Tempestade nos EUA
Acções em iô-iô nos mercados
causam perdas de US$ 7 triliões

por Deirdre Griswold [*]

O dinheiro virtual que se esfuma A ligação do sistema bancário à deliquescência de Wall Street foi finalmente trazida à luz do dia com a revelação de que o Citigroup e o J. P. Morgan Chase fizeram negócios secretos com a Enron a fim de ajudá-la a cozinhar a sua contabilidade.

Estes negócios, nos quais bancos gigantes ajudaram a encobrir perdas da Enron, não foram feitos por compaixão nem por espírito de companheirismo entre directores executivos. Eles constituem a evidência de que os maiores bancos resvalaram para uma conduta criminosa a fim de manter tanto os investidores como o público afastados do conhecimento de quão instável estava a tornar-se a estrutura do capitalismo monopolista.

Será que o desastre agora a desdobrar-se em Wall Street finalizará numa cena assustadoramente familiar, o das torres gémeas do capitalismo dos EUA — os mercados de acções e os bancos — a esfarelarem-se rapidamente diante dos olhos de um público horrorizado?

US$ 7 TRILIÕES TORNAM-SE FUMAÇA

Em apenas 10 dias úteis em meados de Julho, principiando no dia em que o Presidente George W. Bush foi a Wall Street a fim de "acalmar os temores dos investidores", o Dow Jones Industrial Médio perdeu aproximadamente 1500 pontos, ou 16%. A carnificina em Nova York agora está a arrastar para baixo também os mercados globais.

Mais de dois anos de declínio nos mercados de acções dos EUA já evaporaram um valor de US$ 7 triliões (US$ 7 x 10 12 ) de riqueza em papel. Isto equivale ao valor de um ano de bens e serviços produzidos pelos trabalhadores deste país.

Como pode este volume de riqueza inimaginável simplesmente desaparecer?

Neste caótico sistema económico, os mercados de acções antecipam a produção futura.

É verdade que eles podem mover-se para cima devido à pura especulação, produzindo aquilo que se chama uma bolha (bubble) . O crédito fácil da última década ajudou a inflacionar os preços das acções. Finalmente, os preços ascenderam bem acima dos rendimentos das empresas, e a bolha pode estourar. Isto acontece periodicamente.

Mas este não é o factor decisivo na actual liquidação, a qual evaporou demasiada riqueza, inclusive os fundos de pensões de dezenas de milhões de trabalhadores. Trata-se de uma crise de superprodução.

De um modo geral, é a expansão da produção que eleva o preço das acções. Tivesse a economia capitalista continuado a crescer, a riqueza futura representada pelos altos preços das acções teria sido realizada.

Contudo, os preços caíram como uma pedra, especialmente ao longo dos últimos três meses. Cerca de US$ 7 triliões em valor antecipado desapareceram -- não só porque os grandes investidores ajustam-se à tendência e agora esperam que a produção decline, mas também porque eles sabem que uma depressão realmente destruirá uma grande fatia daquele valor que já foi produzido.

O TEMIDO DIA D

Depressão! Será esta uma palavra apropriada para descrever o presente crash e os seus efeitos?

O Investor's Business Daily parece pensar que sim. No dia 3 de Julho este jornal financeiro de Nova York publicou um gráfico na sua primeira página mostrando uma estranha semelhança entre os movimento do mercado hight-tech do Nasdaq no período 1992-2002 e a Média Industrial do Dow Jones para 1921-31, os anos do boom e do colapso que conduziram à Grande Depressão.

O CBS MarketWatch de 23 de Julho também se referiu à depressão. A publicação relata que "Analistas de investigação e gestão de dinheiro da firma Bridgewater Associates salientam que esta é a primeira vez desde 1930 que o mercado de acções caiu apesar de agressivas facilitações do FED [o rebaixamento das taxas de juros pelo Federal Reserve Bank -- DG].

" 'Neste sentido, estamos em águas não cartografadas. Clinicamente falando, uma recessão é uma contracção económica causada pelo endurecimento e finalizada pela facilitação. Uma depressão é uma contracção económica auto-reforçadora, perpetuada pela liquidação de dívidas em que o alívio do banco central é impotente para reverter a contracção. A recente acção do mercado é sintomática da depressão', salientou a Bridgewater.

Na realidade, estas águas turbulentas não estão totalmente fora dos mapas. Este país esteve numa depressão antes disso.

