Lições da NEP soviética para "Economia socialista de mercado" da China Popular
por Thomas Kenny
[*]
Escritores marxistas ocidentais de vários pontos de vista asseveram que
a Nova Política Económica (NEP) prenunciou a economia socialista
de mercado (ESM). Um escritor observou: "A ordem social que actualmente
se considera válida na China apresenta-se como uma espécie de NEP
gigantesca e expandida" (Losurdo 2000, 498). De forma semelhante, um
panfleto recente dos comunistas britânicos comparou a China dos dias
actuais, com sua economia socialista de mercado, ao NEP da Rússia
Soviética na década de 1920. "Em defesa do NEP, Lenine
elaborou muitos dos mesmos pontos que Deng Xiaoping e representantes do Partido
Comunista Chinês elaboram hoje... Naturalmente, a China no último
quarto do século XX não era a Rússia no primeiro quarto.
Mas as suas crises apresentam sintomas semelhantes. E os seus remédios
assemelham-se fortemente um com o outro" (
China's Line of March
2006, 32).
[1]
Conclusão
1- Da mesma forma, um académico estado-unidense, AIbert L. Sargis, escreve na revista teórica e de discussão do CPUSA, que a NEP foi "uma economia socialista de mercado em forma embrionica" (Sargis 2004) 2- A comparação de experiências revolucionárias tão remotas no espaço e no tempo como a NEP da Rússia e a ESM da China é certamente apropriada. Exemplo: a Comuna de Paris de 1871 e a Revolução de Outubro de 1917 tiveram lugar em circunstâncias totalmente diferentes. Mas a partir da Comuna Marx fez importantes generalizações teóricas acerca da natureza do poder do estado e das exigências da transformação revolucionária, aplicáveis em outros lugares. Em 1917 Lenine testou-as na prática. Uma abordagem científica da história exige uma pesquisa de tais padrões. "Uma característica fundamental da historiografia anti-marxista é a absolutização do particular, do que é nacionalmente específico... Pois os anti-marxistas temem generalizações... eles evitam cuidadosamente conceitos que sugeririam regularidades no desenvolvimento da sociedade". E. Zhukov, Methodology of History (Moscow: USSR Academy of Sciences, 1983), 56. É o caso do "excepcionalismo americano", um erro ideológico recorrente no movimento da esquerda dos EUA. O "excepcionalismo chinês" é um desvio nacionalista na esfera da teoria. 3- Xue parece pensar que o apoio anterior a 1949 dos camponeses chineses à revolução tornando desnecessária qualquer NEP pós-revolucinária para restaurar as peias do campesinato torna a China diferente da Rússia (Xue Muqiao 1981, 3). Xue asseverou: "Ele [Lenine] avançou a NEP, uma tentativa para controlar a pequena economia camponesa através do mercado pelo desenvolvimento do estado e do comércio cooperativo... A situação na China era diferente". Xue prossegue para declarar que a Revolução Chinesa já havia desenvolvido "cooperativas de abastecimento e comercialização" em zonas libertadas antes de 1949, separando politicamente os camponeses do latifundismo e ganhando-os para a revolução. A não necessidade na China do objectivo político da NEP recapturar o apoio político do campesinato é um fraco argumento para a não semelhança entre a NEP e a ESM. Mas Xue está indirectamente e talvez não intencionalmente admitindo que a NEP foi adoptada em condições de necessidade genuína, e que a ESM não era necessária no mesmo sentido estrito. A visão de Xue é uma posição desconcertante para um académico chinês assumir. É bem sabido que Deng Xiaoping estava profundamente interessado em aprender tudo o que podia acerca da NEP junto ao industrial dos EUA Armand Hammer que a conheceu em primeira mão ( http://www.reference.com/browse/wiki/Deng_ Xiaoping ). Possivelmente muitas décadas de anti-sovietismo no discurso político chinês desencoraja comparações soviético-chinesas. A doutrina da "etapa primária de socialismo", ligada a uma teoria de 1989-91, apresenta poucos incentivos para tais comparações, pois os estados socialistas do Leste Europeu e a União Soviética entenderam tudo errado e a história pronunciou o seu veredicto sobre eles. Um eminente pensador chinês escreveu que os estados que caíram já não eram socialistas de todo (ver Zhongqiao Duan 1998, 224). Quando isto aconteceu, houve tantas guinadas na política económica da China Popular que um período anterior assemelha-se ainda mais estreitamente ao NEP do que a ESM, isto é, o período 1949-56 (Slakovsky 1972, 153). 