EUA mantêm em segredo armas não letais
Debora MacKenzie
New Scientist
Bactérias que comem estradas e edifícios. Biocatalizadores que
decompõem combustíveis e plásticos. Dispositivos que
corroem secretamente o alumínio e outros metais. Estes são
apenas uns poucos exemplos de armas não letais que os EUA tentaram, ou
estão a tentar, desenvolver. Mas quão próximas estas
armas estarão da realidade nunca poderemos saber. A US National Academy
of Sciences (NAS) recusa-se a liberar dúzias de relatórios que
propõem ou descrevem seu desenvolvimento, embora os documentos devam
estar nos registos públicos.
A academia justifica sua reticência sem precedentes mencionando
preocupações com segurança após o 11 de Setembro.
Mas pessoas experientes pensam que a razão real é que as
investigações violam tanto a lei dos EUA como tratados
internacionais sobre armas químicas e bacteriológicas.
Os documentos em causa foram coleccionados no ano passado por um painel de
cientistas académicos e industriais organizado pela NAS para avaliar
recentes investigações de armas não letais para o Joint
Non-Lethal Weapons Program (JNLWP), do Pentágono. Os EUA ganharam um
interêsse acrescido pelas armas não letais após a sua
desastrosa missão pacificadora na Somália, em 1993, quando civis
amotinados mataram soldados americanos.
O painel, cujo relatório deve sair até ao fim deste ano,
coleccionou 147 relatórios e propostas de investigadores, muitos deles
financiados pelo JNLWP. Um grupo no Oak Ridge National Laboratory, no
Tennessee, por exemplo, propõe utilizar campos electromagnéticos
intensos a fim de produzir efeitos que vão "desde a
interrupção da memória de curto prazo à total perda
de controlo voluntário das funções corporais".
Outros propõem armas de energia dirigida.
Em Março, como é habitual com estudos da NAS
não-classificados, eles foram depositados no Public Access Records
Office da academia, e os seus títulos foram divulgados (ver abaixo).
"Estes documentos são supostos serem públicos", afirma
Ed Hammond do Sunshine Project, um grupo que faz campanha contra armas
biológicas. Quando ele pediu ao serviço de registos para ver 77
dos documentos, este concordou em cedê-los.
"Mas dois dias depois a NAS retirou os documentos", conta Hammond.
"Kevin Hale, o responsável de segurança da NAS, disse-me que
era porque alguém havia exprimido preocupação". Quem
o fez não é claro. A pressão restritiva não parece
ter vindo da própria JNLWP, porque na semana passada esta enviou a
Hammond oito documentos que ele havia requerido, incluindo três que
estavam na lista da NAS.
New Scientist não pode contactar Hale. "Ainda estamos a formular a
nossa resposta às pessoas da Sunshine", foi tudo que um assistente
disse. Mas os poucos relatórios que Hammond obteve constituem uma
leitura interessante.
Mais de um ano atrás, New Scientist revelou que responsáveis
superiores da JNLWP pretendiam reescrever os tratados de armas químicas
e biológicas a fim de terem mais liberdade para desenvolverem armas
não letais (16 Dezembro 2000, pg. 4). Os relatórios tornavam
claro que investigações que violam os tratados foram efectuadas
desde os anos 1990.
Um pedido de financiamento feito em 1998 pelo Office of Naval Research
propõe a criação de micro-organismos geneticamente
projectados que corroeriam estradas e pistas de decolagem, e produziriam
"deterioração de partes metálicas, revestimentos e
lubrificantes de armas, veículos e equipamento de apoio, bem como
combustíveis.
O plano era isolar genes para enzimas que atacam materiais como Kevlar,
asfalto, cimentos, pinturas ou lubrificantes, e colocá-los dentro de
micróbios que os expulsariam em grandes quantidades. As
bactérias deveriam ser projectadas para se auto-destruirem depois de
despejarem a sua carga de destruição.
Não é claro quantas destas ideias foram realmente realizadas.
Mas o grupo já patenteou um microorganismo que decomporia poliuretano,
"um componente vulgar das tintas de navios e aviões",
incluindo revestimentos anti-radar secretos.
Outra proposta de 1998, de um um laboratório de biotecnologia da base de
Brroks da Força Aérea, próxima de San Antonio no Texas,
era refinar "biocatalizadores anti-material" já em
desenvolvimento. Um deles envolvia uma bactéria derivada que decompunha
moléculas organicas como combustíveis e plásticos.
As propostas afirmam que tais substâncias estão isentas das
restrições relativas à guerra biológica. Mas isso
não é verdade, argumenta Mark Wheelis da Universidade da
California, Davis. A Convenção das Armas Biológicas e
Tóxicas de 1972 proibe o "desenvolvimento, produção,
armazenagem ou aquisição de agentes biológicos ou
toxinas" se não forem para finalidades pacíficas.
Além disso, no ano passado os próprios EUA introduziram uma lei
banindo a posse de bio-armas, inclusivé micróbios concebidos para
atacarem materiais.
Os documentos retidos também incluem propostas para usar bombas
fétidas, sedativos e derivados do ópio como armas, os quais
Wheelis considera que transgrediriam a Convenção das Armas
Químicas de 1992.
Esta convenção proíbe "qualquer produto
químico... que possa causar morte, incapacidade temporária ou
dano permanente".
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