Um "dólar chinês" comum
Proposta séria ou retórica política?
por Stratfor
A China lançou um balão de ensaio a 28 de Junho ao postular uma
moeda comum chinesa para o continente, Formosa, Hong Kong e Macau, a qual
eventualmente poderia evoluir para o núcleo de uma moeda comum
asiática. Um artigo no "Diário do Povo" oficial sugere
a formação de um "dólar chinês" de acordo
com o padrão da moeda comum europeia, o euro. O optimista plano decenal
poderia conduzir à criação de um "dólar
asiático", o qual poderia proteger a região contra
flutuações de moedas e crises económicas, de acordo com o
noticiado.
A proposta da China de moeda comum é obviamente um
não-comêço, uma vez que Formosa perderia toda
independência económica se concordasse com o plano. Mesmo assim,
sob certos aspectos, é uma extensão lógica de uma
política chinesa de duas vias voltada para a integração
pacífica da China e de Formosa e destinada a reassegurar seus vizinhos
asiáticos de que o crescimento económico da China não
é um motivo de alarme mas uma força para a estabilidade regional.
Com a China a encaminhar-se para uma das maiores mudanças de
liderança nas cinco décadas de história da
República Popular, a questão que se levanta é se as
declarações reflectem simplesmente uma pose ou de facto revelam
novos desdobramentos políticos e económicos.
No artigo do Diário do Povo foram apresentados quatro benefícios
para a formação de uma moeda chinesa integrada. Primeiro, as
reformas financeiras da China poderiam ser conduzidas por peritos de Hong Kong
e Formosa, estabilizando a economia chinesa e fortalecendo o sistema comum.
Segundo, Hong Kong ganharia um mercado muito mais vasto para os seus produtos e
serviços. Terceiro, a indústria turística vital de Macau
seria impulsionada por uma moeda única mais conveniente. O quarto e
último benefício seria para Formosa, que seria capaz de utilizar
a escala da economia da China para resistir a "ataques financeiros
externos".
Embora a alguns níveis estes sejam argumentos lógicos, eles
passam por alto a questão central: aquela da autonomia política
de Formosa. Apesar dos laços económicos em rápido
crescimento entre Formosa e o continente, Taipé ainda pretende
permanecer pelo menos independente de facto de Pequim. O mesmo argumento
parece substituir uma outra proposta do continente para ligações
económicas com Formosa. Um porta-voz do Gabinete de Assuntos de
Formosa, da China, dissera anteriormente que Pequim está pronta para
abrir as chamadas três ligações directas com Formosa
desde que elas sejam tratadas como negócios internos. As três
ligações directas são correio, comércio e
serviços aéreos e marítimos directamente entre Formosa e
China, ao invés de passarem por Hong Kong ou outros países.
O porta-voz declarou que a razão chave para a etiqueta
"interna" seria evitar a permissão aos estrangeiros para se
apossarem das rotas marítimas, pois mesmo com a entrada de Formosa e da
China na OMC, as Nações Unidas permitem aos países reterem
os direitos de navegação costeira, pescas e comércio para
os seus próprios empresários. Tal como a proposta para uma moeda
integrada, esta também evita a questão da soberania de Formosa
ou então assume automaticamente que Formosa é parte de uma
só China, algo que Taipé está a recusar com firmeza.
Entretanto, para além de Formosa, a China está a tentar projectar
uma imagem de magnanimidade económica para com todos os
asiáticos. Pequim tem estado a fazer uma árdua campanha para
convencer seus vizinhos da Ásia de que o crescimento económico da
China não coloca desafios às suas economias. Pondo a flutuar a
ideia de uma gigantesca economia chinesa ancorando a Ásia em meio a um
mar de instabilidade financeira e piratas estrangeiros inclinados a
"ataques financeiros", Pequim procura transformar a
percepção da China como um gigante inescrupuloso inclinado
à conquista económica.
Construindo sobre esta ideia, a China tomou a iniciativa de promover a
formação de uma zona de livre comércio com a Association
of Southeast Asian Nations (ASEAN), sugerindo basicamente a estas
nações que como o crescimento da China é inevitável
(se não imparável), elas podem também vir juntas neste
ascenço. Mais tacticamente, Pequim está a basear-se muito na
ligação do Sudeste asiático peninsular à China via
ferroviária abrindo-se aos fluxos comerciais e dando aos
países da ASEAN um acesso físico mais fácil aos mercados
da China.
As tentativas da China para suavizar sua imagem entre os seus vizinhos
estão, entretanto, a ter apenas efeitos mínimos. Pequim
vê-se a si própria como um dos últimos porta-bandeiras para
a criação de um mundo multi-polar, um mundo que permite à
China estabelecer as suas próprias medidas económicas e
políticas sem se preocupar com o que Washington possa dizer ou fazer.
Ainda que os Estados Unidos sejam de longe a potência mais
economicamente, politicamente e militarmente dominante. E tudo o que a China
faz para reduzir o fosso seja através da
reestruturação económica ou da compra de submarinos russos
somente leva os vizinhos próximos da China a convencerem-se que
Pequim tem aspirações regionais de glória e de poder.
As recentes declarações de Pequim, portanto, levantam uma
importante questão. Estará a China simplesmente a lançar
retórica durante a corrida para a mudança de liderança, ou
estará a preparar-se seriamente para uma grande mudança de
orientação económica e política?
Há outras acções de Pequim que parecem ser um movimento
contínuo rumo à liberalização da economia, o que
por sua vez significa controlo menos centralizado de Pequim ou do Partido
Comunista. A China está a abrir os direitos de operarem com divisas
estrangeiras aos bancos internos e alguns bancos estrangeiros seleccionados e
está a considerar mudanças nas regras de investimento a fim de
permitir às firmas estrangeiras investirem na China em yuan, ao
invés de divisas estrangeiras. Ao mesmo tempo, responsáveis
financeiros têm muitas vezes sugerido que o yuan está mover-se
rumo à convertibilidade.
Permitir que o yuan flutue livremente, ou mesmo dentro de uma banda larga, iria
corroer o controlo de Pequim sobre políticas económicas
nacionais. Isto por sua vez poderia ter drásticas consequências
para a capacidade de Pequim de controlar a instabilidade social,
particularmente se as forças do mercado provocassem altas ainda mais
rápidas no desemprego ou flutuações drásticas na
divisa da China.
Mas se as flutuações deixarem de materializar-se, Pequim poderia
mover o yuan em direcção a uma divisa mais regional e mesmo
internacional dando à China muito maior alavancagem
política e uma capacidade para reagir aos Estados Unidos. Isto
naturalmente exigiria a continuação das fenomenais (se não
totalmente críveis) taxas de crescimento da China algo de que
Pequim teria de estar muito seguro devido ao risco de
desestabilização interna se mal calculado.
Se os dirigentes da China acreditam verdadeiramente que Pequim está numa
ascensão imparável na escada económica global,
então os riscos a curto prazo para a estabilidade poderiam ser
contrabalançados pelos ganhos a longo prazo em influência
política e económica internacional e pela capacidade para
estabelecer a China como o outro polo do sistema global. Contudo, com a
transição de poder a aproximar-se, a actual onda de
retórica, e algumas das acções da China, pode
desvanecer-se na medida em que os novos dirigentes comecem a consolidar o seu
poder em 2003.
28/Jun/02
O original deste artigo encontra-se em
http://lists.econ.utah.edu/pipermail/a-list/
Tradução de J. Figueiredo
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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