Primeiro eles fabricam mentiras monstruosas, depois dizem-nos que
deveríamos ser objectivos!
Será o amor objectivo; será a paixão?
Serão os sonhos defensáveis logicamente e filosoficamente?
Quando uma casa é atacada por bandidos, quando uma aldeia é
invadida por gangsters, quando fumo, fogo e gritos por ajuda estão a vir
de cada esquina, deveríamos nós conceder-nos o luxo do tempo para
calcular, analisar e definir objectivos com soluções completas,
lógicas, holísticas e objectivas?
Acredito firmemente que não! Somos obrigados a combater aqueles que
estão a incendiar nossos lares, atingir com toda a força aqueles
que tentam violar nossas mulheres e enfrentar o fogo com o fogo quando seres
inocentes estão a ser massacrados.
Quando a mais poderosa e mais destrutiva força sobre a terra emprega
todo o seu poder persuasivo, utilizando tudo desde os media de referência
a instrumentos educativos, a fim de justificar seus crimes, quando ela espalha
sua propaganda venenosa e mentirosa a fim de oprimir o mundo e suprimir a
esperança, devemos nós voltar atrás e começar um
infindável e pormenorizado trabalho sobre narrativas precisas e
objectivas? Ou devemos confrontar mentiras e propaganda com a nossa
própria narrativa, apoiada pela nossa intuição,
paixão e sonhos por um mundo melhor?
O Império mente continuamente. Mente pela manhã, durante o dia,
à tarde, mesmo à noite, quando a maior parte das pessoas ressonam
adormecidas. Ele fez isso durante décadas e séculos. Para
grandes fraudes o Império confia em incontáveis propagandistas
que posam como académicos, professores, jornalistas e "intelectuais
públicos". A perfeição na arte da
desinformação foi alcançada. A publicidade ocidental
(tão admirada e usada pelos nazis alemães) tem algumas
raízes comuns com a propaganda, embora a propaganda seja muito mais
antiga e "completa".
Parece que agora mesmo alguns líderes da Europa acreditam na maior parte
das suas falsificações e a maior parte dos cidadãos
certamente também. Do contrário, como poderiam dormir à
noite?
Este aparelho de propaganda ocidental é enormemente eficiente e eficaz.
É também brilhante para assegurar que suas
invenções sejam canalizadas, distribuídas e aceites em
todos os cantos do mundo. O sistema através do qual a
desinformação se espalha é incrivelmente complexo. Os
media locais e as academias servis em todos os continentes trabalham arduamente
para garantir que apenas uma narrativa seja permitida penetrar nos
cérebros de milhares de milhões de pessoas.
Os resultados são: covardia intelectual e ignorância, por
todo o
mundo, mas especialmente no ocidente e nos seus estados clientes.
O que nós, os que nos opomos ao regime, devemos fazer?
Em primeiro lugar, as coisas não estão tão desesperadoras
como antes.
Isto já não é o mórbido mundo unipolar que
experimentámos no princípio da década de 90. Agora a
Venezuela, Rússia, China e Irão apoiam grandes redes de media que
se opõem ao Império. Emergiram estações
televisão poderosas: RT, Press TV, TeleSur e CCTV. Grandes
revistas e
sítios em inglês baseados na Internet nos EUA, Canadá e
Rússia também estão a revelar as mentiras dos
propagandistas oficiais do Ocidente:
Dissident Voice, Information Clearing House, Global Research, Veterans News,
Strategic Culture, New Eastern Outlook
vêm rapidamente à mente. E há centenas de importantes
sítios a fazerem o mesmo em castelhano, chinês, russo e
francês.
O combate está em andamento: o combate por um mundo
intelectualmente
multi-polar. É um combate duro, mortal! É uma batalha crucial,
simplesmente por causa das metástases que o cancro da propaganda
ocidental espalhou por toda a parte, contaminando todos os continentes e mesmo
alguns dos países e cérebros mais corajosos que
combatem seriamente o imperialismo e fascismo ocidental! Ninguém
está imune. Para ser franco, todos nós estamos contaminados.
A menos que ganhemos esta batalha, primeiro identificando claramente e
demonstrando que a "sua narrativa" é fraudulenta e depois
apresentando percepções humanistas e compassivas, não
podemos sequer sonhar acerca da revolução, ou acerca de quaisquer
mudanças significativas na organização do mundo.
