Extradição

por Luis Britto García [*]

'. Extradição é o procedimento em virtude do qual um acusado ou condenado por um delito segundo a lei de um Estado é privado da sua liberdade em outro e retornado ao primeiro para nele ser submetido a julgamento ou cumprimento de pena.

Ninguém concede a extradição por supostos delitos políticos, porque só o são no país fora do qual está o acusado. Segundo afirma Irureta Goyena, "no Estado em cujas leis se ampara, o delinquente político não representa um perigo; e no Estado de cujos governantes escapa, não existe justiça que lhe ofereça garantias".

Esta é a regra universalmente aceite no Direito Internacional. Assim, a Convenção sobre Asilo Territorial da Organização dos Estados Americanos (OEA) 1954 no seu artigo 3 dispõe que "Nenhum Estado é obrigado a entregar a outro Estado ou a expulsar do seu território pessoas perseguidas por motivos ou delitos políticos", ao passo que o seu artigo 4 estabelece categoricamente que "A extradição não é procedente quando se trate de pessoas que, em relação à qualificação do Estado requerido, sejam perseguidas por delitos políticos ou por delitos comuns cometidos com fins políticos nem quando a extradição se solicita obedecendo a motivações predominantemente políticas".

Também o nosso [venezuelano] Direito interno exclui de forma terminante a extradição por motivos políticos. A esse respeito, o Código Penal da Venezuela estabelece no seu artigo 6: "A extradição de um venezuelano não poderá ser concedida por nenhum motivo; mas deverá ser julgado na Venezuela, por solicitação da parte agravada ou do Ministério Público, se o delito de que é acusado merecer pena pela lei venezuelana. A extradição de um estrangeiro não poderá tão pouco ser concedida por delitos políticos nem por infracções conexas com estes delitos, nem por nenhum facto que não esteja qualificado como delito pela lei venezuelana. A extradição de um estrangeiro por delitos comuns não poderá ser acordada senão pela autoridade competente, em conformidade com os tramites e requisitos estabelecidos para o efeito pelos Tratados Internacionais subscritos pela Venezuela e que estejam em vigor e, na falta destes, pelas leis venezuelanas. Não se acordará a extradição de um estrangeiro acusado de um delito que tenha assinalada a pena de morte ou uma pena perpétua na legislação do país requerente. Em todo caso, feita a solicitação de extradição, cabe ao Executivo Nacional, segundo o mérito dos comprovantes que se acompanhem, resolver sobre a detenção preventiva do estrangeiro, antes de passar o assunto ao Tribunal Supremo de Justiça".

A Interpol não pode ter ingerência nestes casos, uma vez que, segundo o artigo 3 dos seus Estatutos, "Está rigorosamente proibida à Organização toda actividade ou intervenção em questões ou assuntos de carácter político, militar, religioso ou racial".

Exercer actividades de divulgação e informação não é delito, uma vez que segundo o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos "Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito inclui o de não ser molestado por causa das suas opiniões, o de investigar e receber informações e opiniões, e o de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão.

Tão pouco a divulgação de opinião e informação é qualificada como delito na Venezuela, uma vez que o artigo 57 da nossa Constituição estabelece: "Toda pessoa tem direito a exprimir livremente seus pensamentos, suas ideias ou opiniões de viva voz, por escrito ou mediante qualquer outra forma de expressão e de fazer uso para isso de qualquer meio de comunicação e difusão, sem que se possa estabelecer censura. Quem fizer uso deste direito assume plena responsabilidade por tudo o que for expressado. Não se permite o anonimato, nem a propaganda de guerra, nem as mensagens discriminatórias, nem os que promovam a intolerância religiosa. Proíbe-se a censura aos funcionários públicos ou funcionárias públicas para dar conta dos assuntos sob suas responsabilidades".

Para aqueles que forem molestados por exercerem tais actividades, o artigo 14 da Declaração Universal de Direitos Humanos estabelece que: "1. Em caso de perseguição, toda pessoa tem direito a buscar asilo e a dele desfrutar, em qualquer país. 2. Este direito não poderá ser invocado contra uma acção judicial realmente originada por delitos comuns ou por actos opostos aos propósitos e princípios das Nações Unidas". O direito de asilo pode ser invocado perante qualquer país pertencente à ONU. Divulgar informação e opinião não é delito comum, nem acto oposto a propósitos e princípios do referido organismo.

No mesmo sentido, o artigo 69 da nossa Constituição estabelece que "A República Bolivariana da Venezuela reconhece e garante o direito de asilo e refúgio. Proíbe-se a extradição de venezuelanos e venezuelanas".

O artigo 271 da referida Lei Fundamental acrescenta que "Em nenhum caso poderá ser negada a extradição dos estrangeiros ou estrangeiras responsáveis dos delitos de deslegitimação de capitais, drogas, delinquência organizada internacional, feitos contra o património público de outros Estados e contra os direitos humanos". Donde se conclui que pode, sim, ser negada a extradição dos estrangeiros não responsáveis pelos referidos delitos, e deve ser recusada a de quem não seja culpável de nenhum.

