Questões chave para entender a situação venezuelana (II)
A primeira parte encontra-se
aqui
por Maria Páez Victor
[*]
entrevistada por Mohsen Abdelmoumen
Mohsen Abdelmoumen: Temos informações acerca da presença
de elementos terroristas do Daech para serem usados contra o que resta dos
governos progressistas da América Latina, como por exemplo a Venezuela.
Tem informações sobre isso?
Não tenho qualquer informação pessoal, apenas o que me
têm dito pessoas ao longo da fronteira com a Colômbia: o perigo de
contínuas incursões de paramilitares, o assassinato de
líderes comunitários por estes assassinos pagos e o flagrante
contrabando organizado que nessa região tem ocorrido.
A Colômbia tem uma terrível história de violência,
assassinatos e massacres. Na semana passada, valas comuns com 9 mil corpos
foram encontradas nesse país. A cooperação do
exército colombiano com paramilitares, máfias e narcotraficantes
é mais que conhecida. Com sete bases militares americanas na
Colômbia, é bastante improvável que não haja planos
para desencadear o terror na Venezuela e para derrubar o governo. De acordo com
o presidente colombiano Santos, 3 mil soldados colombianos estão sendo
enviados para a fronteira, prontos para uma intervenção de
"ajuda humanitária" na Venezuela. Trata-se de uma
invasão, haverá uma guerra em grande escala que vai destruir a
região.
Uma notícia importante que a imprensa mundial se recusou a publicar foi
que o relator oficial independente das Nações Unidas, o Professor
Alfred M. Zayas, disse há algumas semanas: que não havia qualquer
"crise humanitária" na Venezuela apesar de relatórios e
generalizações.
"A população não sofre de fome, como em muitos
países da África e Ásia ou mesmo nas favelas de
São Paulo e outras áreas urbanas do Brasil e outros países
da América Latina.(
) A 'crise humanitária' pode ser
facilmente explorada para justificar uma "mudança de regime",
sob o pretexto de que o governo deixa as pessoas morrerem de fome. Alguns
Estados dizem que o governo venezuelano já não é capaz de
garantir os direitos do povo. Em consequência, surgiu uma crise
humanitária, e agora eles querem intervir militarmente para
"salvar" o povo venezuelano de uma experiência socialista
fracassada"
(venezuelanalysis.com/analysis/13614)
Entrevistei S.Exa. o embaixador da Venezuela para a Bélgica e a
União Europeia, a senhora deputada Cláudia Salerno Caldera, e
perguntei-lhe acerca da possibilidade de uma intervenção militar
americana na Venezuela. Ela respondeu-me afirmativamente. Acha que os EUA podem
intervir militarmente contra o governo legítimo do Presidente Maduro?
Com um tal desequilibrado na Casa Branca, toda imprudência é
possível. No entanto, acho que eles usariam tropas colombianas e talvez
do Brasil e da Guiana. Por que arriscariam seus próprios soldados quando
têm carne para canhão à sua disposição em
governos tão gananciosos e envilecidos?
No entanto, a Colômbia tem eleições presidenciais em 27 de
maio, ou sete dias após as eleições venezuelanas (20 de
maio). Isto significa que o governo colombiano não pode invadir a
Venezuela antes dessa data, por medo de por em risco a sua campanha eleitoral,
o que não seria bom para o governo. Da mesma forma, existem
milhões de colombianos favoráveis à Venezuela que tem
tratado bem seus compatriotas, dois milhões vivem lá agora.
Assim, uma incursão colombiana dentro da Venezuela também pode
causar graves problemas internos para o governo, o que certamente impediu a
Colômbia de entrar a Venezuela durante todos estes anos.
O exército colombiano tem três vezes o tamanho do exército
venezuelano. Tem experiência de guerra porque luta contra guerrilhas
desde há 50 anos, tem recursos e armas através das sete bases
militares dos EUA ali existentes. No entanto, é em grande parte um
exército desmoralizado que não tem um quarto da moral e
determinação do exército da Venezuela, o exército
de Bolívar. E qualquer pessoa familiarizada com assuntos militares lhe
dirá que a moral de um exército é essencial para o
êxito. Além disso, a Venezuela tem um povo unido, inspirado e
orgulhoso que defenderá ferozmente a sua terra.