DESTRUIÇÃO MACIÇA DE RIQUEZA

Numa depressão, fábricas e escritórios ficam ociosos, por vezes abandonados. O equipamento neles existentes torna-se obsoleto ou enferrujado. Mesmo bens novos em folha, como os computadores de hoje e o seu software, assentam nas prateleiras só para serem finalmente jogados fora, ultrapassados muito antes de poderem ter sido vendidos.

Na Grande Depressão da década de 1930, esta destruição de bens e equipamentos, e das instalações utilizadas para produzi-los, levou a cenas ultrajantes de laranjas a serem despejadas no mar e de trigo enterrado, apesar de pessoas famélicas fazerem fila à espera de uma tigela de sopa rala e de uma crosta de pão. A agricultura tornara-se muito produtiva, mas esta dádiva da natureza não podia ser vendida -- não com lucro, de qualquer forma. Os patrões preferiram destruir os alimentos do que dá-los ao povo com fome.

O mercado capitalista não podia atender à maior parte das necessidades básicas das pessoas. Quase 30% dos trabalhadores estavam desempregados — seres humanos atirados para fora tal como as máquinas que já não eram necessárias. Sem empregos, milhões não podiam ganhar para a comida, o vestuário ou o abrigo.

Uma crise capitalista generalizada também pode provocar uma destruição ainda maior da riqueza produzida pela classe operária ao longo de gerações: pode conduzir à guerra.

Logo após a Grande Depressão veio a Segunda Guerra Mundial. Além das dezenas de milhões de vida perdidas, houve uma destruição generalizada de meios de produção. A competição intensa por mercados e recursos entre as enormes corporações e bancos dos diferentes países capitalistas levaram à guerra. Esta competição foi resolvida da forma mais desastrosa, através da destruição por atacado de fábricas, fazendas e infra-estruturas.

Os países que combatiam pelos despojos daquela guerra — as nações colonizadas da África e da Ásia — nada tinham a ganhar e tudo a perder. Os seus povos foram relegados à fome e os seus territórios ficaram em ruínas depois de os exércitos dos exploradores competidores por eles passarem.

COLAPSO NÃO PSICOLÓGICO

Toda a gente na elite capitalista, desde os directores executivos aos analistas e políticos, está a tratar o colapso do mercado como um fenómeno psicológico. Bastaria apenas que a "confiança" do investidor fosse recuperada, dizem eles, para o mercado retomar e acertar tudo.

Eles apontam esperançosamente para sinais de que os consumidores ainda estão a comprar casas e outras coisas. O que eles estão a ignorar, entretanto, é que as depressões não começam porque os consumidores súbita e inexplicavelmente perdem "confiança".

Elas começam devido à superprodução, a qual é provocada pela super-acumulação de meios de produção pelas corporações gigantes. Elas ainda estão a tentar concorrer umas com as outras através da utilização das mais recentes tecnologias a fim de produzir mais barato do que as suas competidoras. Este investimento em tecnologia expande os meios de produção a um ritmo precipitado que mais cedo ou mais tarde termina em catástrofe.

O próprio presidente do FED, Alan Greenspan, em depoimento ao Congresso a 16 de Julho, confirmou que havia superprodução na área de bens de capital como cabos de fibra óptica e computadores, o que estava pressionando o mercado para baixo.

Uma vez que os mercados começam a afundar, os despedimentos de trabalhadores e a cautela entre os consumidores pode ter um efeito de bola de neve pois eles param de comprar. Mas, como Karl Marx salientou há muito, as crises começam não no consumo e sim na própria produção.

COMO OS BANCOS ESCONDERAM
AS PERTURBAÇÕES DA ENRON

A última fase desta tumultuosa contracção do mercado começou quando o papel dos bancos nos negócios sujos da Enron tornou-se público.

Examinadores do Subcomité Permanente do Senado sobre Investigações e advogados de accionistas dizem que os bancos estruturaram milhares de milhões de dólares de transacções para a Enron de uma forma que escondesse o crescente endividamento da companhia.

A última revelação envolveu um negócio entre o Citigroup e a Enron que recebeu o nome de código Roosevelt e que permitiu àquela companhia de energia ocultar um empréstimo de US$ 500 milhões que obteve do banco registando-o como uma transacção de mercadorias.

Em 23 de Julho o investigador do Senado Robert Roach contou, numa audiência do painel de investigação do Comité de Assuntos Governamentais do Senado, que "A evidência indica que a Enron não teria sido capaz de envolver-se naquela extensão de burlas contabilísticas como o fez, envolvendo milhares de milhões de dólares, se não fosse com a participação activa das principais instituições financeiras desejosas de avançar com aquilo e até de expandir as actividades da Enron".