4- Obviamente, existem diferenças entre a NEP e a ESM. Primeiro, elas decorrem em diferentes circunstâncias históricas. A Rússia pré-1914 era um país capitalista de desenvolvimento médio, arruinado pela Primeira Guerra Mundial, invasão do pós-guerra e guerra civil. No princípio da NEP, o governo de Lenine estava em perigo de perder apoio camponês. Em 1949 a China era um país semi-feudal e semi-colonial; em 1978 a China havia perdido anos preciosos de desenvolvimento devido a políticas mal consideradas, ultra-esquerdistas, aventureiras. Segundo a ESM perdurou muito mais tempo. Certamente, a sensibilidade da China Popular ao perigo da perda de soberania nacional é um factor na paciência com que tanto as autoridades como o povo têm-se aguentado sob as agudas contradições da ESM (ver Weil 1996, 83). Além disso, a paciência chinesa é compreensível; levantar da pobreza quatro centenas de milhões de chineses é um feito estupendo. Terceiro, as expectativa tem sido qualitativamente diferentes. Na Rússia, a NEP foi encarada como um recuo temporário para o "capitalismo de estado". A China Popular abraçou todas as novas doutrinas do desenvolvimento alongando a transição para o socialismo. Quarto, a Rússia Soviética cercada tinha o mundo externo hostil a pouco distância, interagindo com ele meramente através de acordos de paz e acordos comerciais. O estado soviético permaneceu em grande medida economicamente autónomo. Em contraste, a China buscou a integração impetuosa na economia capitalista mundial. Quinto, na Rússia da NEP o Partido mantinha vigilância estrita sobre a economia. As autoridades em Pequim, talvez porque o fenómeno de uma grande crise amadureceu depois, até recentemente transferia muita supervisão da economia a organismos regionais e locais. Sexto, durante grande parte da era da ESM, de 1978 até 1991, a URSS, não a China Popular, era o alvo principal da hostilidade, pressão e subversão imperialista. 5- No ocidente capitalista, a NEP é um "terreno contestado" numa recorrente batalha ideológica entre Comunismo e reformismo. Até 1985, a NEP foi a era da história soviética na qual foi dada mais liberdade ao capitalismo. Assim, naturalmente, os reformistas sociais, reformistas liberais e comunistas revisionistas idealizam a NEP, mitologizando-a saudaosamente como O caminho não adoptado. Na batalha para mudar a direcção em 1921, certas frases utilizadas por Lenine por exemplo, de que a NEP seria prosseguida "seriamente" e "por um longo tempo", deram aos oportunistas subsequentes uma base textual para argumentar que ele encarava a NEP como a nova rota permanente para o socialismo soviético. Já na década de 1930, o social-democrata austríaco Otto Bauer exprimiu a esperança de que a experiência da NEP suavizaria finalmente o bolchevismo e levá-lo-ia de volta à corrente principal do social reformismo europeu. Em 1956, comunistas revisionistas húngaros sob Imre Nagy promoveram esta mesma imagem da NEP, tal como o fez mais tarde Ota Sik, conselheiro principal do revisionista checoslovaco Alexander Dubcek em 1967-68. O historiador Roy Medvedev, um apoiante de Gorbacheve, louvou a NEP como "a mais vital contribuição de Lenine para a teoria e a prática do movimento socialistas". Analogamente, a antiga e influente conselheira de Gorbachev, Tatiana Zaslavskaya, promoveu a NEP como o modelo para o rumo da reforma pós 1986. O analista de assuntos soviéticos de The Nation, Stephen F. Cohen, declarou: "Dito simplesmente, o Partido Comunista Chinês reabilitou a alternativa económica perdida para o stalinismo... a NEP, que estabeleceu uma economia mista, foi o primeiro experimento em socialismo de mercado". Nas suas memórias, Anatoly Chernyaev, um ajudante de topo de Gorbachev, conta que depois de ler a biografia de Bukharine de Stephen F. Cohen, Gorbachev um bukharinista simplesmente inconsciente até então reabilitou Bukharine e tornou-o o seu padrinho ideológico, por assim dizer, para a perestroika. Alguns neo-bukharinistas dos dias de hoje, indo mais além do que o próprio Bukharine chegou a ir, reflectem economistas neoliberais tais como Ludwing von Mises e Friedrich Hayek, os quais argumentavam que apenas "mercados livres" permitem a formação racional do preço e a eficiência distributiva. Mercados "livres", apregoam tais neo-bukharinistas, são superiores ao planeamento central pelo menos no presente estado da ciência. 