O governo venezuelano não está sozinho. Ele tem o apoio de muitos
países não-alinhados e não menos importantes, China e
Rússia, a maior parte do Caribe, incluindo, claro, Cuba. Tanto a
Rússia como a China advertiram os EUA para não interferir no
governo da Venezuela. Seus investimentos na Venezuela são substanciais e
não estão dispostos a ver a Venezuela invadida. Esses
investimentos são muito bem-vindos pelos países
latino-americanos, porque não vêm com
"condições restritivas" políticas, tais como os
do FMI e do Banco Mundial. Eles são outro problema penoso para os
Estados Unidos.
Como explica as sanções que os Estados Unidos e União
Europeia querem impor ao governo legítimo do Presidente Maduro?
As sanções dos EUA fazem parte de sua guerra económica
contra a Venezuela. São uma violação do direito
internacional: são contra as cartas das Nações Unidas e da
OEA [Organização dos Estados Americanos], contra o Pacto
Internacional sobre direitos civis e políticos e o Pacto Internacional
sobre os direitos económicos, civis e culturais e constituem um crime
contra a humanidade, porque criam
intencionalmente
o sofrimento do povo. Em suma, elas são imorais porque impedem o
país de comprar alimentação e medicamentos.
Os governos europeus e o canadiano vergam-se vergonhosamente perante o
presidente mais ignorante e mais venal da história dos Estados Unidos. A
Venezuela nada significa para aqueles países, assim pensam eles:
"Deixemos Trump com as suas loucuras e deixemos-lhe a Venezuela. Estas
sanções não nos afectam em nada, e talvez consigamos obter
o lado "bom" de Trump". Pateticamente, acham que ele tem um lado
bom. O Canadá dá-se a um trabalho insano apelando a Trump para
que não lance o acordo NAFTA no lixo
[1]
e a União Europeia ainda pensa que o Trump é um aliado
respeitável. Poderíamos esperar que governos favoráveis
aos Estados Unidos, como os da UE, tentassem influenciar o presidente
inexperiente e errático dos EUA no sentido de uma coexistência
pacífica com os outros países. Eles deveriam ensinar-lhe
dignidade e correcção para com as Nações do Caribe
ao invés de cumprimentar o bruto com palmadas nas costas.
Na sua opinião o imperialismo dos EUA e seus lacaios irão algum
dia cessar de desestabilizar países e impor seus ditames aos povos?
A curto prazo, com esta administração Trump, não. No
entanto, a longo prazo, quando o seu défice de vários milhares de
milhões de dólares finalmente bater na parede eles verão
que o dólar não é mais a moeda universal do
comércio, então poderiam abrandar a sua agressividade, porque
seus problemas domésticos serão prioritários, ao
invés para tentar dominar outras terras. O que eu quero para o povo dos
Estados Unidos é um líder, um partido e um governo que cuide de
suas necessidades em educação, saúde e
habitação, que perceba que ser polícia do mundo não
vale o sofrimento do seu povo e que com a cooperação e
solidariedade com os povos do mundo irão colher muitas riquezas de que
ignoram a existência. Para isso, eles devem chegar à
conclusão de que o seu complexo militar-industrial só lhes tem
trazido o mal, a depressão, a pobreza, a morte e o desprezo da maior
parte do mundo.
Fiquei muito impressionada por Bernie Sanders ter sido capaz de atrair os
jovens de uma maneira política significativa e com o fato de ter tornado
a palavra socialismo aceitável da na cena política americana
é uma façanha!
[2]
Então talvez ainda haja esperança para os Estados Unidos ?
e para o mundo.
Que resta de credibilidade para esses meios de comunicação ao
serviço do imperialismo que são financiados por empresas
multinacionais e que gastam o seu tempo não a contar a verdade, mas a
difundir lavagem cerebral e veicular propaganda do imperialismo para remover
poderes políticos legítimos como o do Presidente Maduro?
Não é um problema complicado, bastaria que governos
suficientemente corajosos desmantelassem os grandes grupos de media, proibissem
estes monopólios. Se isto acontecer, teremos em muitos meios de
comunicação pensadores independentes, jornalismo criativo e,
finalmente, uma imprensa que tenha verdadeiras normas. Por outras palavras,
precisamos de democratizar a imprensa, dissociando-a das grandes empresas, dos
Murdoch e outros deste mundo. Quando muito poucas pessoas são
proprietárias de jornais, televisões e rádios, quando
são as grandes empresas quem decide o que podemos ouvir e aprender,
tornamo-nos escravos das suas falsas informações e inverdades
para benefício de seus Interesses económicos e políticos.