Como alcançar a vitória? Como convencer as massas, aqueles
milhares de milhões de pessoas? Como abrir seus olhos e fazê-las
ver que o regime ocidental é desonesto, tóxico, venenoso e
destrutivo? A maior parte da humanidade está enganchada na propaganda do
Império. Esta propaganda é espalhada não só
através dos media de referência como também pela pop music,
novelas, media sociais, publicidade, consumismo, "tendências da
moda" e por muitos outros meios encobertos, culturais, religiosos e os
media lixo que levam aos estupor emocional e intelectual e são
administrados como narcóticos altamente viciantes, de modo regular e
persistente.
Será que contra-atacaremos as tácticas e estratégia do
Império destrutivo e implacável com a nossa honestidade, com
investigação, contando e escrevendo meticulosamente factos
investigados?
O Império perverte os factos. Ele repete mentiras nos seus alto-falantes
e TVs. Ele grita-lhes milhares e milhares de vezes, até que afundem no
subconsciente das pessoas, penetre a pele, espalhem-se através dos seus
cérebros.
Boa vontade, honestidade ingénua, "falar a verdade ao poder",
poderia isto mudar o mundo e o próprio poder? Duvido muito.
O Império e seu poder são ilegítimos e
criminosos. Haverá qualquer sentido em falar a verdade a um gangster?
Dificilmente! A verdade deveria ser falada ao povo, às massas,
não àqueles que estão a aterrorizar o mundo.
Ao conversar com vilões, ao implorar-lhe que parem de torturar os
outros, estamos a legitimar seus crimes e a reconhecer seu poder. Ao tentar
apaziguar gangsters, as pessoas colocam-se a si próprias à sua
mercê.
Recuso absolutamente ficar em tal posição!
Para persuadir milhares de milhões de pessoas temos de
inspirá-las, estimulá-las. Temos de ultrajá-las,
abraçá-las, envergonhá-las, fazê-las rir e
fazê-las chorar. Temos de assegurar que tenham arrepios quando
vêem nossos filmes, lêem nossos livros e ensaios, ouvem nossos
discursos.
Temos de desintoxicá-las, fazê-las sentir outra vez, reactivar os
instintos naturais dentro delas.
A simples verdade não funcionará como agente desintoxicante. O
veneno dos nossos adversários penetrou demasiado profundamente. A maior
parte das pessoas está demasiado letárgica e demasiado imune para
verdades simples declaradas tranquilamente!
Já tentámos e outros também o fizeram. Meu conhecido (mas
definitivamente não meu camarada) John Perkins, antigo quadro
estado-unidense educado pelo Departamento de Estado, escreveu um relato
pormenorizado dos seus horrendos feitos no Equador, na Indonésia e
alhures
Confession of An Economic Hitman
. É um relato meticuloso, pormenorizado de como o Ocidente
desestabilizou
países pobres, utilizando corrupção, dinheiro,
álcool e sexo. O livro vendeu milhões de exemplares, por todo o
mundo. E ainda assim, nada mudou! Ele não disparou uma
revolução popular nos Estados Unidos. Não houve protestos,
nem exigências de mudança de regime em Washington.
No passado recente, escrevi e publiquei dois livros académicos, ou pelo
menos semi-académicos, repleto de grandes minúcias,
citações e toneladas de notas de rodapé: um sobre a
Indonésia, um país utilizado pelo Ocidente como cenário
de horror modelo para o resto do mundo, após o golpe militar de 1965
patrocinado pelos EUA. O golpe matou 2 a 3 milhões de pessoas,
assassinou todo o intelectualismo e lobotomizou o 4º mais populoso
país da terra. O livro chama-se
Indonesia Archipelago of Fear
. O segundo livro, único porque cobre uma enorme parte do mundo
Polinésia, Melanésia e Micronésia (
Oceania Neocolonialism, Nukes and Bones
), mostrou como os EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e
França, literalmente dividiram e destruíram as grandes culturas
insulares e povos do Pacífico Sul. Agora há cursos que utilizam
meus livros, mas só um número muito limitado de pessoas é
influenciado pelos factos neles expostos. As elites tanto na Indonésia
como na Oceânia fazem com que os livros não sejam lidos por amplas
camadas do povo.