6- Um comunista italiano colocou a situação simplesmente: "A maior parte dos historiadores está bem consciente das contradições que acabaram por levar à crise da NEP no fim da década de 1920" (Boffa 1982, 178). Primeiro, o mercado criou instabilidade, como por exemplo na crise das "tesouras" de 1922-23, na qual preços dos cereais a flutuarem de forma selvagem provocaram escassez alimentar e desemprego entre trabalhadores, prejudicando camponeses pobres e muitos camponeses médios, mas beneficiando camponeses ricos, isto é, kulaks. Segundo, os sovietes perceberam que as políticas da NEP condenavam a União Soviética a um período prolongado de atraso industrial, uma perspectiva inaceitável em face de boicotes e provável invasão por países ocidentais sem mencionar o objectivo supremo de uma sociedade socialista próspera só possível com base na moderna indústria pesada. Terceiro, em 1927-28 a ideia de que só os mecanismos de mercado seria suficientes para alimentar as cidades rompeu-se totalmente quando diante dos preços em queda os desafiantes kulaks acumularam cereais e permitiram que as cidades confrontassem a fome. A NEP também engendrou crescentes contradições políticas internas, como o crescimento do nacionalismo daninho. Quando a situação internacional piorou, as crises da NEP demonstraram-se inadministráveis. 7- Os NEPmen eram comerciantes privados, uma nova burguesia que cresceu na era do NEP. Ver Ball 1987, 1537). 8- "Sob a burocracia da NEP, os administradores, os técnicos e a intelligentsia o corpo de oficiais da nova sociedade era predominantemente, quase exclusivamente, constituído por elementos estranhos ao regime" (Carr 1958, 116). A obra em vários volumes de Carr, A History of Soviet Russia, talvez seja o relato mais pormenorizado da NEP disponível em inglês. 9- Sobre a corrupção da NEP, ver Ball 1987, 63, 106, 114, 116, 171. 10- O Acordo Anglo-Soviético de Comércio, no princípio da era NEP, estipulava que os soviéticos tinham de restringir "propaganda hostil" contra a Grã-Bretanha (Carr 1953, 289). 11- "Corrupção, poluição, tomada de terra e taxas e impostos arbitrários estão entre as principais causas de uma vaga de inquietação social. Os tumultos tornaram-se uma característica da vida rural na China mais de 200 "incidentes maciços de inquietação" verificaram-se a cada dia de 2004, mostram estatísticas da polícia minando a insistência do partido na estabilidade social" (Kahn 2006). 12- "A China está na etapa primária do socialismo e permanecerá assim por um longo período de tempo. Esta é uma etapa histórica que não pode ser omitida na modernização socialista na China que está atrasada economicamente e culturalmente. Ela perdurará por mais de uma centena de anos" ( Constitution of the Communist Party of China, adopted 14 November 2002). http://english.people/com.cn/200211/18/eng20021118_107013.shtml . 13- Um historiador económico contemporâneo dos EUA, Robert C. Allen, declara que a velocidade da industrialização do Primeiro e Segundo Planos Quinquenais atingiu o crescimento de 12,7 por cento ano (2003, 219). Esta visão é muito semelhante àquela do economista marxista Maurice Dobb, o qual citou economistas burgueses anti-soviéticos nos Estados Unidos que estimaram taxas de crescimento da produção industrial soviética de pelo menos 14 por cento de 1929 a 1937 (1968, 26162). 14- Monopólios transnacionais de propriedade ocidental e japonesa controlam cada vez mais a economia. A sua fatia das vendas totais de manufacturas na China passou de 2,3 por cento em 1990 para 31,3 por cento em 2000 (Hart-Landsberg and Burkett 2004). 