Somos confrontados com vagas noções do "direito de
informação" e "liberdade de imprensa' que funcionam num
só sentido.
A Venezuela foi claramente vítima de uma campanha dos media de mentiras
e exageros denegrindo um governo que o Departamento de Estado dos EUA quer
destruir. Assim, histórias como "os venezuelanos comendo animais do
jardim zoológico", "pessoas matando cavalos",
"mães abandonando filhos à beira da estrada",
"pessoas a morrerem de desnutrição", "povos
indígenas aprendem árabe" (como se fosse um
crime),"Maduro quer ser Presidente perpétuo", são tudo
mentiras elaboradas e apresentadas como factos.
Quando Presidente Chávez confrontou a oposição aberta e
militante do principal canal de televisão e rádio de seu
país, que é propriedade privada, ele não a fechou (como um
ditador teria feito). Ele forneceu os meios para que centenas de bairros pobres
e conselhos comunais estabelecessem as suas próprias
estações de rádio locais e até mesmo
estações de televisão, onde as pessoas poderiam expressar
suas próprias preocupações, criar os seus próprios
programas que realmente lhes interessassem. Foi uma maneira de democratizar os
media. Eles não são meios de comunicação
controlados pelo governo, são media comunitários muito
independentes, com efeito, eles não hesitam em criticar e apontar as
deficiências da administração.
O imperialismo dos EUA e seus aliados continuam a encher-nos com "direitos
humanos", "democracia" e "liberdade de
expressão", enquanto fazem o inverso desestabilizando países
e intervindo em toda parte do mundo. Como classificaria estes atos hostis que
visam Estados soberanos? Na sua opinião, são os Estados Unidos
uma verdadeira democracia, onde as pessoas têm o poder, ou talvez seja
pelo contrário uma minoria que os dirige?
No Canadá, recebemos, sem ser solicitado, o
New York Times,
junto com a edição de domingo de um dos nossos principais
jornais. Desde então, estou chocada com as mentiras do
NYT
sobre a Venezuela, a única parte que leio é o seu suplemento do
Sunday Book Review.
Há uma semana, eles passaram em revista quatro livros, todos eles com
uma variante do título: "o que há de errado com a democracia
nos EUA". Assim, não são apenas alguns de nós fora
dos Estados Unidos, que assistem à deterioração constante
da sua vida social e política, mas pessoas inteligentes e habituadas a
reflectir dos próprios EUA que verificam e sentem esta
deterioração.
O ídolo da guerra impregna a sociedade estado-unidense, com guerras de
conquista, bombas, drones, prisões secretas, aceitação da
tortura, tratamento revoltante para com negros e hispânicos,
posição predatória face à natureza, cultura de
armas de fogo, recorde vergonhoso de prisões, fraca
participação eleitoral, massacres com armas de fogo,
indústria de armamento, violência e indústria do
entretenimento obcecada pelo sexo, tudo isto corrói pouco a pouco o que
há de são, de positivo, os ideais de vida que podem existir no
imaginário colectivo e nos desejos dos cidadãos americanos. Sua
democracia e a própria estrutura da sua vida social como
nação, é um objecto de preocupação, mesmo
para os seus cidadãos. Os Estados Unidos chegaram a uma encruzilhada
onde devem escolher entre um estilo de vida que adora a morte e a conquista ou
o de pessoas que amam a Vida e a Paz.
A situação é grave. Eu sou argelino e meu país que
é um aliado da Venezuela é visado por vários
círculos ocultos relacionados com o imperialismo. Acha que países
como a Argélia, Venezuela, Cuba, etc devem formar uma frente comum, mais
do que nunca necessária para a preservação de sua
soberania? Não haverá necessidade de uma frente global contra o
imperialismo?
Absolutamente e não se pense que isso não acontece. A Venezuela
tem cultivado fortes laços com Cuba, Bolívia, Nicarágua,
países das Caraíbas, muitos países africanos e
ex-soviéticos, a Argélia e outros países árabes, a
Índia, a China e a Rússia. Veja os votos na ONU e na OEA onde os
Estados Unidos não conseguiram condenar a Venezuela porque não
obtêm suficientes votos.