Passei anos e anos a compilar factos, a pesquisar, a investigar. A
eficácia revolucionária do meu trabalho académico é
tenho de admitir aproximadamente zero.
É fácil ver o contraste: quando escrevo um ensaio, um ensaio
poderoso e emocional, pedindo justiça, acusando o Império de
assassínio e roubo, obtenho milhões de leitores em todos os
continentes, bem como traduções em dúzias de
línguas!
Por que escrevo isto; por que partilho isto com meus leitores? Porque
deveríamos todos ser realistas. Temos de ver, entender, o que o povo
quer o que ele pede. Os povos estão infelizes e assustados. A
maior parte deles não sabe porque. Eles odeiam o sistema, estão
abandonados, frustrados, sabem que são sujeitos à mentira e
explorados. Mas não podem definir essas mentiras. Livros
académicos revelando as mentiras são demasiado complexos para que
leiam uma vez que as massas não têm tempo de ler milhares de
páginas indigestas ou a educação necessária que
lhes permita entender o que estão a ler.
É nosso dever dirigirmo-nos a esse povo, à maioria, do
contrário que espécie de revolucionários somos nós?
Afinal de contas, devemos criar para nossos irmãos e irmãs,
não para uns poucos investigadores nas universidades, especialmente
quando percebemos que a maior parte das universidades está a servir o
Império ao regurgitar a nomenclatura oficial e apoiar demagogos.
O Império fala, escreve e repete algumas mentiras ultrajantes, acerca da
sua benevolência e da excepcionalidade do seu domínio, ou acerca
dos "maus" da União Soviética, China, Irão,
Venezuela, Coreia do Norte ou Cuba. Isto é feito diariamente. De facto
é concebido de modo a que quase todo ser humano obtenha a sua dose de
toxina pelo menos várias vezes por dia.
Sentimos que temos de reagir começamos a gastar anos das nossas
vidas a provar meticulosamente, passo a passo, que a propaganda do
Império é ou uma grossa mentira, ou um exagero, ou ambos. Depois
de alinharmos nossos argumentos, publicamos os resultados em alguma pequena
editora, mais provavelmente na forma de um livro magro, mas quase
ninguém lê devido à sua pequeníssima
circulação e porque as descobertas são geralmente
demasiado complexas, demasiado difíceis de digerir e simplesmente porque
os factos já não chocam ninguém. Um milhão mais de
pessoas inocentes foram assassinadas em algum lugar na África, no
Médio Oriente, na Ásia, qual a novidade?
Ao investigar e tentar contar a verdade, plenamente e honestamente, sentimos
que estamos a fazer grande trabalho científico e profissional. Enquanto
isso os propagandistas do Império estão a morrer de rir a
observar-nos! Nós representamos pouco perigo para eles. Eles
estão a vencer facilmente!
Por que é assim? A verdade
minuciosa
já não importa?
Ela importa do ponto de vista de princípios mais elevados ela
importa. Eticamente ela importa. Moralmente ela importa. Filosoficamente ela
importa.
Mas estrategicamente, quando alguém está empenhado numa guerra
ideológica, ela não importa muito! A verdade sim, sempre; a
verdade importa! Mas simplificada, a verdade digerível, apresentada
energicamente e emocionalmente!
Quando a imoralidade está a devastar o mundo, quando ela está a
agredir impiedosamente, quando milhões de inocentes estão a
morrer, o que importa é travar a carnificina, primeiro identificando as
forças assassinas, a seguir contendo-as.
A linguagem tem de ser forte, emoções primárias.
Quando enfrentando hordas assassinas, canções emocionalmente
carregadas e odes patrióticas sempre foram mais eficazes do que
profundos estudos académicos. E assim foram romances e filmes
políticos, documentários apaixonadas, mesmos cartoons e posters
explícitos.
Alguns perguntarão: "Só porque eles mentem,
deveríamos nós mentir também?" Não!
Deveríamos tentar ser tão verdadeiros quanto podemos. Mas a nossa
mensagem deveria muitas vezes ser "abreviada", de modo a que milhares
de milhões, não apenas aqueles poucos selectos, possam
entendê-la.
