TRIBUNAL INTERNACIONAL  DOS POVOS SOBRE A DÍVIDA EXTERNA

SENTENÇA FINAL

Tendo ouvido a acusação do Procurador Geral, as provas apresentadas pelas testemunhas e o veredicto do Júri, e considerando o silêncio dos acusados, que foram citados para se defenderem, nós, os juizes que constituem este Tribunal Internacional dos Povos sobre a Dívida, declaramos que os seguintes acusados foram declarados culpados dos crimes que a seguir se descrevem em pormenor:

1. Governos do Norte que, durante anos,
a) utilizaram meios não-económicos, militares e políticos para se apropriarem e transferirem para o Norte, a riqueza económica e ecológica dos países do Sul, criando no processo estruturas económicas, sociais e políticas que levam à dependência do Sul sobre a entrada de capitais em geral e fluxos da dívida externa em particular, o que se transformou em novas e menos transparentes formas de maior apropriação e transferência de riquezas;
b) utilizaram o seu poder económico e militar para apoiar processos que criam e perpetuam agências como as gigantescas instituições financeiras e corporações industriais e comerciais que, em nome da procura do lucro, têm servido como agências para a transferência do Sul para as mãos dos interesses dominantes do Norte assegurando a dependência sobre a dívida;
c) criaram instituições multilaterais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e mais recentemente a Organização Mundial do Comércio, que coordenam e velam pelo processo de transferência do capital, e asseguram que a dependência sobre a dívida seja utilizada como instrumento para impor políticas neoliberais que perpetuam essa dependência, e obrigam os governos dos países em vias de desenvolvimento a fornecer virtuais garantias soberanas para o pagamento da dívida externa acumulada, tanto a pública como a privada;
d) empregaram a coerção para obrigar os governos do Sul a adoptar políticas que facilitem o processo ilegítimo de transferência de riqueza.

2. A banca internacional, as instituições financeiras, as corporações industriais e casas de comércio que são beneficiários imediatos da transferência de riqueza que mantém a dívida e servem de mecanismo para assegurar essa transferência a seu favor e no dos seus colaboradores.

3. As instituições multilaterais que serviram de agências para promover e manter a dependência sobre a dívida, coordenando a dívida e outros fluxos de capital e criando condições no Sul que facilitem a todo o custo a transferência de riqueza do Sul para o Norte.

4. Interesses corruptos social e economicamente dominantes que juntamente com os governos que controlam e que, em benefício próprio, colaboraram em diferentes medidas com os acusados anteriormente, utilizando o poder do Estado no Sul para legitimar, facilitar e assegurar os mecanismos acima mencionados de transferência de riqueza por meio da dívida.

O Veredicto do Júri estabelece que:
1. Toda a dívida acumulada do Sul para com o Norte é ilegítima e de facto já foi paga muitas vezes;
2. a dependência sobre a dívida criada pelos acusados através dos mecanismos descritos leva a condições políticas e económicas que resultam numa deterioração social que conduz a um virtual processo de genocídio económico e social;
3. além de ser criticável sob o ponto de vista das bases morais e humanitárias, é uma violação do direito internacional actual estabelecido, entre outros, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Convénio Nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e o direito universalmente reconhecido dos povos à autodeterminação.

Tendo em conta o anterior, o Tribunal Internacional dos Povos sobre a Dívida faz a seguinte declaração:

1. Toda a dívida externa, sendo ilegítima e inexistente, tem de ser repudiada e anulada imediatamente.
2. Em troca da riqueza ilegitimamente transferida do Sul para o Norte, os países do Sul devem ser compensados razoavelmente, e para determinar a envergadura e a maneira do pagamento deve constituir-se uma Comissão Global sobre a Dívida.
3. Tendo em conta que o poder desmedido está relacionado com o indevido tamanho e alcance, os bancos, as instituições financeiras, as corporações industriais, os interesses fundiários e outros agentes económicos que controlam bens que lhes dão esse poder, devem ser dissolvidos e o seu poder reduzido, a fim de quebrar a recorrência do processo de crescimento da dívida ilegítima.
4. As instituições internacionais que servem como agentes para coordenar, velar por e garantir os fluxos da dívida, tais como o FMI e o Banco Mundial, têm de ser desautorizadas transferindo qualquer papel residual para instituições internacionais administradas mais democraticamente.
5. Para além das mobilizações sociais para pressionar os governos no Norte e no Sul para a implementação destas recomendações, o Tribunal convoca os povos a utilizarem meios legais suplementares tais como as petições ao Tribunal Internacional de Justiça em Haia levando as instâncias individuais de violações de direitos sociais e humanos individuais a ser julgadas e  obrigarem os governos a cumprir estas recomendações.

18 de Abril de 2002, Washington, D.C., EUA
Juizes do Tribunal:
C. P. Chandrasekhar (Índia)
Nora Cortiñas (Argentina)
Nawal O Saadawi (Egipto)
Juiz Dumisa Ntsebeza (África do Sul)
Deputada Loretta Rosais (Filipinas)
Bispo Demetrio Valentini (Brasil)

Secretariado a/c Jubileo Sul/Américas,
Piedras 730 (1070) Buenos Aires Argentina
T/F 5411-4307-1867 

tribunaldivida@wamani.apc.org

jubileosur@wamani.apc.org

Tradução de José Colaço Barreiros, tradutor juramentado.

02/Maio/02