Há poucos dias o novo embaixador dos Estados Unidos junto à OEA,
Carlos Trujillo, ameaçou com a maior arrogância os países
das Caraíbas pelo seu apoio à Venezuela: "
não permitiremos
que o Caribe bloqueie os esforços da maioria dos países da
região para pressionar o governo da Venezuela."
(apporea.com, 18/05/2018).
Há força na unidade e estes países partilham desafios
semelhantes e enfrentam praticamente os mesmos inimigos. A
organização ALBA é um excelente exemplo de solidariedade
internacional criativa, em que países se reúnem para produzir os
medicamentos que necessitam, promover a agricultura para consumo interno e
responder às suas necessidades em educação.
A Petrocaribe é outro exemplo de solidariedade internacional criativa em
que o petróleo venezuelano está disponível para os
pequenos países das Caraíbas sob condições
especiais. Desejaria que existissem mais organizações como ALBA e
Petrocaribe.
Israel continua a matar palestinos, especialmente durante as recentes
manifestações exigindo o direito de retorno. Como é que
Israel permanece sem punição pelos muitos crimes que continua a
cometer?
Não tenho qualquer ideia concreta sobre o Médio Oriente,
não sei árabe, pessoalmente, não conheço a
área, não tenho mais informação do que a que leio
nos meios de comunicação. E sou muito cautelosa com o que
há para ler: se a imprensa mente sobre a América Latina de que
sei muitas coisas, por que não mentiria sobre uma região que sei
tão pouco?
No entanto, minha opinião pessoal e de maneira alguma a de um
especialista, ou se mata um seu inimigo ou se senta com ele e se negoceia.
Não há meio-termo. Violência gera violência e
é um truísmo sábio. Os palestinos têm sofrido desde
há muito tempo por parte de um vizinho muito poderoso. Desculpe-me, mas
não sei o suficiente sobre a situação para dar um sentido
mais profundo, excepto que uma solução de dois Estados parece ser
o que pode trazer a paz com justiça. E em Israel, o movimento pela paz
deve ser um elemento-chave desta solução política para
exercer pressão sobre o seu próprio governo.
Como explica que sempre que membros da resistência e justos apoiem a
causa do povo palestiniano sejam chamados de anti-semitas?
É uma injuria muito perigosa de lançar, pois todos sabemos das
mortes terríveis e destruição que verdadeiros anti-semitas
cometeram historicamente na Europa. Do outro lado, há pessoas que acusam
os outros de serem sionistas, quando eles discordam sobre um ponto de que
não gostam. Estes são insultos
ad hominem
que os medíocres usam quando não têm mais argumentos. Numa
situação polarizada, estes insultos não ajudam
ninguém e não contribuem para encontrar soluções,
são completamente desprezíveis. Vivemos numa época onde
impensavelmente fascistas se levantam em todos os tipos de
países, charlatões políticos zombam de valores que
achávamos serem universalmente assumidos, um tempo para tweets
irresponsáveis, dos email desprezíveis, projeções
de lama sem se preocuparem onde caiem e um jornalismo medíocre e sem
discernimento. Mas temos de levantar-nos acima de tudo isto, manter os nossos
princípios e os nossos valores, recusar jogar seus jogos sujos, dar o
exemplo e preservar a nossa própria dignidade.
NR
[1] Até seria uma boa ideia acabar com o NAFTA, que foi e é
desastroso para povo mexicano.
[2] Mas Bernie Sanders nunca foi um socialista e sim um social-democrata. Ele
já fez publicamente declarações agressivas contra a
Venezuela, o Presidente Chavez e o movimento bolivariano.
A primeira parte desta entrevista-se encontra-se em
resistir.info/desestabilizacao_parte_1.html
[*]
Socióloga, venezuelana, doutorada em sociologia pela Universidade de
York, Toronto, Canadá. Lecionou sociologia da saúde e da medicina
bem como políticas de saúde e ambiente na Universidade de
Toronto. É membro ativo da comunidade latino-americana no Canadá.
O original encontra-se em
mohsenabdelmoumen.wordpress.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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