Roach acrescentou ainda que há evidência de que alguns dos bancos "conscientemente permitiram a investidores" acreditarem em declarações financeiras da Enron que eles sabiam serem ilusórias.

Segundo despacho de 23 de Julho da Associated Press, "Os bancos utilizaram complexos esquemas financeiros para aumentar o anémico fluxo de caixa da Enron a fim de atingir seu crescimento de lucro no papel, segundo juristas. A companhia comercializadora de energia registou o dinheiro dos empréstimos bancários como transacções pré-pagas de gás natural e outras mercadorias com uma entidade baseada nas Channel Islands, fora da Grã-Bretanha".

Além do Citigroup e do J. P. Morgan Chase, os processo dos acccionistas nomeia o Credit Suisse First Boston USA Inc., Canadian Imperial Bank of Commerce, Bank of America Corp., Merrill Lynch & Co., Lehman Brothers Holding Inc., o Barclays Bank PLC da Grã-Bretanha e o Deutsche Bank AG da Alemanha.

O despacho da AP acrescenta que "a Enron baseada em Houston, a qual candidatou-se à bancarrota em Dezembro, levando consigo os investimentos de milhões de pessoas, utilizava uma teia de milhares de parceiros fora da folha de balanço para esconder cerca de US$ 1000 milhões em dívida para com investidores e reguladores federais".

Todas estas trapaças de vigaristas destinavam-se a esconder uma outra característica que Marx mostrou ser o disparador de uma crise capitalista: uma taxa de lucro cadente.

O QUE PODE SER FEITO?

O que pode fazer a classe operária e todos aqueles cujas vidas são dilaceradas por uma crise económica para impedir que os super-ricos da classe dirigente de despejar tudo isto sobre as suas cabeças?

Na década de 1930, a primeira reacção ao choque impressionante foi a cólera e finalmente a acção de massa. Logo tornou-se claro que todas as promessas feitas pelos grandes capitães da indústria e das finanças, no sentido de que a crise seria de curta duração, eram apenas enganos. Eles estavam a tentar cobrir-se a si próprios enquanto trabalhavam febrilmente para assegurar que as suas próprias fortunas estavam seguros — do mesmo modo que os executivos de Enron e os outros estão agora a fazer.

A classe operárias tornou-se mais organizada, militante e coesa à medida que a depressão aprofundou-se. Surgiram organizações de desempregados, inquilinos, trabalhadores agrícolas e fabris. Enormes multidões impediram despejos colocando as mobílias das pessoas novamente nos seus lares. Trabalhadores entraram em greve e finalmente ocuparam as fábricas para exigir salários mais elevados e reconhecimento sindical.

Também colocaram exigências ao governo para providenciar empregos, bem como comida, abrigo e vestuário para os desempregados. O governo capitalista respondeu com diferentes tácticas, primeiramente utilizando a repressão e a seguir algumas concessões. O objectivo era o mesmo: impedir os trabalhadores de tomarem o que haviam construído e operá-lo para o bem de todos, não os lucros de uns poucos.

O movimento da classe operária nos anos 30, poderoso como foi, com um impacto duradouro em programas como a Social Security, o seguro de bem estar e de desemprego, não afastou a classe dirigente das suas posições de poder económico e político. Não libertou os meios de produção das mãos dos poucos super-ricos privilegiados, cuja riqueza fora acumulada directamente a partir dos suor dos trabalhadores.

A incapacidade da classe operária — não só nos Estados Unidos como também na Europa e em outros centros do mundo imperialista — para derrubar o poder capitalista permitiu que a classe exploradora resolvesse a depressão por meio da mais horrenda guerra que o mundo já vira.

O actual aprofundamento da crise certamente sacudirá os trabalhadores nos EUA e em todo o mundo, primeiro numa luta defensiva contra as misérias que lhes são infligidas pelo sistema capitalista. Contudo, isto traz dentro de si o potencial para fazer um rombo neste sistema apodrecido de modo a que os trabalhadores e toda a humanidade sejam capazes de ampliá-lo e ultrapassá-lo.

O capitalismo deve ser substituído pelo seu oposto: uma sociedade baseada na propriedade social dos meios de produção, administrada democraticamente pelas próprias massas de trabalhadores e não por uma pequeníssima elite que tem mostrado que fará seja o que for, não importa quanto odioso seja, na busca do lucro.


[*] Editor chefe do jornal Workers World.

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Artigos anteriores de Griswold sobre a economia dos EUA encontram-se em http://www.workers.org/ww/2002/economy0725.php e http://www.workers.org/ww/2002/profit0718.php

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

04/Ago/02