15- Foreign Affairs é uma publicação chave do debate da classe dominante dos EUA acerca de política externa. Num artigo na Foreign Affairs, Zheng Bijian, escreveu com a maior ingenuidade que uma "ascensão pacífica" dependia das esperança das potência em ascensão, não dos armamentos da potência hegemónica, os EUA, armada até os dentes com milhares de armas nucleares, e um medonho registo de utilização contra um povo asiático. Zheng escreve: "A China não seguirá o caminho da Alemanha que levou à Primeira Guerra Mundial" e "a China ultrapassará diferenças ideológicas para esforçar-se pela paz, desenvolvimento e cooperação". O artigo identifica o autor como um dos que "redigiu relatórios chave em cinco congressos nacionais do partido chinês e detém postos elevados em organizações académicas e do partido na China" (2005). 16- "Se bem que os custos de remuneração horária total de trabalhadores manufactureiros tenham aumentado mais rapidamente na China do que nos Estados Unidos entre 2002 e 2004, a remuneração horária por empregado na China continuava a ser 3 por cento do nível dos Estados Unidos" (Lett and Banister 2006). LISTA DE REFERÊNCIAS Allen, Robert C. 2003. From Farm to Factory: A Reinterpretation of the Soviet Industrial Revolution. Princeton: Princeton Univ. Press. Ball, Alan M. 1987. Building Communism with Bourgeois Hands. Chap. 1 of Russia's Last Capitalists: The Nepmen, 19211929. Berkeley: Univ. of California Press. Barboza, David. 2006a. China Drafts Law to Empower Unions and End Labor Abuses: Opposition Voiced by US and other Corporations. New York Times, 13 October. . 2006b. Rare Look at China's Burdened Banks: Loan Risk Adviser Warns of Cover-Up. New York Times, 15 November 2006. Boffa, Giuseppe. 1982. The Stalin Phenomenon. Ithaca: Cornell Univ. Press. Carr, Edward Hallett 1953. NEP in Foreign Policy. Chap, 27 in The Bolshevik Revolution, 19171923, vol. 3, Soviet Russia and the World. London: Macmillan. . 1958. Socialism in One Country . Vol. 1 of A History of Soviet Russia. London: Macmillan, 1958). China's Line of March. 2006. Conclusions and Prospects from a report of the Communist Party of Britain delegation to China. London: Communist Party of Britain. Dobb, Maurice. 1968. Soviet Economic Development since 1917 . New York: International Publishers. Hart-Landsberg, Martin, and Paul Burkett. 2004. China and Socialism: Market Reforms and Class Struggle . Special issue of Monthly Review (July-August). Kahn, Joseph. 2005. Investment Bubble Builds New China. New York Times, 23 March. . 2006. A Sharp Debate Opens in China over Ideologies. New York Times, 12 March. Keeran, Roger, and Thomas Kenny. 2004. Socialism Betrayed: Behind the Collapse of the Soviet Union. New York: International Publishers. Lenin, V. I., and J. V. Stalin. 1979. Selections from V. I. Lenin and J V. Stalin on the National and Colonial Question. Calcutta: Calcutta Book House. Lett, Erin, and Judith Banister. 2006. Labor Costs of Manufacturing Employees in China: An Update to 20032004. Monthly Labor Review (November): 4045. U.S. Bureau of Labor Statistics. Losurdo, Domenico. 2000. Flight from History? The Communist Movement between Self-Criticism and Self-Contempt. Nature, Society, and Thought 13, no. 4:457511. Sargis, Al L. 2004. The Socialist Market Economy: Unfinished Business. Political Affairs (January). Slakovsky, M. I., ed. 1972. Leninism and Modern China's Problems. Moscow: Progress Publishers. Stalin, J. V. 1953. Report on National Factors in Party and State Affairs. 12 th Congress of Russian Communist Party, 23 April. In Works , 24168. Moscow: Foreign Languages Publishing House. Weil, Robert. 1996. Red Cat, White Cat: China and the Contradictions of Market Socialism. New York: Monthly Review Press. Xue Muqiao. 1981. China's Socialist Economy. Beijing: Foreign Languages Press. Zheng Bijian. 2005. China's Peaceful Rise to Great Power Status. Foreign Affairs 84, no. 5 (SeptemberOctober): 1824. Zhongqiao Duan. 1998. Critique of Market Superiority and Market Neutrality. Nature, Society, and Thought 11, no. 2:22139. [*] Autor de Socialism Betrayed: Behind the Collapse of the Soviet Union O original encontra-se em Nature, Society, and Thought, vol. 20, no. 1 (2007): http://webusers.physics.umn.edu/~marquit/nst201a.pdf Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |