Pegasus: Perigoso para a democracia
por Prabir Purkayastha
Pegasus
, o cavalo alado da lenda grega, está a assombrar o governo Modi.
Dezassete novas organizações, incluindo
The Wire, Washington Post, The Guardian,
bem como duas ONGs Amnesty International e
Forbidden Stories
passaram meses a examinar uma lista de 50 mil números
telefónicos de 45 a 50 países. Eles descobriram quem na verdade
eram os possíveis alvos de ciber ataques nestes países. Fizeram
então uma perícia para examinar os telefones da lista de alvos de
algumas das pessoas que se dispuseram a testar os seus telefones. Os resultados
mostraram que 85 por cento dos aparelhos mostravam sinais de estarem hackeados
pelo software de espionagem Pegasus.
Os alvos incluem não só jornalistas e activistas como
também responsáveis governamentais. A coroar isto tudo,
incluem-se 14 chefes de estados e de governos: três presidentes
Emmanuel Macron da França, Barham Salih do Iraque e Cyril Ramaphosa da
África do Sul; três actuais e sete antigos primeiro-ministros e um
rei, Mohammed VI do Marrocos. Os três primeiro-ministros são Imran
Khan do Paquistão, Mostafa Madbouly do Egipto e Saad-Eddine El Othmani
do Marrocos. Entre os sete antigos primeiro-ministros estão Saad Hariri
do Líbano, Édouard Philippe da França, Noureddine Bedoui
da Argélia e Charles Michel da Bélgica.
Quem quer que tenha instalado o malware nos telefones alvos, obteve acesso
pleno não só aos dados no telefone como também aos
controles do seu microfone e câmara. Ao invés de dispositivo para
utilização do seu possuidor, ele tornou-se um espião no
seu bolso que regista não simplesmente as chamadas telefónicas
como toda conversação física incluindo imagens dos
participantes. O aparelho transmite esta informação de volta
àqueles que instalaram o Pegasus.
Sucessivos ministros de Tecnologia da Informação Ravi
Shankar Prasad e Ashwini Vaishnaw declararam que não existia
"intercepção não autorizada" no país.
Como então o governo comprou software de hacking à
NSO
e autorizou que cidadãos indianos se tornassem alvo? E pode a
utilização do software de espionagem Pegasus para infectar smart
phones e alterar suas funções básicas ser considerada como
autorização legal sob as Regras da Lei das TI para
"intercepção, monitoramento ou desencriptação
de qualquer informação através de qualquer recurso
computacional"?
Vou deixar as questões legais para aqueles que estão melhor
qualificados para manuseá-las. Ao invés disso, vou examinar os
novos perigos que o malware usado como arma por estados-nação
apresenta para o mundo. O Pegasus não é o único exemplo de
tal software, as revelações de Snowden mostram-nos o que fazem a
National Security Agency (NSA) dos EUA e os governos dos Cinco Olhos.
A diferença chave entre estados-nação e ciber criminosos
que desenvolvem malware são os recursos a muito maiores que os
estados-nação possuem para desenvolver este malware. Tome-se o
exemplo do
Shadowbrokers
, que em 2017 despejaram na net um gigabyte de software utilizado como arma da
National Security Agency. Matthew Hickey, um perito de segurança bem
conhecido contou à ArsTechnica: "É muito significativo pois
isto efectivamente colocou ciber armas nas mãos de qualquer um que as
descarregue". O ransomware atingiu grande intensidade logo após com
o software WannaCry e NotPetya, ambos usando os feitos da caixa de ferramentas
da NSA e criando devastação.
Por que conto outra vez das ferramentas de malware da NSA no momento em que
discuto o Pegasus? Porque o Pegasuas pertence à NSO, uma companhia
israelense com laços muito estreitos à Unidade 8200, o
equivalente israelense da NSA. A NSO, como muitas outras companhias comerciais
israelenses de ciber inteligência, é fundada e dirigida por
ex-responsáveis de inteligência da Unidade 8200. É este
elemento introduzir qualificações e conhecimentos de
estados-nação na esfera civil que torna estes software
espiões tão perigosos.
A NSO também parece ter desempenhado um papel na melhoria das
relações de Israel com as duas petro-monarquias do Golfo, os
Emirados Árabes Unidos (EAU) e a Arábia Saudita. Portanto, Israel
encara a venda de software espião para tais países como uma
extensão da sua política externa. O Pegasus foi usado amplamente
pelos EAU e pela Arábia Saudita para alvejar vários dissidentes
internos e mesmo críticos estrangeiros. O mais conhecido, naturalmente,
é Jamal Khashoggi, o dissidente saudita e colunista do
Washington Post
que foi morto no Consulado saudita em Istambul.
As capitalização de mercado da NSO é relatada como sendo
de mais de um milhão de milhões de dólares, tornando-a
talvez uma das mais caras companhias civis de ciber inteligência. E suas
ferramentas são alarmantes pois não parece haver qualquer
protecção contra elas. A maior parte destas ferramentas
são classificadas como ciber-armas e exigem a aprovação do
governo israelense para exportação, o que mostra mais uma vez a
ligação entre o Estado israelense e a NSO.
O que é o Pegasus? E por que é tão perigoso? O Pegasuas
não está simplesmente a ouvir ou monitorar nossas
comunicações. Uma vez que ele infecte nossos smart phones, ele
"modifica" o software do telefone para acessar todas as suas
funções. Efectivamente, ele passa a possuir o seu telefone e pode
ouvir às escondidas qualquer conversação física que
esteja a ter; não apenas uma conversação
telefónica. Ele pode tomar quaisquer fotos que a câmara no
telefone possa "ver" e registá-las todas no telefone. Estes
ficheiros gravados são então enviados para um servidor Pegasus, a
partir do qual o comprador da licença Pegasus pode recuperá-los.
A outra razão porque o Pegasus é tão perigoso é que
não necessita de qualquer acção da sua parte para o
telefone ser infectado. A maior parte das infecções dos nossos
dispositivos verifica-se quando clicamos um link que nos foi enviado
através do email/SMS; ou indo a um sítio e clicando alguma coisa
ali. O Pegasus explorou um problema de segurança com o WhatsApp e foi
capaz de infectar o telefone apenas através de uma chamada falhada.
Apenas um toque é suficiente para carregar o software espião
Pegasus no telefone. Isto agora foi estendido utilizando outras vulnerabilidade
que existem dentro do iMessage, WhatsApp, FaceTime, WeChat, Telegram e
várias outras aplicações que podem receber dados de fontes
desconhecidas. Isto significa que o Pegasus pode comprometer um telefone sem
que o utilizador tenha de clicar um único link. Estes feitos são
chamados de zero-click na ciber comunidade.
Uma vez instalado, o Pegasus lê as mensagens do utilizador, emails,
chamadas, capturas de écran, teclas pressionadas, histórico do
browser e contactos. Ele envia ficheiros para o seu servidor. Basicamente, ele
pode espiar todo aspecto da vida do alvo. Encriptar emails ou utilizar
serviços encriptados, como o Signal por exemplo, não adianta pois
ele lê o que você lê ou captura o que você tecla no
telefone.
Muitas pessoas utilizam iPhones com a crença de que são mais
seguros. A triste verdade é que o iPhone é tão
vulnerável a ataques do Pegasus quanto os telefones Android, embora de
modos diferentes. É mais fácil descobrir que um iPhone
está infectado, pois ele regista o que o telefone está a fazer.
Como os sistemas Android não mantêm tais registos, o Pegasus pode
ocultar melhor os seus rastos.
Snowden descreveu os desenvolvedores de malware motivados pelo lucro como
"uma indústria que não deveria existir... Se não se
fizer qualquer coisa para travar a venda desta tecnologia, não
serão apenas 50 mil alvos. Virão a ser 50 milhões de alvos
e isto está a acontecer muito mais rapidamente do que se poderia
esperar". Ele apelou a uma imediata moratória global no
comércio internacional de softwares espiões.
O apelo de Snowden pelo banimento da venda deste software espião
não é suficiente. Precisamos ao invés de encarar o
desarmamento de todo o ciber-espaço, incluindo o software espião.
O dilúvio de ciber-ataques recentes estima-se serem dezenas de
milhares por dia é um risco para toda a nossa ciber
infraestrutura da qual dependem nossas instituições. Após
a fuga das ciber-armas da NSA e da CIA, e agora com o uso indiscriminado do
Pegasus da NSO, deveríamos perguntar se estados-nação
podem realmente ser confiáveis para desenvolver tais armas.
Brad Smith, o presidente da Microsoft, que não é nenhum pacifista
ou esquerdista, em 2017 escreveu: "Reiteradamente, proezas nas mãos
de governo escaparam para o domínio público e provocaram dano
generalizado..." Foi esta preocupação que certas companhias
líderes dentro da indústria Microsoft, Deutsch Telekom e
outras levantaram em 2017, clamando por uma nova Covenção de
Genebra banindo ciber-armas. Isto tem sido também um apelo muito mais
antigo da Rússia e da China. Ele foi rejeitado peremptoriamente pelos
EUA, acreditando que tinha uma vantagem militar no ciberespaço que
não deveria desperdiçar.
O Pegasus recorda mais uma vez o perigo de estados-nação
desenvolverem ciber-armas. Embora aqui não seja uma fuga mas uma
utilização deliberada de uma tecnologia perigosa para lucro
privado que põe em risco jornalistas, activistas, partidos de
oposição e em última análise a democracia. É
uma questão de tempo até que os smart phones se tornem vectores
para atacar a ciber infraestrutura da qual dependemos.
25/Julho/2021
O original encontra-se em
https://peoplesdemocracy.in/2021/0725_pd/pegasus-dangerous-democracy
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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