A respeito a Constituição exige: "O procedimento referente aos delitos mencionados será público, oral e breve, respeitando-se o devido processo, estando facultada a autoridade judicial competente a ditar as medidas cautelares preventivas necessárias contra bens de propriedade do imputado ou de suas interpostas pessoas, para os fins de garantir sua eventual responsabilidade civil". Donde se infere que não pode haver extradição sem devido processo público e com garantias de defesa. O artigo 44 da Lei Fundamental requer que "Quanto à detenção de estrangeiros ou estrangeiras observar-se-á, além disso, a notificação consular prevista nos tratados internacionais sobre a matéria", para que o cônsul possa activar os mecanismos de defesa do seu compatriota que considere pertinentes.

O Código Orgânico Processual Penal no seu artigo 398 dispõe que "Se um governo estrangeiro solicita a extradição de alguma pessoas que se ache em território da Venezuela, o Pode Executivo remeterá a solicitação à Corte Suprema de Justiça com a documentação recebida". Se o governo solicitante não apresentou a documentação, poder-se-á deter cautelarmente o indiciado só até sessenta dias contínuos, após os quais será libertado se as referidas provas não foram apresentadas. No caso de serem apresentadas, o artigo 402 ejusdem dispõe que "A Corte Suprema de Justiça convocará a uma audiência oral dentro dos trinta dias seguintes à notificação do solicitado. A esta audiência comparecerão o imputado, seu defensor e o representante do governo requerente os quais exporão suas alegações. Concluída a audiência, a Corte Suprema de Justiça decidirá num prazo de quinze dias".

Preferivelmente, a documentação apresentada não deve consistir em textos extraídos de supostos computadores mágicos a prova de bombas, confessamente obtidos mediante uma agressão ilegal, nos quais segundo o mesmo relatório da Interpol foram contaminados os conteúdos após a confiscação, e em cujos arquivos, segundo Álvaro Uribe Vélez, também constariam supostas provas de que o presidente eleito da Venezuela seria narcotraficante e terrorista. A Interpol não é árbitro do mundo para estar a distribuir caprichosamente cartões vermelhos que violam Declarações Universais de Direitos Humanos, Constituições e tratados.

Segundo a Convenção sobre Refugiados de 1951 e o Protocolo de 1067, os Estados comprometem-se a conceder asilo humanitário e não podem nem devem devolver pela força um refugiado ao seu país de origem se isso representar um perigo para ele.

Não sou eu que o digo: dizem-no as leis e os tratados que na Venezuela exprimem a vontade soberana e irrenunciável do povo. Que em outros países não exista Estado de Direito não é razão para que este deixe de existir na Venezuela. Uma só violação de uma norma não condena um sistema, mas deve ser corrigida antes que a violação se converta em norma.

Sequestrar um comunicador social inocente de todo delito comum e entregá-lo pela força a um país do qual não é nacional; a um país onde foram assassinadas sua esposa e cinco mil co-partidários; onde em três anos contam-se mais de 38 mil desaparecidos e mais de três milhões de deslocados à força por operações militares certamente representa um perigo para ele, e para nós que confiamos em que constituições, leis e direitos humanos eram mais que últimas palavras.

08/Maio/2011

Ver também:
  • Declaração Pública acerca da detenção de Joaquín Pérez Becerra , 25/Abr/2011
  • Chávez entrega militante ao estado terrorista colombiano – perde a confiança da esquerda e não ganhará a da direita , 27/Abr/2011

    Livros do autor na Internet:
  • Rajatabla: www.monteavila.gob.ve
  • Dictadura mediática en Venezuela: www.minci.gob.ve

    [*] Nasceu em Caracas, 1940. Narrador, ensaísta, dramaturgo, desenhista, explorador submarino, autor de mais de 60 títulos. Na narrativa destacam-se Rajatabla (Premio Casa de las Américas 1970) Abrapalabra, (Premio Casa de las Américas 1969) Los fugitivos, Vela de armas, La orgía imaginaria, Pirata, Andanada y Arca. Em teatro, La misa del Esclavo (Premio Latinoamericano de Dramaturgia Andrés Bello 1980) El Tirano Aguirre (Premio Municipal de Teatro1975) Venezuela Tuya (Premio de Teatro Juana Sujo en 1971) e La Opera Salsa, com música de Cheo Reyes. Con Me río del mundo obteve o Premio de Literatura Humorística Pedro León Zapata. Como ensaísta publica La máscara del poder em 1989 e El Imperio contracultural: del Rock a la postmodernidad, em 1990, Elogio del panfleto y de los géneros malditos em 2000; Investigación de unos medios por encima de toda sospecha (Premio Ezequiel Martínez Estrada 2005), Demonios del Mar: Corsarios y piratas en Venezuela 1528-1727, ganhador do Premio Municipal mención Ensayo 1999. Em 2002 recebe o Premio Nacional de Literatura, e em 2010 o Premio Alba Cultural na menção Letras.

    O original encontra-se em http://luisbrittogarcia.blogspot.com/ e em http://luisbritto.wordpress.com


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 12/Mai/11