Isso não significa que a qualidade do nosso trabalho deveria sofrer. A
simplicidade é muitas vezes mais difícil de alcançar do
que trabalhos enciclopédicos com milhares de notas de rodapé.
A
Arte da Guerra
, de Sun Tzu, é curto, apenas um panfleto, directo ao assunto. E assim
é o
Manifesto Comunista
e o
J'accuse!
Nosso trabalho revolucionário não tem necessariamente de ser
breve, mas tem de ser apresentado de um modo que possa ser entendido por
muitos. Estou constantemente a experimentar com a forma, se bem que nunca
comprometendo na substância. Meu recente livro,
Exposing Lies of the Empire
, tem mais de 800 páginas, mas tenho a certeza de que está
recheado
de estórias fascinantes, com testemunhos de pessoas de todos os cantos
do globo, com descrições vivas tanto das vítimas como dos
tiranos. Não quero que os meus livros acumulem pó em bibliotecas
universitárias. Quero que mobilizem o povo.
Acredito realmente que não há muito tempo para a
"objectividade" em qualquer batalha, incluindo a ideológica,
especialmente quando estas batalhas são para a sobrevivência da
humanidade!
As mentiras do inimigo têm de ser confrontadas. Elas são
tóxicas, mentiras monstruosas!
Uma vez travada a destruição, milhões de homens, mulheres
e crianças inocentes deixarão de serem sacrificados e podemos
retornar aos nossos complexos conceitos filosóficos, para pormenores e
nuances.
Mas antes de vencermos nossas batalhas finais contra o imperialismo, niilismo,
fascismo, excepcionalismo, egoísmo e cobiça, temos de utilizar
plena e eficazmente nossas armas mais poderosas: nossas visões de
um
mundo melhor, nosso amor pela humanidade, nossa paixão pela
justiça. Nossa determinação e nossas crenças
têm de ser apresentadas de uma maneira audível, potente, mesmo
"dogmática", nossa voz deveria ser criativa, artística,
poderosa!
A casa está em chamas, camaradas! Toda a cidade está a
transformar-se em cinzas. O planeta inteiro é pilhado, devastado,
lobotomizado.
Não podemos confrontar fanáticos com ogivas e navios de guerra.
Mas nossos talentos, nossas musas e nossos corações estão
aqui, connosco, prontos para juntarem-se à batalha.
Deixem-nos sobrepujar nossos inimigos; deixem-nos assegurar que o mundo
começa a rir-se deles! Viram aqueles patéticos perdedores, os
bufões os directores gerais? Ouviram aqueles primeiros-ministros
e presidentes, aqueles servos do "mercado"? Deixem-nos convencer as
massas que os seus tiranos os imperialistas, o neocolonialistas e todos
os seus pregadores dogmáticos não são nada mais do
que loucos lamentáveis, cobiçosos, venenosos! Deixem-nos
desacreditá-los! Vamos ridicularizá-los.
Eles estão a roubar e assassinar milhões. Deixem-nos
começar a pelo menos urinar sobre eles!
Deixem-nos combater a propaganda ocidental revelando primeiro aqueles que
estão realmente por trás. Vamos ao pessoal.
Vamos transformar esta revolução em algo criativo, hilariante,
realmente divertido!
15/Maio/2015
Ver também:
As cinco dificuldades para escrever a verdade
, Bertolt Brecht
[*]
Romancista, realizador de filmes e jornalista investigador. Cobriu guerras e
conflitos em dúzias de países. Seu livro mais recente é
Exposing Lies of the Empire. Também escreveu, com Noam Chomsky,
On Western Terrorism: From Hiroshima to Drone Warfare
. Seu romance revolucionário
Point of No Return
foi reeditado e está disponível.
Oceania
é o seu livro sobre o imperialismo ocidental
no Pacífico Sul. Seu livro provocador acerca da Indonésia
pós Suharto e o fundamentalismo de mercado chama-se
Indonesia: The Archipelago of Fear
. Realizou o documentário
Rwanda Gambit
(2013) acerca da história de Rwanda e a pilhagem da República
Democrática do Congo. Seu sítio web é
andrevltchek.weebly.com
O original encontra-se em
dissidentvoice.org/2015/05/how-to-fight-western-propaganda/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.