgastado
pelas denúncias de corrupção, que inclusive levaram ao
impeachment
do ex-presidente Andrés Pérez. Chávez, com forte apoio
popular, mas sem uma consistente base social organizada, ainda tentou
incentivar núcleos de oposição à CTV. Patrocinou a
criação da Força Bolivariana dos Trabalhadores e
privilegiou a CUTV, uma central minoritária dirigida pelos comunistas.
Diante da furiosa reação da burocracia sindical, encastelada nos
maiores sindicatos, Chávez tomou uma atitude arriscada: convocou, em
dezembro de 2000, um plebiscito para avaliar o papel do sindicalismo. Apesar do
índice elevado de abstenção, com a ausência de 76,5%
dos eleitores, o referendo representou uma derrota histórica da
cúpula da CTV, que fez campanha aberta contra a consulta. Dos 2,63
milhões de votantes, 72,3% responderam positivamente à pergunta
formulada, concordando com a renovação das
direções sindicais em um prazo de 180 dias e a imediata
suspensão de seus mandatos.
PACTO CONSERVADOR
É nesta ocasião que sai de cena Frederico Ramírez, que
apresenta a sua carta de renúncia à presidência da CTV, e
desponta a figura de Carlos Ortega, velha liderança vinculada às
prósperas empresas petrolíferas. De imediato, ele firma um pacto
com a Fedecámaras e viaja aos EUA, onde recebe o apoio da AFL-CIO, a
central sindical norte-americana, e da CIOSL (Confederação
Internacional das Organizações Sindicais Livres).
Esta articulação conservadora ofusca o resultado do plebiscito e
adia o processo eleitoral.
No pleito, realizado em outubro do ano passado, sob coordenação
da própria central, Ortega conquista a presidência da CTV. Dos 1
milhão e 255 mil sindicalizados, votaram apenas 286 mil. Ele
obtém 174 mil votos, contra 50 mil dados a Aristóbulo
Istúriz, da Força Bolivariana. O Tribunal Eleitoral declarou que
o pleito fora viciado: entre outras fraudes, foram extraviadas 22 mil atas.
Ortega inclusive perdeu a eleição na sua base, na
federação dos petroleiros. Até a mídia, totalmente
envolvida na conspiração golpista, foi obrigada a admitir que
Ortega se proclamou presidente da CTV faltando 49% das atas de
votação.
Empossado ilegalmente, o primeiro ato de Ortega foi uma visita à sede da
Fedecámaras. De lá para cá só cresceram as
articulações golpistas entre a cúpula sindical pelega e os
magnatas do capital, sempre com a supervisão direta do governo dos EUA.
Nem mesmo o vazamento de uma fita contendo a conversa entre Ortega e o
ex-presidente corrupto Andrés Peres, refugiado nos EUA, inibiram o seu
frenesi conspirativo. Nela, os dois faziam planos de novas ações
para desestabilizar o governo Chávez e comemoravam o apoio
explícito do presidente George W. Bush e do embaixador norte-americano
em Caracas.
[*]
Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista
Debate Sindical
e autor, com Marcio Pochmann, do livro Era FHC A regressão
do trabalho (Editora Anita Garibaldi). Email:
aaborges1@uol.com.br
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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